quinta-feira, 30 de junho de 2016

Crise? Que Crise? -- A Crise do Modelo Petista de Inclusão Social

Víamos no noticiário, especialmente antes da Sr.ª Dilma Rousseff ser afastada, que o país estava em crise graças às desavenças do PT. Depois, porém, parece que os veículos de imprensa resolveram adotar a censura temerística, "Não fale em crise, trabalhe" -- e o problema é do trabalhador para sobreviver e arrumar trabalho. O importante é calar-se. Mas, nós, desobedientes que somos, falaremos sobre crise e que isso seja uma prova que é possível falar dela (ou seja, ter consciência e posicionamento político) e ainda trabalhar.

A crise não é econômica ou fiscal. Infelizmente, os impactos econômicos são apenas sintomas de uma doença ainda maior. O que está em jogo é o fim de toda uma era. Trata-se de uma verdadeira avalanche de crises, as quais irei abordar em uma série de publicações, a saber:

1) A Crise do Modelo Petista de Inclusão Social
2) A Crise da Quarta República
3) A Crise Ético-Ideológica da Sociedade Pós-Moderna
4) A Crise da Globalização e do Neoliberalismo


A Crise do Modelo Petista de Inclusão

Esse primeiro tópico é o que a mídia nacional mais gosta de explorar. E não é sem razão, pois trata-se de uma forma de se defender, utilizando a opinião pública para poder legislar em causa própria. O esgotamento do modelo petista de promover a inclusão tem na crise econômica seu maior expoente, uma vez que o Estado já não tem mais capacidade de bancar a inclusão social sem fazer investimentos que podem por em xeque sua saúde fiscal e sem confrontar os "donos" do poder no país.

Os governos Lula e Dilma promoveram a inclusão social por meio de uma política de não confrontação com a elite dominante, ou seja, através da via de conciliação de classes. A ideia era tirar os desfavorecidos da miséria, colocar as crianças na escola e fomentar algum tipo de estudo pós-ensino médio, tais como cursos técnicos ou ensino superior. Os programas tiveram um grande sucesso em erradicar a fome e aumentar a classe média, mas encontraram seus limites.

Um desses limites é a estagnação: O Bolsa Família já não consegue promover uma maior inclusão, em seu atual patamar, sem que se mexa no valor real do benefício e, principalmente, sem fazer uma reforma profunda na educação; o Minha Casa Minha Vida já não consegue ser expandido e provavelmente gerará problemas de caixa nos bancos estatais, a longo prazo.

Outro limite é a subversão do seu papel social, como por exemplo o Fies, que se mostra como um instrumento que promove a desigualdade, pois endivida o aluno de baixa renda e promove  para que os alunos oriundos dos estratos mais  precários da sociedade tenham uma educação pior do que aqueles que tiveram acesso à escola privada, pois as universidades públicas (nossa excelência em ensino superior) continuam sendo dos ricos. Ou seja, os historicamente desfavorecidos continuarão em posição desfavorável no mercado de trabalho e na qualidade de vida.

São apenas dois pequenos exemplos que demonstra que as políticas adotadas foram conquistas do governo Lula/Dilma, sem dúvida, mas que apenas se preocupavam em incluir as pessoas no sistema já existente e o que se diagnostica nos dias atuais é que não há lugar para todas essas pessoas. Disso advém a crise no modelo petista, que grita por substituirmos a forma como vemos o espaço público e o privado.
 
Apesar de essa fissura não ser mostrada com essa cara nos jornais das mafiosas famílias da informação do país, não é difícil perceber que esse fenômeno existe; na mídia, a crise do modelo petista de inclusão é mostrada como fruto de uma irresponsabilidade fiscal/econômica de um modelo "antimeritocrático", de "vagabundos" e etc, maquiando o verdadeiro problema: houve inclusão de menos. E o pior, não foram realizadas ações de longo prazo: a base ficou intocada, o ensino fundamental e médio continuaram sucateados e o que se criou foi uma verdadeira vinculação da manutenção de um modelo, que esgotou seu poder transformador, à permanência do Partido dos Trabalhadores no poder. Não é de interesse da imprensa golpista mostrar esse problema porque a educação ameaça o seu poder.


 No entanto, houve inclusão o suficiente para que o golpe parlamentar contra Dilma Rousseff provocasse outras fissuras no "Ancien Régime" brasileiro -- acima de tudo, as políticas petistas serviram para despertar a consciência dos jovens, que muito embora encontrem-se com as ideias meio perdidas, abrem espaços para novas lideranças, ameaçando a gerontocracia  existente.


quinta-feira, 23 de junho de 2016

Análise realista sobre a esquerda brasileira pós-golpe

Após concluído o segundo estágio do golpe de Estado de 2016, o afastamento da Sr.ª Dilma Rousseff da Presidência da República e a sua suplantação pelo ilegítimo Michel Temer, podemos perceber fissuras na esquerda, tanto quanto à defesa de suas pautas, quanto em relação ao destino do governo caso a Sr.ª Rousseff não deixe o cargo definitivamente.

O problema da esquerda sempre foi a falta de unidade e a incapacidade de entrar em acordo interno com seus diversos setores. Muita vaidade advém da ideologia e uma grande parcela dos manifestantes não vivem o que pregam -- são a favor de reforma agrária, mas nunca conversaram com um sem-terra, por exemplo. Outro problema que surge são os tipos de pautas defendidos por cada grupo; não existe um elemento maior que dê coesão a todas as reivindicações, como por exemplo, existem grupos feministas que não se interessam pelos direitos trabalhistas. Não é raro acontecer de um grupo não participar de determinado ato porque, mesmo apoiando inteiramente a pauta, a manifestação foi convocada por fulano de um partido que não é o seu; essa realidade é especialmente verdadeira quando se trata do binômio PSol-PT. Ao final, o que parece é que, ao contrário de pregar a solidariedade, o sonho de determinados oprimidos é ser opressores.

Essas diferenças ficaram ainda mais relevantes depois que Temer entrou no poder. Houve diversas ameaças de trancaços, greves gerais, oposição legislativa com uma frente unida dos partidos interinamente na oposição, mas apesar da retórica e do ódio destilado nas mídias sociais, nenhum molotov voou, nenhum muro foi pichado, e pouquíssimos pneus incendiados. Mais uma vez, os interesses dos partidos em chegar ao poder parece ditar a derrota da esquerda na História de um país. Pior do que isso, o mais triste é perceber o quanto a população simplesmente está desmobilizada. Protestos como "fora temer" escritos na sopa de letrinhas, impressas nas sacolas de pão, parecem ser o máximo que as pessoas estão aptas a fazer. Pode-se diagnosticar que o conservadorismo JÁ triunfou quando se percebe que as pessoas não fazem greve por medo de perder seus empregos ou, pior, serem taxados de vagabundos; quando as pessoas preferem tuítar na conta do Decorativo, ao invés de gritar na praça da cidade. As manifestações de indignação de hoje em dia são completamente inócuas.

Os ativistas se dividem nas seguintes frentes: o PSol apoia que a Dilma volte para convocar eleições, os petistas querem que ela simplesmente volte e termine o mandato; o PDT acompanha o segundo raciocínio, por achar que somente em 2018 o Sr. Ciro Gomes poderá ganhar a presidência e a Rede, que seria a terceira via, apoia o PSol, por achar que a Marina ganharia. 

A pergunta que não quer calar: o que Dilma fará caso reocupasse a presidência? Eis os interesses de cada grupo.

Lula 2018 

O Partido dos Trabalhadores congrega as grandes massas homogêneas de esquerda: operários, petroleiros, agricultores, trabalhadores em geral. A principal meta do partido é conservar o poder em suas mãos, uma vez que a saída da Sr.ª Dilma significa a perda de direitos e de subsídios a estes movimentos. Conformam o grupo que mais sofrerão com a permanência de Temer no poder.

Apoiam-se nos resultados das intenções de voto para 2018, os quais lançam Lula à primeira posição e, também por esse motivo, não querem eleição-tampão. A ideia é simplesmente anacrônica. Lula fez um bom governo, mas é simplesmente incapaz de ganhar uma eleição, mesmo estando atualmente a frente de Marina Silva: o problema está em seu índice de rejeição, que também é o maior de todos e faz com que seja muito difícil arrancar votos dos outros candidatos.

Os dirigentes do PT, valendo-se desse "queremismo" encabeçado principalmente pela CUT e pelo MST, usam o fato como arma de dissuasão para evitar a prisão do líder-mor. A figura de Lula impossibilita que o PT ache alguém carismático o suficiente para substituí-lo, pois todos ficam à sua sombra. No final, o que pode acabar com o partido é justamente sua síndrome de elefante-grande, de ter alguém tão monstruosamente popular que inviabilize o lançamento de qualquer outro. Com isso, a alternativa PT torna-se extemporânea e provavelmente será descartada, uma vez que o interesse de seus correligionários estão se tornando cada vez menos populares e cada vez mais partidários. Ademais, o Lula já está velho e dificilmente terminaria o mandato -- e mesmo que terminasse, não será tão atuante como foi. O vice teria um papel fundamental em seu governo. O ex-presidente também dá demonstrações periódicas de que não lhe agrada tanto assim o fato de se candidatar em 2018.

Por fim, como áudios revelaram, Lula na presidência significa a manutenção do status quo, um pacto entre a velha elite velhaca do PMDB e os integrantes pra-lá-de-enrolados do PT. E sua política de conciliação resultará em mais clivagens entre os interesses dos ricos e dos pobres: trata-se de continuísmo e não de uma revolução.

Cirão das Massas


Parece-me, atualmente, a alternativa mais acertada para a esquerda moderada eleger Ciro. Porém, o que me incomoda são duas coisas: seu discurso altamente moralista (fonte maior da simpatia da classe média) que, apesar de claro e coerente, é forte o suficiente para dar suspeitas de demagogia; e o pior de tudo: sua biografia -- suas amizades e sua "peregrinação" por uma grande parte do espectro político, desde a extrema direita até a esquerda moderada. O fato de ser declaradamente amigo de Ronaldo Caiado, por exemplo, levanta-me fortes suspeitas de que ele poderá fazer medidas de teor populista, simplesmente para agradar alguns setores, manterá um discurso progressista e humanitário, mas guiará as linhas gerais de seu governo nas linhas do mercado. Ciro fala à aristocracia proletária e somente o discurso moralista atinge os mais simples.


Na verdade, suas medidas anunciadas são moderadas demais, parecendo advogar por um capitalismo acessível, desde que isso não vá de encontro com os lucros da elite. O bem-estar do povo será limitado pelo interesse das grandes empresas, pois Ciro Gomes não será um enfrentador de interesses estabelecidos. Tratará de um governo outrossim de centro-direita, e não de centro-esquerda como aconteceu com o Lula. Gosto de seu discurso, mas desconfio dele.

O PDT não apoia o discurso das eleições-tampão e isso demonstra um íntimo alinhamento com o PT e o PC do B. Provavelmente, a intenção por trás disso tudo é formar uma coligação entre os três, em 2018, encabeçando Ciro Gomes como candidato principal e um escolhido do PT como secundário (mas não Lula); os proventos do apoio do PC do B seriam colhidos ainda em 2016, com o apoio pessoal de líderes do PT, tais como Lula, na eleição de Jandira Feghali, no Rio de Janeiro.

PSOL busca protagonismo para ganhar simpatia


O grande problema do PSOL é que eles são alegadamente socialistas, mas encontram-se longe da realidade do pobre, do camponês sem terra e do morador de rua. A imagem do partido é a de uma reunião de indivíduos que apresentam uma identidade de classe média e um viés trotskista de revolução, revelando um perfil burocrático que não fala ao coração das massas. Carecem de uma liderança carismática mobilizadora.


No plano intelectual, discutem o que se quer almejar, mas dificilmente dão uma solução pragmática de como chegarão lá. Na verdade, a posição pessolista é facilmente entendida como um "antipetismo" misturado com pautas de "nova esquerda", que são aquelas outorgadas a grupos dispersos, sem a mencionada coesão que une todos eles -- mulheres, LGBT, negros, etc. A grande característica desses grupos é que eles não são necessariamente de esquerda, no sentido econômico, pois almejam direitos de equiparação social de grupos, não sendo um absurdo, por exemplo, existir uma feminista que seja a favor do neoliberalismo. E, apesar de haver defesas de pautas da esquerda econômica pelos líderes do partido, o ethos partidário não deixa essas questões muito claras.

Diante disso, não é necessário muito esforço para entender o que está por trás do discurso: utilizam a propaganda da volta da Dilma, apropriando-se da tese do golpe, mas sem politicamente desejar que isso aconteça, pois existe grande vaidade por parte  dos dois partidos e a ideologia já não consegue unificar as duas pautas, a não ser em torno do "Fora Temer". O discurso do golpe serve como um palanque eleitoral. Apoiam as eleições presidenciais pois sabem que o PT não conseguiria se reeleger este ano e nada mudará, para eles, até 2018. Como carecem de lideranças de massas, todo púlpito que conseguirem em torno da denúncia do golpe será bem-vindo.

Eleições-tampão


A tese das eleições-tampão é defendida pelo PSOL e pela Rede e sustenta-se pela teoria de que somente isso poderá devolver a legitimidade ao presidente, o que é uma mentira. A legitimidade, em si, é da presidente Dilma Rousseff até 31 de dezembro de 2017. O PT entende que as eleições-tampão é uma legitimação do golpe, uma vez que provavelmente tirará de vez Dilma da presidência, antes do tempo designado. Tampouco isso é verdade, uma vez que somente a vontade popular pode revogar a vontade popular.


Dilma Rousseff sequer quer voltar a governar, não sejamos ingênuos. Ela defende, pessoalmente, novas eleições, para preencher o vácuo entre sua volta e 31/12/2017, pois vê que será impossível governar com o atual Legislativo, mas não toma posição incisiva por causa dos interesses do Partido dos Trabalhadores. Mesmo Lula já demonstrou simpatia pela saída. Tudo porque já é possível antever que sua presença na Alvorada será muito mal vista pelo mercado, ao passo que estará de mãos atadas para promover medidas destinadas ao povo, tanto orçamentária quanto politicamente. Portanto, as eleições-tampão, apesar de interromper o mandato de Dilma Rousseff e criar um precedente perigoso, devolve a governabilidade e pode pelo menos favorecer a classe média -- o pobre vai se fuder do mesmo jeito.

A Rede quer as eleições porque acha possível lançar Marina Silva, mas, francamente, ela não é párea para Ciro Gomes, pois apresenta um discurso frágil, posições soltas e levanta a suspeita de todos os setores, desde a direita até a esquerda. Quem concorreria com Ciro Gomes seria Serra (não é à toa que o Decorativo o presenteou com o Itamaraty) -- que não tem força -- e Bolsonaro, que pode, infelizmente, ganhar a simpatia dos setores de direita com o seu novo discurso de "extrema direita light".

Não é à toa que não existe projeção para o arranjo Ciro Gomes presidente, Lula vice: é porque provavelmente seria a chapa vencedora. Mas além de tudo isso, não adianta nada apoiar um ou outro candidato se não houver mobilização popular, se os ideais da solidariedade não forem resgatados e vividos e se os setores populares e progressistas não vencerem a apatia política, inclusive se filiando a partidos e mudando suas orientações. Ciro/Lula serão sempre Cirão/Lulão das massas de manobra. Precisamos de uma nova aliança da esquerda brasileira.

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Cessar-fogo definitivo entre as FARC e Colômbia vira uma realidade

Com a mediação de Cuba, a Colômbia chegou a um cessar-fogo definitivo com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). A medida dá um momento adicional às negociações de paz entre o governo e os insurgentes, que acontecem desde 2012.

Amanhã (23/06/2016) deverá acontecer um anúncio público, reunindo Antonio Lozada (FARC), Juan Manuel Santos (presidente da Colômbia) e Ban Ki-Moon (Secretário-Geral da ONU), entre outras autoridades, sobre o armistício bilateral. As autoridades acreditam que o acordo definitivo poderá ser firmado no dia 20 de julho. O conflito armado é o mais antigo da América do Sul e os objetivos dos insurgentes é, em linhas gerais, criar um estado socialista e realizar reforma agrária. Desde 1964, o conflito já ceifou mais de 220 mil vítimas.

As perguntas que ficam no ar são as seguintes:
1) Qual que é o destino político das FARC? Eles virarão um partido político? Acredito que não, uma vez que é muito mais interessante se eles se envolverem com política de bastidores. Certamente virarão um lobby na realidade do país.

2) O tráfico de drogas diminuirá? A resposta para essa pergunta talvez seja a mais acertada: Não.

Para situá-lo, cabe um adendo. As FARC passava por uma situação complicada, dado ao avanço conservador no plano internacional. O período coincidia com a era de ouro das drogas e os revolucionários promoveram uma articulação com o cartel mexicano para poder bancar as atividades da guerrilha. Isso fez o grupo sobreviver, mas a um alto custo: ceder parte de sua ideologia para o narconegócio. Mexer com esse tipo de mercado desvirtuou completamente a guerrilha, uma vez que a acumulação de dinheiro por poucos mediante o comércio de algo ilegal e imoral é incompatível com a ideologia que eles pregavam.

Afirmo que o acordo de paz não acabará com o problema das drogas, pelo menos com relação ao marketshare das FARC, porque este acordo não veio do nada e dificilmente deixariam um negócio tão lucrativo como esse simplesmente em nome da "paz". Na verdade, o fim das atividades de guerrilha sinaliza uma sofisticação do mercado das drogas, algo semelhante ao que aconteceu com o PCC (Primeiro Comando da Capital), a qual pode ser verificada com a promiscuidade do interesse criminoso com o interesse público -- no caso do governo de São Paulo, há um acordo tácito entre os traficantes e o Estado no qual os primeiros promovem a segurança da população, de forma draconiana, e tem assegurado pelo segundo a não interferência nos seus negócios escusos. Muitos homens de Estado lucram com esse arranjo e não acredito que o caso do Sr. Geraldo Alckmin seja diferente, basta lembrar que seu Secretário de Segurança Pública era advogado de membros do PCC. Com as FARC, provavelmente aconteceu a mesma coisa.

3) A influência americana diminuirá?

Os gringos sempre acharam que a América do Sul é o quintal deles. No caso colombiano, o Bushzinho fez um acordo internacional com o presidente na época, Uribe, para criar bases militares e combater o narcotráfico. Mesmo com tanto afinco que os americanos mostram trabalhar para pôr um fim no tráfico de drogas na América (que forma uma cadeia única), nenhum grupo "narcorrevolucionário" foi desmantelado, embora a presença americana fosse crescente no subcontinente desde então.

O que chama a atenção no caso das FARC é o fato de o mediador do acordo ter sido Cuba e o cessar-fogo não haver contraprestação por parte do governo. Seria isso uma forma de entreguismo? Certamente que não. Os colombianos estão "a salvo" do comunismo, mas pagarão a estabilidade social em gramas de pó -- para o governo, é fair enough.

O acordo foi feito sob os auspícios da ONU, que não faz nada de substancial se os cinco membros do Conselho de Segurança não tiverem de acordo, mesmo que seja no âmbito de suas competências "autônomas" -- é a realidade atômica que dita sua posição no mundo. Portanto, há anuência dos Estados Unidos em terminar essa guerra contra as FARC, o que causará o pretexto incômodo de tirar seus marines da América do Sul; não obstante, tenho certeza que os yankees ficarão satisfeitos se trocarem a onerosa presença militar pelo lucrativo livre comércio e um gentlement settlement certamente foi feito nos bastidores, um ajuste que envolve Colômbia, Estados Unidos e a sua mais nova amiga, Cuba.

Ironicamente, nada impulsionou mais o neoliberalismo no norte da América do Sul do que o Exército Popular das FARC.

sexta-feira, 17 de junho de 2016

História do Brasil. O Processo de Independência: A situação política e econômica europeia

A independência americana influenciou o pensamento dos revolucionários franceses, que colocaram fim na França Absolutista e fundaram a República. Prenderam e executaram Luiz XIV, o que fez com que os monarcas europeus olhassem com grande preocupação sobre o que acontecia na França e a tendência à contraposição era natural. O império austríaco, os reinos de Sardenha, Nápoles, Prússia, Espanha e Grã-Bretanha formaram uma coalizão, com o ímpeto de frear a Revolução, numa tentativa de conservar o status quo. O interesse espanhol era dinástico: seu trono era comandado por um Bourbon. Os franceses levaram sua população à guerra total.

La Marseillaise, mais do que o Hino Nacional Francês, é o canto da Revolução Francesa, par excellence

O conflito contra a primeira coalizão terminou quando Napoleão derrotou  os austríacos na Itália e chegou às portas de Viena. Foi assinado o Tratado de Campofórmio. Em 1798, uma segunda coalizão colocou praticamente toda a Europa contra a França Revolucionária.A situação dentro do país era a pior possível: a economia estava péssima, havia fome e privações. A corrupção tomava conta do governo de Diretório. Napoleão, enquanto isso, dava tiros no Egito e descobria algumas múmias. Quando retornou à França, deu um Golpe de Estado (18 Brumário), dissolvendo o Diretório e instaurando um Consulado, sob o comando napoleônico. Reorganizou o exército. Em todas as frentes, os franceses empurraram a coalizão, fazendo os Habsburgos assinarem o Tratado de Lunéville, quando de sua perda. Isolada, a Inglaterra teve que assinar o Tratado de Amiens.



Era o fim da guerra defensiva. A partir daí, a Revolução toma ares expansionistas - era o início das guerras napoleônicas. Napoleão se coroou imperador e presidente da República Italiana (um estado fantoche criado pelos franceses); fundaram também a República Helvética, nos territórios suíços. Tratava-se de uma situação irreversível, muito embora, após a deposição de Napoleão, a população, e mesmo os homens de Estado, pensassem que estivessem restaurado o status quo ante. A ideologia já havia adentrado no DNA do mercado e no modus vivendi das pessoas, sem elas se darem conta.

Devido a grandes desentendimentos entre franceses e britânicos, começou uma guerra, em 1803 que durou até 1814. Foi preciso criar cinco coalizões para vencer os revolucionários.  Cabe lembrar que, apesar de se chamar de guerras napoleônicas, quem declarou foi a Inglaterra, com medo de ser excluído da hegemonia mundial. O que é importante para o processo de independência brasileira? Primeiramente, no plano ideológico, como já disse: a independência americana influenciou a Revolução Francesa, também influenciando pequenos círculos maçônicos cá no Brasil. Depois, com os levantes, a própria ideia de nação veio à tona e vários questionamentos a respeito da monarquia absolutista dos Braganças. Começou a haver, com cada vez mais frequência, conspirações locais para se libertar do poder real, que foram inócuas, de uma forma geral.

Para isolar a Grã-Bretanha, Versalhes lançou mão do Bloqueio Continental. A intenção era estrangular a economia inglesa. Para aceder a esse objetivo, no plano ibérico, fazia-se necessário ocupar a Espanha e Portugal, que estava neutro na guerra. Então, os franceses lançaram a frente oeste e, a muito custo, conseguiram ocupar o território espanhol, vencendo a Guerra Peninsular. A investida fez Carlos IV e Fernando VII abdicarem e o afrouxamento das relações com suas colônias fez com que os colonos tomassem conta da administração das municipalidades, ainda em nome de Fernando. Não durou muito até que alguns percebessem que as rédeas soltas eram propícias para a independência e desencadeou-se uma sangrenta e complexa luta, que durou décadas.

A Inglaterra, interessada no novo mercado que surgiria com a emancipação das colônias, proibiu quaisquer de seus aliados de ajudarem as metrópoles militarmente. Era um jeito de fugir do Bloqueio Continental, inclusive.

A sublevação hispano-americana certamente influenciou os colonizados brasileiros: a possibilidade de independência existia. No entanto, no Brasil, o pacto colonial era bem mais frouxo e havia uma maior mobilidade social, o que gerava um descontentamento muito menor. Para os metropolitanos, a coisa estava feia: as tropas napoleônicas marchavam às suas portas. Tendo o medo de um levante colonial e mais medo ainda de ser destronado, D. João VI resolve mudar a capital de seu reino para o Brasil, o que acaba por afrouxar ainda mais o pacto colonial. Medidas como a revogação do Alvará de D. Maria, a louca, que proibia as manufaturas e a abertura dos portos comprovam essa tendência.

Com a deposição de Napoleão, cria-se um vácuo de poder em Portugal e uma revolta de cunho liberal toma conta da cidade do Porto, forçando a família real a voltar para a Europa. Os portugueses, em Assembleia, queriam o retorno dos grilhões coloniais e a insatisfação brasileira fez desencadear o processo de independência.

A situação econômica europeia nas Guerras Napoleônicas

O que motivou a Revolução Francesa foi a fome das más colheitas e os pesados tributos que foram majorados pela Corte para bancar os custos da Guerra dos Cem Anos (contra a Inglaterra) e da Guerra de Independência dos Estados Unidos (por pura revanche aos ingleses, apoiou os americanos). No decorrer da revolução, a situação econômica somente piorou, devido à corrupção do Diretório, que tornava tudo ineficiente, e aos custos de guerra para fazer valer a República.

Enquanto isso, na Inglaterra, a Revolução Industrial estava a pleno vapor e o país era esmagadoramente mais eficaz em mobilizar sua economia para seus esforços de guerra. A indústria nascitura foi capaz de produzir em larga escala, enquanto a França precisava, e muito, economizar e mobilizar trabalho voluntário. A cadeia produtiva da Inglaterra poderia ser facilmente desviada para a guerra, enquanto a França precisava praticamente entrar num estado de guerra total para mobilizar o necessário à administração bélica.

Já Portugal era abastado. O rei nadava no ouro arrecadado de Minas Gerais. Porém, tinha uma estrutura econômica antiquada e pouquíssima indústria para fazer face ao eficiente exército napoleônico, o qual gozava de imenso moral. Com a primeira invasão de seu país, mudou-se para o Rio de Janeiro. O Tratado de Methuen, assinado com a Inglaterra, no entanto, drenava para o exterior grandes somas de ouro. Quando cá chegou, assinou os tratados desiguais, vendendo sua economia aos ingleses a troco de proteção, em uma forma muito semelhante à "indústria de segurança" que os Estados Unidos promovem nos dias atuais. O Brasil era responsável por três quartos de sua economia e foi elevado à condição de Reino Unido em 1815; o peso econômico no PIB português era grande demais para a elite colonial simplesmente acatar a ideia de voltar ao estatuto de colônia. Entre 1808 e 1822, Portugal experimentou uma grande deflação. O quadro de crise e o vácuo de poder fez eclodir a Revolução do Porto, de caráter liberal, forçando D. João a voltar para a metrópole. Lá chegando, viu-se obrigado a tirar o poder do príncipe-regente e este viu-se obrigado a proclamar a independência do Brasil.






terça-feira, 14 de junho de 2016

Nomes dos Deputados Federais que votaram contra a cassação de Eduardo Cunha no Conselho de Ética


Demorou, mas o relatório que pede o afastamento de Eduardo Cunha foi aprovado pelo Conselho de Ética. O resultado foi apertado: 11 x 9. Os nomes dos deputados que votaram contra foram:

Alberto Filho (PMDB)
André Fufuca (PP)
Mauro Lopes (PMDB)
Nelson Meurer (PP)
Sérgio Moraes (PTB)
Washington Reis (PMDB)
João Carlos Bacelar (PR)
Laerte Bessa (PR)
Wellington Roberto (PR).

Desses, somente Wellington Roberto e João Carlos Bacelar votaram contra o processo de impeachment.

segunda-feira, 13 de junho de 2016

História do Brasil: O Processo de Independência. Movimentos emancipacionistas

Deve-se diferenciar movimentos emancipacionistas dos movimentos nativistas. Embora muitas vezes tratados como de mesma natureza, e altamente romantizados, os dois tipos guardam uma diferença substancial quanto à soberania brasileira: os emancipacionistas queriam o rompimento do pacto colonial; os nativistas queriam a independência daquela região, em detrimento do resto do Brasil -- tinham caráter separatista. Ainda no século XVII, os primeiros protestos contra a metrópole começaram a surgir.

Movimentos nativistas, ou levantes (sub)coloniais

Os movimentos nativistas são revoltas desencadeadas entre os "filhos da terra" e os "filhos da p..." dos colonizadores. Podemos nomear como movimentos nativistas, entre outros, a Aclamação de Amador Bueno, a Revolta de Beckman, a de Felipe dos Santos, a Guerra dos Emboabas e a dos Mascates. Após a independência, houve ainda a Guerra das Farroupilhas, a Revolta dos Alfaiates e a sangrenta Revolução de Pernambuco.

A Aclamação de Amador Bueno

Esse episódio da vida histórica de nosso país aconteceu na Capitania de São Vicente, mais precisamente na Vila de São Paulo, que na época estava empenhada no apresamento de indígenas, pelos bandeirantes. O caráter paramilitar e nômade do bandeirismo paulista favorecia em muito o contrabando através da margem do rio da Prata (desde aquela época, os paulistas já eram chegados numa muamba...). O período filipino chega ao fim juntamente com a União Ibérica e há a Restauração da Independência de Portugal, o que acaba por se traduzir, na colônia, numa diminuição da fluidez desse contrabando de indígenas e uma maior fiscalização ao sul. 

Com a proibição da escravização da mão de obra nativa, os paulistas foram alijados de uma grande fonte de renda. É ainda muito mistificado o fato de que os índios não teriam sido escravizados por serem vagabundos ou algo do tipo, o que é uma mentira cabeluda, dotada de muito racismo -- não existe vagabundice ao chicote. Outro racismo existente é a de que os negros são passivos e não resistiram à escravidão. Sugiro que estes assistam Beasts of no Nation, para se ter uma ideia da passividade africana... O interesse da metrópole em usar somente escravos oriundos da África pode ser entendido pelos seguintes fatores:

1) Medo de uma revolta de escravos, posteriormente medo do jacobinismo/haitianismo: a Coroa temia perder o controle de quantos escravos haviam e transformar o Brasil em um "Haiti", que foi palco de uma revolta escravista (1794), a qual culminou para a independência daquele país -- e a perda do controle social por parte da elite. Para evitar isso, era necessário controlar o fluxo de mão de obra cativa que entrava na colônia e assim permaneceu durante os dois reinados independentes brasileiros;

2) Viabilidade econômica: devemos ter em mente que, não é só porque os negros vinham da África, eram "exportados", que necessariamente eram mais caros. Na verdade, o mercado da força de trabalho cativa era tão substancial, e o estoque de prisioneiros era tão grande na África, que a venda por meio do tráfico ultramarino alcançava uma larga economia de escala. Sem a ampla concorrência, naturalmente os traficantes começaram a formar monopólios e poderiam vender ao preço que quisessem e conviesse, amigos do rei que eram. O apresamento na África, por se tratar de um lugar com grandes guerras tribais, era mais intenso;

3) Problemas com a ICAR: vale lembrar que os índios eram considerados pelos jesuítas como um povo a evangelizar; já os africanos eram uma raça maldita, marcada por deus para sofrer. Ou seja, mexer com indígenas significava pisar no território da Igreja Católica, que pouco se importava com o africano.

 4) Viabilidade fiscal: Numa colônia com um mercado voltado quase que exclusivamente para o exterior, trazer escravos da África significava arrecadar grandes somas de impostos, uma vez que era mais fácil fiscalizar os portos do que o que acontecia de forma autóctone.

Com a dissolução da União Ibérica, as diferenças regionais se tornaram mais agudas. O polo rico da colônia, o Nordeste, estava ocupada pelos holandeses de Maurício de Nassau; o Rio de Janeiro conversava diretamente com a Corte; e os paulistas negociavam relativamente mais com os espanhóis do que o resto do Brasil. A política em São Vicente se dividia em dois clãs: os Garcias (partido português) e os Camargos (espanhóis). Amador tinha parentesco com os Garcias, mas era partidário dos espanhóis, e expulsou os jesuítas, como juiz ordinário, do planalto. Os Camargos declararam Amador como rei de São Paulo, num gesto de afirmação conservadora (e não com um sentimento nacionalista). Amador recusou o título e quase foi linchado pelos seus "ex-suditos".

Quilombo dos Palmares (1654)




Muitos são aqueles que aceitam o cativeiro, mas existe uma fração que resolve questionar os grilhões. No caso de Palmares, não foram alguns poucos, mas muitos que haviam fugido de seus senhores: a tal ponto de poder se organizar e chegar a ameaçar a força pública. O governador de Pernambuco já não tinha contingente suficiente para dar cabo ao quilombo. A solução era recorrer aos bandeirantes de Domingos Jorge Velho. A campanha foi tão difícil que se fez necessário passar o comando para Matias Cardoso; mesmo assim, o quilombo somente foi desfeito com tropas auxiliares. Vários quilombolas fugiram, outros foram degolados, e outros presos.

Zumbi, não obstante, escapou e só veio a ser capturado depois da traição de um de seus amigos. Foi decapitado e sua cabeça ficou exposta em praça pública. Tornou-se um símbolo controverso da luta pela liberdade negra. Sabe-se que, assim como Ganga Zumba, seu antecessor, Zumbi não questionava a escravidão, mas seu lugar nela -- o escravismo existia inclusive dentro de Palmares, muito embora não era um modelo econômico, como no caso de Portugal.

A apropriação política de Zumbi como símbolo da luta dos negros é algo paradoxal, uma vez que o líder não tinha uma mentalidade de identidade social para com os outros. A bem da verdade, existia, dentre os negros, conflitos étnicos que eram carregados devido à sua origem. O branco costuma classificar como negro todo aquele que não é branco, mas esquece de considerar que, para os escravos, um Ganguela não é igual a um Xindonga. A consciência de unidade negra veio a existir no último quartel do século XIX e alcançou força e identidade social somente muito após a Lei Áurea.

A Revolta de Beckman (1684)



O levante em comento tem esse nome graças aos irmãos Beckman, conhecido pelas bibocas também como Bequimão. A Coroa havia imposto o estanco para o Maranhão, em 1676, que se tratava de uma medida legislativa que assegurava o monopólio dos produtos da capitania, o que acabou por empobrecer muito a região. Em 1682, houve os primeiros contratos para a introdução da mão de obra escrava, diante da dificuldade que existia em apresar os índios, os quais conheciam muito bem o terreno.

Porém, o comércio de mão de obra cativa foi corrupto desde o início, e desobedecia sistematicamente ao monopólio colonial estabelecido. Maranhão era tão periférico que se  tornava impossível fiscalizar esses pormenores. Sem condições para progredir na lavoura, carente de trabalhadores (leia-se escravos), a insatisfação aumentou.

Manuel Beckman e Manuel Serrão de Castro se aproveitaram da ausência do capitão-geral para aprisionar o capital-mor, ocupar o armazém da Companhia de Comércio de escravos e prender/expulsar os jesuítas, os quais eram uma dificuldade a mais para o apresamento indígena. Os fazendeiros reuniram-se em assembleia e decretaram a abolição do estanco, o encerramento das atividades dos jesuítas e suas expulsões. Montaram um governo de diretório, que contava com a participação de Tomás Beckman na junta.

Em resposta ao levante, Lisboa enviou Gomes Freire como novo capitão-geral, o qual não precisou enfrentar nenhuma reação, uma vez que, quando lá chegou, o movimento já havia arrefecido. Suas medidas foram bem típicas no contexto brasileiro: reprimiu os revoltosos, mas cedeu às suas demandas -: aboliu o estanco, mas condenou Manuel Beckman e Jorge Sampaio à morte. Alguém tinha que pagar o pato. Alguns foram degredados e para a prisão e os jesuítas foram reintegrados, sem direito a revanche.

Guerra dos Emboabas (1708-1709)

Outro embate que aconteceu com os bandeirantes, porém, já agora no grande ciclo do ouro. Os bandeirantes paulistas queriam exclusividade na posse sobre as  terras mineiras nas quais haviam descobrido o ouro. Porém, o pedido da Câmara de São Paulo à Coroa era completamente irrazoável.

Com a notícia da descoberta do vil metal, naturalmente houve um fluxo migratório intenso, tanto no sentido metrópole-colônia, como no sentido periferia-Minas. E os não paulistas que chegavam, os "intrusos", eram chamados de Emboabas. O líder da revolta emboabense era um traficante de gente e gado do nordeste, cuja economia açucareira enfrentava um arrefecimento em seus engenhos, podendo liberar mão de obra, Manuel Viana, que foi proclamado governador das Minas até Lisboa nomear Fernando de Lancastre, partidário dos paulistas, que não aguentou a pressão e acabou fugindo. Borba Gato era a principal autoridade real nas Minas, mas estava assaz envolvido com a querela para conseguir mandar em alguma coisa: era paulista. Tentou expulsar Viana e não conseguiu. Desistiu.

Outro governador foi enviado: Antônio de Albuquerque. Manuel de Viana não impôs óbice e o novo mandatário o deixou em paz. O estresse bateu forte no coraçãozinho dos paulistas com a solução que era favorável aos emboabas e esboçaram uma resistência, mas foram reprimidos por tropas reais.

Albuquerque criou duas capitanias, a de São Paulo e a de Minas Gerais, além de elevar a Vila de São Paulo à categoria de cidade. Criou as vilas Mariana, Ouro Preto e Sabará. A Guerra terminou com um indulto geral, a restituição de lavras paulistas e a instalação das primeiras municipalidades de Minas Gerais: agora quem manda é Dom João.

Após o frenesi do ouro em Minas, os bandeirantes encontraram outras reservas em Cuiabá e Goiás.

Guerra dos Mascates (1710)


 Aécio Neves, Mascate da Lava Jato


Mascate - forma pejorativa de se referir a um comerciante que vende de porta em porta.

A preferência holandesa, quando de sua ocupação no Nordeste, por Recife, significou a decadência de Olinda. Quando foram expulsos, no entanto, essa tendência não cessou e a região alcançou o status de vila, com Legislativo autônomo, fazendo desagrado aos vereadores olindenses. O bispo de Olinda e os parlamentares insuflaram a violência e o governo recifense acabou tendo que bater em retirada, em direção à Bahia. Os revoltosos marcharam sobre a municipalidade, destruíram o pelourinho e... criaram um impasse. Entregar o poder ao bispo de Olinda ou desligar Pernambuco de Portugal, proclamando uma república? Como é comum em nossa história, ficaram com a opção mais conservadora.

Os mascates de Recife forjaram uma aliança com o governo de Salvador e com o capitão-mor da Paraíba e planejaram uma vingança. Invadiram a cidade, prenderam o bispo e fez este pedir, em seu nome, o retorno da autoridade legítima. Seguiu-se várias revoltas. O novo governo mandado por Lisboa era simpático aos mascates.

É bom salientar que a forma pejorativa como designavam os comerciantes se deve ao fato de que ainda existia na cabeça dos portugueses a mentalidade de que o nobre era aquele que possuía terras: os latifúndios eram MAIS e os comerciantes, mais próximos da mentalidade capitalista, eram MENAS.

Revolta de Vila Rica (1720)

A revolta de Vila Rica fica na fronteira entre os movimentos nativistas e os emancipacionistas. Foi um motim contra o sistema fiscal, desencadeada na forma de uma contrarrevolta contra Conde de Assumar, encerradas com a morte do líder da revolta, Filipe dos Santos Não se sabe se Filipe foi esquertejado antes ou depois de morrer; não que para nós essa informação seja relevante, mas para ele certamente foi.

Todas as pessoas implicadas nessas agitações eram portuguesas, não obstante seu significado histórico difere da Inconfidência Mineira, pois se tratava de uma sociedade em formação e em um conflito primário de interesses contrariados; já a Conjuração Mineira deu-se no bojo de uma sociedade estável, organizada, cujas agitações denunciavam as fissuras coloniais.

Movimentos emancipacionistas

Conforme a situação na colônia foi se desenvolvendo, a organização e os interesses começaram a denunciar o velho pacto colonial. Os achaques fiscais começaram a ser sentidos pelos colonos e causaram grande descontentamento. A limitação do mercado também era motivos de raiva pela elite colonial, mas não era o maior entrave - tanto é que, quando a independência veio de fato, ainda continuamos em um sistema semicolonial com a Inglaterra. Muito embora sejam dotados de significado nacionalista, são acepções a-históricas dos movimentos emancipacionistas, uma vez que nenhum deles se deveu por motivação popular, mas por inconformismo das elites, sem uma identidade nacional, sendo este o principal motivo pelo qual essas revoltas pouco influenciaram quando o processo material de independência realmente aconteceu.

A Inconfidência Mineira (1789)

O ano diz muita coisa: 1789. A Independência Americana estava fresquinha na cabeça dos conjurados e certamente influenciou no planejamento do levante. Na França, acontecia a Revolução Francesa e as notícias sobre os revolucionários, bem como seus ideais iluministas, foram o combustível ideológico do que quase aconteceu nas Minas Gerais.

Não obstante, a ideologia por si só é passiva: é preciso um gatilho para que haja uma tentativa de mudança do establishment. E esse gatilho foi o descontentamento das elites (e não da população, como querem nos fazer acreditar na escola) com o sistema fiscal promovido por Pombal e, posteriormente, por D.ª Maria I. Havia a decretação do quinto real, que levava embora 20% de todo o ouro retirado das minas; a sociedade extrativista estava em declínio e o fato de ser um centro urbano tornava o ambiente propício para que as ideias ilustradas se difundissem.

Todos os inconfidentes tinham vínculos com as autoridades coloniais. Mal comparado, a tentativa de separação mineira foi, na verdade, um jeitinho obtuso de fugir ao dever de pagar o imposto devido e o sonegado, tal como a tentativa de impeachment hoje é uma tentativa de evasão da Lava Jato. A elite sempre dá seus pulos para impor a lei aos pobres e fugir ao seu dever - é isso que a faz ser elite, na verdade... No entanto, assim como os políticos do PMDB e do PSDB tiveram suas relações prejudicadas com o Judiciário, após a deflagração da Lava Jato, também aconteceu de o entrosamento entre as elites com as autoridades coloniais, que se fingia de cega para as sonegações, ser prejudicada por um novo governo que fiscalizava, o de Cunha Menezes. A elite local restou marginalizada e a insatisfação aumentou quando entrou em cena o Visconde de Barbacena. O novo governador tinha poderes para decretar a derrama, que se tratava de um dispositivo fiscal com a finalidade de assegurar a arrecadação de cem arrobas anuais de ouro, caso os 20% não dessem conta de bater a "meta fiscal" da Coroa. Era mais do que uma mera pedalada - era um achaque. Além de poder propor essa medida, tinha poderes para mandar investigar os devedores e fazer valer o correto cumprimento de contrato entre particulares e a administração pública.

Quando ficaram sabendo da derrama, os conjurados planejaram a revolta, mas um deles deu com a língua nos dentes: Joaquim Silvério dos Reis. A Coroa havia fechado um acordo de perdão de dívidas e de indulto por sua participação na conspiração, além de oferecer cargos e sinecuras; foi tipo uma Delação Premiada e Joaquim não pensou duas vezes antes de fazer o maior acordo de leniência do período colonial. A devassa para punir alguns e degredar outros envolvidos, sendo a esmagadora maioria de notáveis, durou alguns meses, mas somente um foi executado: Tiradentes. Como a historiografia séria já demonstrou, Tiradentes parecia histriônico e meio desequilibrado e assumiu exclusivamente a responsabilidade pela conspiração, sendo por esse motivo o único a ter a pena capital e a ser esquartejado (esse sabemos que a picotagem rolou após a morte).

Sobre o legado de sua imagem: Tiradentes não era pobre e excluído. Ao contrário, era oficial do exército e tinha patente de alferes, que seria o equivalente a segundo-tenente, nos dias atuais. A apropriação de Tiradentes como herói nacional surgiu no período ultrarromântico, a partir de uma tentativa deliberada de se formar uma identidade nacional, no contexto turbulento do golpe de estado republicano. Para facilitar a assimilação do cidadão como ícone da pretensão republicana, como se ela tivesse existido desde o período colonial, o executado foi pintado com ares de Jesus Cristo, como nesse quadro gore...


A intenção dos inconfidentes era de proclamar a República para fugir dos pesados tributos e perdoar os devedores à Coroa. Queriam tomar a Constituição dos Estados Unidos como exemplo e extinguir o exército permanente. Com relação ao abolicionismo, havia certo dissenso, mas a posição da maioria era a de suprimir a escravidão. Seria uma forma de gerar um sentimento mínimo de nacionalismo e amalgamar o Estado, pensavam.

Os pedaços de Tiradentes foram espalhados pela praça e reza a lenda que sua cabeça foi surrupiada por uma ex-amante.

Conjuração do Rio de Janeiro (1794)


Foi a conspiração mais inofensiva do período pré-independência e não representou ameaça à ordem, sendo apenas uma série de conversas entre intelectuais agremiados em academias e sociedades. As conversas da Sociedade Literária adquiriam cada vez mais conteúdo político e filosófico de contestação aos regimes monárquicos. Acabaram sendo denunciados por José Bernardo da Silva Frade e pelo Frei Raimundo Penaforte. O vice-rei suspendeu as atividades e prendeu aqueles que, segundo alegava-se, continuaram reunindo-se secretamente. Todos foram absolvidos.

Ou seja, foi apenas uma meia dúzia de reuniões de Illuminatis para se discutir como eles iriam dominar o Brasil. Tratava-se apenas de um sintoma da difusão do pensamento liberal nas grandes capitais.

Conjuração Baiana - A Revolta dos Alfaiates (1798)

Reuniu mulatos, negros livres e profissionais urbanos: artesãos e alfaiates. Tinha como pauta a punição dos padres contrários à escravidão, a condenação das más condições de vida da cidade de Salvador e o aumento de salário para os militares. Fortemente inspirados pela Revolução Francesa, foi o primeiro levante realmente popular, pelo menos em participação, e o primeiro também a combinar independentismo com reivindicações sociais. O quadro econômico da época era de grande inflação, porém com grande estagnação do salário, o que contribuiu para a insatisfação geral. Buscavam o republicanismo, a abolição da escravatura e o livre comércio, principalmente com a França.

Não chegou a ser colocado em prática pois, quando os setores populares tentaram conquistar o apoio do governo, a repressão foi violenta: várias prisões e quatro enforcamentos. A explicação para essa violência toda por parte do governo tem um nome: medo. Um medo causado pela origem social dos acusados e pelo haitianismo - a revolução de Santo Domingo, levada a cabo pelos escravos, estava a pleno vapor. A Bahia era, e continuaria sendo pelos quarenta anos seguintes, a região onde os motins negros eram mais frequentes e a repressão terrivelmente violenta, na tentativa inútil de evitar novas insurreições ("que sirva de exemplo!"). É interessante notar como esse tipo de "pedagogia" só piora o quadro.

Há uma segunda versão da Revolta dos Alfaiates, contada pela historiadora Patrícia Valim, no qual o que estava por trás da sublevação não era exatamente os interesses populares, mas os de oito poderosos fazendeiros, que estimulavam a violência, ainda mais depois que um navio francês aportou e começou uma boataria de que Napoleão planejava invadir o Brasil. Por suas conexões com o poder, teriam ficado impunes.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

A Questão Palestina

A Questão Palestina

As raízes históricas do conflito árabe-israelense datam do século XIX, a partir do momento que os judeus migraram para a região para se juntar aos judeus remanescentes das seguidas diásporas que aconteceram.

A bíblia costuma explicar a diáspora judaica como sendo produto da ira divina contra a idolatria e rebeldia do povo de Israel e Judá. A História, porém, atribui esse movimento devido ao confronto do povo judaico, que desejava subjugar todas as culturas e povos adjacentes.

A dispersão começa ao norte, quando os Assírios invadem e reduzem dez das doze tribos de Israel. Judá consegue se safar por um momento, pagando pesados tributos, mas não resiste à invasão de Nabucodonosor II, rei da Babilônia. 



Reino da Babilônia
 
A segunda diáspora aconteceu bem depois e foi causada pelo Império Romano, quando estes invadiram e destruíram Jerusalém; foi quando os judeus adentraram, como comunidade, no sul da Europa e no norte da África.

No contexto dos nacionalismos do final do século XIX, a ideologia da pátria é absorvida pelas comunidades judaicas, surgindo daí o sionismo, o qual pregava o retorno dos judeus à região da Palestina. Porém, se os judeus saíram, outros entraram, e eram justamente os muçulmanos oriundos principalmente da Síria e do Império Turco-Otomano. Cabe ressaltar que, apesar de sempre estar populada, a Palestina nunca foi parte daqueles que submetiam, mas sim dos que eram submetidos.

Sionismo. 
 
O nacionalismo judeu surge na mesma esteira dos demais nacionalismos europeus, tratando-se de um movimento secular que pregava que a criação de um lar nacional era a única forma dos judeus sobreviverem e conservarem suas tradições. No entanto, não tinham um pedaço exato de terra em mente para atender aos seus anseios, tanto é que os primeiros sionistas cogitaram inclusive criarem um assentamento judaico na Argentina, no Chipre, na África Oriental ou até mesmo no Congo.

Quando chega-se ao consenso dos nacionalistas israelitas de que a Palestina era o "melhor" local para a criação do Estado judaico, nasce o sionismo. O projeto enquadrava-se nas pretensões das grandes potências, que já preparavam o caminho para o debâcle do Império Turco-Otomano, que já fazia hora extra na Terra. No entanto, para a maioria dos rabinos e demais judeus, o sionismo era uma ideia herege, uma vez que quem promoveria a redução de Israel seria o próprio deus. Alguns consideravam a ideologia, inclusive, perigosa demais para o judaísmo autêntico.

Os sionistas, no entanto, não demorariam em remendar a ideologia, dizendo que o Estado-nação que intentavam não ousava concorrer com a esperança messiânica. Outros diziam que se tratava de um ponto de partida para a redução messiânica. Os principais herdeiros dessa corrente reúnem os opositores mais ferrenhos à devolução de qualquer parcela da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, conquistadas após o Yom Kippur e os Seis Dias.

O sionismo ficou mais popular entre os judeus seculares, durante o séc. XIX, que eram perseguidos. Emigraram para a Palestina para fugir da xenofobia e do antissemitismo. Toda a relutância ao projeto sionista acabaria quando a opinião pública foi confrontada com os horrores do Holocausto.

Jacob Tsur via o sionismo como um Movimento de Libertação Nacional (o que soa bem estranho, uma vez que eles estavam diversos em vários países e não se insurgiam contra o local que morava, mas contra um povo que estava bem estabelecido em um território que eles nunca haviam pisado). Usava a lógica da ideologia igualitária pregada pela Revolução Francesa.


Cronologia 1910-1951.

 Durante a Primeira Guerra Mundial, Arthur Bafour, MRE Britânico, declarou a Lord Rothschild que lutaria para que estabelecesse na Palestina um lar nacional aos judeus, desde que não ameaçasse as comunidades e os direitos de quem já estivesse lá estabelecido. Claramente, colocar dois povos iguais, mas diferentes, no mesmo quadrado, não daria nada certo. A Guerra trouxe o débâcle do Império Turco e vários estados o sucederam; secretamente, as duas potências europeias dividiram o Oriente Médio em zonas de influência por intermédio de uma série de negociações que foram consignadas no Acordo Sykes-Picot (1916). A intenção do aceno aos sionistas era conseguir a simpatia dos judeus americanos, para que estes influenciassem Washington a entrar definitivamente na guerra, que se arrastava por anos e devastava a Europa, tanto em termos econômicos, como em vidas humanas.  Além do interesse militar, é sempre importante lembrar que o Oriente Médio era (e é) rico em petróleo e que as maiores reservas estavam presentes no Canal do Suez.

 Acordo Sykes-Picot

A Legião Judaica, voluntários sionistas, ajudou os britânicos a reconquistarem o território da Palestina. Após o desmantelamento do império otomano, a região passou ao domínio dos britânicos, após a Conferência de San Remo (1920). Além disso, a Grã-Bretanha levou o Mar Mediterrâneo, o Rio Jordão e o Iraque.  A França, por sua vez, ficou com as regiões da Síria e do Líbano. Em 1922, a Liga das Nações concedeu à Inglaterra um mandato para estabelecer o tal do lar nacional dos judeus.  A população era majoritariamente muçulmana, exceto em Jerusalém. A declaração Balfour foi incorporada ao Tratado de Sèvres, que selava a paz com o ex-Império Turco-Otomano. A França e a Itália ratificaram a declaração espontaneamente, para não ficar de fora da administração do Oriente Médio.

Eliahu Biltezky assimilou o antissionismo ao antissemitismo, de forma a demonizar aqueles que se opunham à sanha anexatória sionista. Propôs um projeto de partilha da Palestina, pois entendia que palestinos e judeus não conseguiriam nunca se entender dentro de um mesmo território. O Congresso Sionista aceitou a ideia da partilha proposta por Biletzky, com algumas modificações. Biletzky dizia que o sionismo aspirava à igualdade em condições de liberdade e independência para os dois povos em questão;Finkelstein, no entanto, afirmava que o sionismo sempre pretendeu a criação de um Estado às custas dos árabes palestinos, pois:
1. O que desencadeou a posição contrária dos palestinos aos judeus não foi o antissemitismo, mas a perspectiva (correta) da expulsão dos palestinos de seus territórios;
2. No projeto sionista, a Palestina deveria abrigar uma maioria judaica, o que ratificaria o direito dos sionistas a um Estado. Os sionistas diziam que os judeus tinham um "direito histórico" à Palestina, enquanto a população árabe local somente teriam "direitos residenciais" (são forgados pra caralho...).

O autor destaca as três dimensões do sionismo: política, cultural e trabalhista.

Com o desmantelamento do califado turco-otomano, os territórios foram desmembrados, ficando a Turquia, de um lado, e o Iraque, o Líbano, a Síria, a Transjordânia e a Palestina, de outro. Não obstante Iraque (Mesopotâmia, 1928), Líbano (1943), Síria (1944) e Transjordânia (1946) terem conseguido suas independências, o status da Palestina continuava suspenso.
O líder muçulmano Mohammad Amin al-Husayni não aceitou a independência de parte do território para alocar os judeu; não lhe agradava a ideia de uma terra de Israel. A violência escalou cada vez mais e teve um ponto de máximo durante a Segunda Guerra Mundial. O holocausto promovido por Adolf Hitler a um povo de grande influência sobre um dos dois grandes vencedores do conflito, os Estados Unidos, mobilizou a opinião pública internacional em torno da questão israelense.

O Estado da Palestina, no entanto, foi virtualmente criado em 1945, sob os auspícios da ONU. Em seguida, os Estados Unidos deram apoio à causa sionista e começou a haver articulações para a criação do Estado de Israel. A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas aprovou uma resolução que particionava a região em dois Estados: um judeu e um árabe, de acordo com as regiões que habitavam (Res. 181/1947). A cidade de Jerusalém teria um corpus separatum, recebendo estatuto de cidade internacional, sendo administrada pela ONU, a fim de evitar conflitos. Truman e Stalin chegaram ao acordo que o estado judeu deveria ser criado.

 Plano de partição da Palestina

A Agência Judaica aceitou o plano. A Alta Comissão Árabe não. Até hoje os muçulmanos pagam por esse erro. Com isso, assim que acabou o mandato da Inglaterra, cedido pela Liga das Nações, a Agência Judaica declarou a independência e chamou de "Israel" todas as regiões acordadas no âmbito da ONU. Tropas da Transjordânia, Egipto, Síria, Líbano e Iraque atacaram o recém-criado Estado de Israel e houve a Guerra de "Independência". Os estados árabes declararam o propósito de proclamar um "Estado Unido da Palestina" em todo o território, e não um estado judeu e outro muçulmano. Essa intransigência viria a ficar do avesso nos dias atuais: os palestinos querem os dois estados, e os judeus não querem mais, ou pelo menos não agem para viabilizar isso. A luta terminou com o Armistício de Rodes: Israel conseguiu o controle efetivo de toda a parte que seria atribuída aos judeus e anexou mais da metade do território destinado aos árabes. A Faixa de Gaza foi ocupada pelo Egito e o Norte pela Transjordânia. A internacionalização de Jerusalém foi para o saco. Em 1967, Israel conquistou esses territórios, durante a Guerra dos Seis Dias. 

Deu-se início a uma crise migratória: 2/3 dos palestinos fugiram ou foram expulsos de seus territórios e os judeus passaram a administrar o País. Os países árabes recusaram-se, então, a reconhecer o Estado de Israel.

1949 A Linha Verde passou a ser a fronteira administrativa entre Israel e os estados ocupados. O fracasso dos Estados árabes fez surgir atores privados no conflito, tal como a Organização para Libertação Palestina (OLP). A Questão Israelense tornou-se Questão Palestina. A OLP surgiu do partido Fatah, criado por Iasser Arafat, que intentava o reconhecimento como palestino dos territórios palestinos; quando evoluiu para a Organização, Arafat declarou que se tratava de um "Estado no exílio". Em 1974, a OLP seria aceita pela ONU como a única representante dos palestinos.

60s e 70s Os palestinos então começaram a lançar ataques contra judeus em todo o mundo. A querela entre os dois povos tornou-se uma "guerra santa" e o terrorismo é o método utilizado pelo lado mais fraco e oprimido. 1973 Nas Olimpíadas de Munique, houve o famoso e terrível massacre dos atletas israelenses, o que fez Tel Aviv desencadear a Operação Cólera de Deus, para procurar culpados.

1973 A resposta muçulmana foi um ataque surpresa coordenado entre a Síria e o Egito no feriado mais santo do calendário judeu. Estava deflagrada a Guerra de Yom Kippur, que durou 20 dias. Com muito custo humano, os israelenses conseguiram expulsar as forças intrusas; porém, a insatisfação popular fez o primeiro-ministro renunciar.

1977 Menachen Begin assumiu o controle do Partido dos Trabalhadores israelense. Sem o apoio da Síria e da Jordânia (ex-Transjordânia), que mantiveram certa distância da questão, o Egito viu-se forçado a assinar a paz. O presidente egípcio Anwar el Sadat fez a primeira visita a Israel e reconheceu o Estado, no âmbito dos Acordos de Camp David, que abriram caminho para o Tratado de Paz Israel-Egito.

No diploma assinado, houve o comprometimento do mútuo reconhecimento, a cessação do estado de guerra, que perdurava desde 1948,  e a completa retirada das tropas sionistas da Península do Sinai, as quais a haviam ocupado durante a Guerra dos Seis Dias. Em troca, estava garantida a livre passagem de navegações israelenses pelo Canal de Suez e o reconhecimento do Estreito de Tiran e do Golfo de Aqaba como águas internacionais.

1981 O presidente do Conselho de Segurança da ONU declarou, porém, que não seria possível fornecer forças de observação, uma vez que havia a ameaça de veto por parte da URSS. Para resolver o impasse, foi criada uma força multinacional fora do âmbito do CSONU (Protocolo ao Tratado de Paz).

Porém, a paz com os israelenses significou o isolamento egípcio dentro da comunidade dos estados árabes. O símbolo inicial maior desse isolamento foi sua suspensão da Liga Árabe.

Israel começou a encorajar assentamentos israelenses na Cisjordânia, com o intuito de formar uma espécie de usucapião das terras palestinas, o que obviamente criou atritos. Lançou também a Operação Ópera, que visava bombardear reatores nucleares no Iraque, com o temor de que este obtivesse bombas atômicas.

1982 Israel interveio na Guerra Civil Libanesa com o intuito de destruir bases da OLP, a qual respondeu com mísseis. Esse movimento acabou por culminar na Guerra do Líbano. Findo o conflito, Israel retirou a maior parte de seu contingente, mas manteve uma zona de segurança até 2000.

1987 Então aconteceu a Primeira Intifada (guerra das pedras), na qual ocorreram diversos levantes palestinos contra os israelenses nas terras ocupadas. O estopim havia sido a publicação de abusos de soldados israelenses a palestinos e a revolta somente terminou por véspera da  celebração dos Acordos de Oslo.

1991 Alguns anos depois, eclodiu a Guerra do Golfo, na qual o Iraque invadiu o território do Kuwait. A OLP apoiou o ataque de mísseis contra Israel por Saddam Hussein, na tentativa de provocar a entrada de Israel no conflito: assim, destruía-se instalações nucleares sionistas e colocaria em xeque a sustentação da aliança anti-Iraque, capitaneada pelos Estados Unidos. Devido à forte pressão de seu padrinho, Tel Aviv não retaliou os iraquianos.

1992 O Partido dos Trabalhadores volta ao poder no Knesset, representado pelo primeiro-ministro Itzhak Rabin. Finda a guerra, sob o patronato de Bill Clinton, Arafat e Rabin celebraram os Acordos de Oslo, diante da falência do sistema multilateral das Nações Unidas. A crise de legitimidade da ONU evitou que o Brasil tivesse uma atuação mais significativa no âmbito da discussão sobre o estatuto daquela região.

Os principais pontos dos acordos foram:
1) a retirada das tropas israelenses da Cisjordânia e da Faixa de Gaza;
2) um governo interino da autoridade palestina exerceria mandato sobre o território até 1996, quando seria renegociado o status do território palestino;
3) questões referentes ao estatuto de Jerusalém;
4) divisão do território em 3 áreas: a) de controle total dos palestinos; b) de controle civil dos palestinos e militar dos israelenses; c) de controle total dos israelenses.


Ganharam o prêmio nobel, posaram para fotos juntos, porém, a alegria duraria pouco. Itzhak Rabin seria assassinado em meio ao processo definitivo de paz por um extremista religioso judeu, deflagrando o começo do fim do mundo da ordem pós-1945.

2000 Para melhorar a situação, Ariel Sharon, líder da oposição, visitou o Monte do Templo e declarou Jerusalém terra eterna de Israel, o que enfureceu os árabes. Teve início então a Segunda Intifada, ou Intifada de Al-Aqsa, na qual morreram 3400 palestinos e 1000 israelenses.

2002 Surgiu então o primeiro plano de paz relevante sugerido pelos árabes, mais precisamente pela Arábia Saudita. O chanceler israelense não gostou da iniciativa, afirmando que os detalhes de cada plano de paz deveriam ser discutidos entre israelenses e palestinos, e somente depois que a Autoridade Palestina acabasse com o seu terror.

2004 Ariel Sharon promoveu uma retirada unilateral dos israelenses na Faixa de Gaza e nos territórios da Cisjordânia, ocupados desde a Guerra dos Seis Dias (1967). A medida foi aprovada mediante grande polêmica e colocada em prática um ano depois. Paralelamente, o primeiro-ministro ordenou a construção de um muro na Cisjordânia, com o objetivo de dificultar atentados terroristas (e de lambugem deixar os palestinos sitiados e sem acesso para Jerusalém), negando qualquer negociação com as autoridades palestinas sem o fim dos ataques terroristas. Yasser Arafat, velho que estava, esticou as canelas e Mahmud Abbas foi eleito como Autoridade Palestina. Conseguiu-se uma soberania parcial sobre a Faixa de Gaza, mas lutas internas fizeram o Hamas conquistar o poder de facto no território, o que paralisou as negociações.

2006 Então, o poder do Hamas foi chancelado pela via eleitoral. A organização fundamentalista não reconhece o Estado de Israel e houve um recrudescimento das relações. Enquanto a extrema direita chegava ao poder do lado palestino, não demoraria três anos para chegar ao poder também do lado israelense, tendo o demônio encarnado dessa vez na pessoa de Benjamin Netanyahu. Mas antes disso, houve uma escalada de violência que viria a culminar na Guerra de Gaza de 2008. Tel Aviv responde com ataques aéreos desproporcionais e posteriormente invadem o território palestino, promovendo um terror indizível. Enquanto isso, os ataques terroristas dos extremistas muçulmanos tornam-se cada vez maiores. Barack Obama entra em cena para tentar estancar as violências e retomar as negociações de paz. Porém, o extremista Netanyahu é irredutível e a proteção diplomática dos Estados Unidos no Conselho de Segurança inviabiliza qualquer ação internacional, tolhendo também a margem de manobra da Autoridade Palestina, o que fez com que a situação chegasse a um impasse.


A situação piorou muito em 2012, quando Israel promoveu a execução extrajudicial de Ahmed Jabari, do Hamas. Em resposta, 700 foguetes foram lançados em direção ao território israelense; Netanyahu respondeu com a Operação Pilar Defensivo, que ia muito além da mera defesa. O Hamas denunciou o bloqueio da Faixa de Gaza e a reocupação dos territórios da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental. Acusaram os sionistas de usarem como alvos os civis. Em apenas uma semana de campanha, foram mortos 167 civis palestinos e o Hamas executou sumariamente 8 dos seus, por suposta colaboração. A Jihad Islâmica então decidiu declarar guerra. Apesar da maciça quantidade de foguetes lançados contra a porção israelense, o ataque teve pouquíssima efetividade, graças à superioridade tecnológica dos escudos defensivos israelenses.  O Brasil condenou os ataques israelenses posteriores, devido à desproporcionalidade; o Mercosul condenou a violência dos dois lados. Um cessar-fogo mediado pelo Egito foi declarado. Ambos os lados declararam-se vitoriosos... O número de feridos foram de 224 do lado da estrela e de 1269 do lado da luazinha.

Mas a paz não durou muito tempo. Em 2014, três adolescentes israelenses foram mortos por extremistas palestinos; em resposta, os extremistas israelenses raptaram um jovem palestino e atearam fogo ainda com vida. Uma série de protestos eclodiram na palestina e vários foguetes foram lançados. Israel resolveu responder com ataques aéreos e incursões terrestres. Houve crimes de guerra dos dois lados, custando a vida de 6 civis israelenses e de 2.189 civis palestinos. Um verdadeiro holocausto.


A tal da margem protetora significava, mais uma vez, fazer um cerco aos palestinos. Mais uma vez, foi necessária a mediação do Egito para que se conseguisse um cessar-fogo. A quantidade de civis mortos do lado palestino é "justificada" pelos israelenses como sendo "erros" -- mesmo que seja utilizado armas de precisão, como drones. Washington condenou juntamente com Tel Aviv o partido Hamas pelo uso de escudos humanos. A Anistia Internacional afirmou que não se tem evidência sobre essa alegação.

O direcionamento de foguetes para áreas civis, em direção a Israel, é crime de guerra. Assim, também, como é os seis ataques que os israelenses fizeram a escolas da ONU, as quais estavam sendo utilizadas para refugiados. A escola de Beit Hanoun transformou-se em um verdadeiro campo de batalha. A UNRWA afirmou que os oficiais israelenses nunca responderam a pedidos urgentes da agência por um cessar-fogo. Ban Ki-Moon, Secretário Geral das Nações Unidas, pediu investigação e punição: "É um ultraje moral e um ataque criminoso". A Liga Árabe pediu reunião de Emergência do Conselho de Segurança da ONU, condenando Israel pela desproporcionalidade. OS BRICS pediram para que o CS exercesse seu papel plenamente (isso é, fazendo uso da força se preciso), solicitando o fim da violência. A União Europeia condenou os grupos de Gaza e os ataques israelenses de ter feito tantas vítimas civis. O CS, diante do veto americano, simplesmente pediu o fim da escalada de violência e um cessar-fogo. A Alta Comissariada dos Direitos Humanos afirmou que os ataques de Israel podem ter violado o direito internacional humanitário e de guerra. O Brasil, em um gesto coerente com sua postura perante a situação, chamou seu embaixador de Tel Aviv para consultas, pediu um cessar-fogo e condenou o uso desproporcional da força. Netanyahu, bravinho, chamou o Brasil de "anão diplomático" e falou que vergonha era "7 a 1", em uma referência infantil à perda brasileira contra a Alemanha na Copa do Mundo. Os EUA simplesmente pediram um acordo. A Rússia pediu o fim da operação e da crise humanitária.  A Grã-Bretanha, no entanto, se limitou a falar que os feios da história eram os do Hamas, unicamente.

A conduta de Israel é um revisionismo do nazismo: transforma-se Gaza em Auschwitz e a solução final é chamada de margem protetora.É um Sionazismo.

O interesse norte-americano em pacificar a questão israelo-palestina encontra amparo na lógica de que a instabilidade gera custos expressivos para o petróleo explorado no Oriente Médio e que a rivalidade entre os dois povos, que surgiu, diga-se de passagem, graças às fronteiras artificiais criadas pelo Ocidente imperialista, é o fator que mais contribui para a instabilidade e violência naquela região. Trata-se, em última instância, de uma cagada feita pelos imperialistas que acabou por afetar seus próprios interesses: um Frankenstein (monstro).

A situação de Israel estava muito parecida com aquela antes do cativeiro da Babilônia: o país está tretado com todos os seus vizinhos e apresenta um excesso de confiança. Provavelmente estão fadados a repetir o erro. Enquanto isso, a hipocrisia come solta, com os sionistas fazendo homenagens ao holocausto com a mão direita e promovendo o progrom dos palestinos com a esquerda. O mais impressionante em nossa cultura é a promoção do holocausto como exemplo de horror e o total descaso, pelos jornais e pela indústria cinematográfica, das outras hecatombes genocidas que aconteceram e acontecem, como se os judeus fossem os únicos coitados dessa história. Não obstante, essa lógica tem um motivo: Estados Unidos.

Os yankees tinham a maior população judaica do mundo em 1924 - cerca de 2 milhões de judeus. Os aliados tinham o interesse de sensibilizar a população americana, com o intuito de este entrar na guerra. Para além disso, fincar um estado-vendido, como Israel é dos Estados Unidos, naquela região é um grande passo no complexo tabuleiro geopolítico do Oriente Médio, riquíssimo em petróleo. Portanto, sensibilizar o mundo para o problema judeu era preciso, mas falar sobre os armênios e, a posteriori, os palestinos, por exemplo, nem tanto. Por muito tempo, vai ser somente a Lista de Schindler que você vai assistir nos grandes cinemas.

Política Internacional e Política Externa Brasileira



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2. Política Externa Brasileira

quarta-feira, 8 de junho de 2016

História do Brasil: Período Colonial: Tratado de Madri e Alexandre de Gusmão

O trono português, em 1750, era o mais rico do mundo. O grande sucesso do antigo sistema e da mineração eram colhidos por D. João IV, o rei-ostentação. As fronteiras do Brasil, dilatadas pelos tratados de Utrecht, mas sem maiores definições a leste, a não ser por "zonas de influência", apresentavam graves pendências na margem do Rio da Prata, ponto estratégico para todo país cuja economia é voltada para fora.

A obra de Alexandre de Gusmão, com exceção do Acre, é a base para o nosso território atual e o modo como se deu o acerto em muito ajuda para a atual posição brasileira na América do Sul. Graças a ele, chegamos ao começo do século XXI sem pendências de "cerca", isto é, sem contenciosos fronteiriços, ao menos no tocante à porção terrestre de nosso território, algo que difere em muito dos nossos vizinhos. Foi o primeiro tratado de fronteira assinado que tentava resolver o problema de uma só vez; os demais eram acordos tópicos, que resolviam problemas locais. Sua obra é tão relevante que não é a toa que a maior fundação sobre política e relações internacionais brasileira leva o seu nome.

O lusobrasileiro lançou mão de alguns princípios inovadores para demarcar as fronteiras. O primeiro deles era o de fronteiras naturais, que procurava evitar a "demarcação geométrica", que seria mais difícil de precisar e de fiscalizar. O segundo, era um abrasileiramento do princípio uti possidetis, que no direito civil romano tratava-se de uma medida cautelar: aquele que tivesse ocupando à véspera do litígio continuará ocupando até que o contencioso transite em julgado. No caso da apropriação imprópria de Gusmão ao direito internacional, o uti possidetis tinha um significado perene: aquele que estivesse ocupando continuaria ocupando. Teria o título da terra. Fim.





Claramente, o arranjo não favorecia aos espanhóis. Por que aceitaram? A urgência devido à situação geopolítica e dinástica. A balança de poder europeia estava configurada por uma frágil estabilidade entre os Habsburgos austríacos hegemônicos e a França como potência contra-hegemônica.A Inglaterra tinha o papel de contrabalancear a emergência francesa pós-rei Sol. A Espanha, como foi dito na postagem anterior, estava sobre a influência da França, sendo reinada pela dinastia Bourbon; Portugal era apadrinhado da Inglaterra. O bipolarismo estava lançado e o conflito era iminente. O Tratado de Methuen comprava o apadrinhamento da Inglaterra.

A Península Ibérica, por ser periférica a esse balanço, era um tabuleiro privilegiado para que as potências testassem o sistema, tal como havia acontecido na Guerra de Sucessão Espanhola, terminada pelo Primeiro Tratado de Utrecht, 1713. Os ibéricos desempenhavam, perante o conflito franco-britânico, o papel que a Alemanha desempenhou durante a Guerra Fria. 

Os franceses e britânicos estavam se estranhando já em alguns conflitos periféricos: diretamente no subcontinente indiano e indiretamente na Guerra Austríaca de Sucessão. A sombra do conflito direto pairava sobre a Espanha e veio a concretizar anos após o Tratado de Madri, na Guerra dos Sete Anos. Os espanhóis estavam dispostos a aceitar muita coisa a fim de evitar um "terceiro tratado de Utrecht", já que ficara explícito que a derrota francesa poderia ser paga em pesetas.

O primeiro passo da negociação, portanto, foi congelar o status colonial, independente do que aconteceria nas metrópoles -- uma cláusula de paz entre as colonias, que muito influenciou para que houvesse relativa estabilidade entre o mundo ex-português e ex-espanhol, depois das independências americanas. Graças a esse dispositivo, as duas américas somente se enfrentaram por interesses muito bem delineados. Gusmão tinha medo de que, caso a guerra desse zebra, o Brasil fosse alijado de importante porção da Amazônia. O que mais demonstra esse temor é justamente o fato de as negociações terem sido realizadas de forma secreta.

Além do problema geopolítico, estava a questão dinástica,. A rainha dos espanhóis era portuguesa e muitos temiam uma traição. Resolver a situação era urgente para os espanhóis e Gusmão sabia que a urgência o favorecia. A tarefa de José de Lancaster y Carvajal, plenipotenciário hispânico, não era das mais simples.

O tratado

O argumento do uti possidetis, que revogava Tordesilhas, foi aceito pela Espanha principalmente sob a alegação que mesmo eles haviam desobedecido os mandos do velho diploma, no Oriente. A Espanha manteria suas colônias nas Filipinas e ilhas adjacentes, enquanto Portugal consolidaria sua presença na Amazônia. O argumento dos acidentes geográficos ajudaram os lusitanos a ganharem várias porções desabitadas, tais como o Alto-Paraguai, Guaporé, Madeira e Tapajós. Sem pretender, o uti possidetis, o primeiro "jeitinho brasileiro", acabou por ficar popular no direito internacional e influenciaria a obra de Rio Branco. 

Outro "argumento" que favoreceu largamente os portugueses foram os Mapas das Cortes encomendado por Gusmão. Como se sabe, o conhecimento cartográfico da época ignorava largamente o cálculo correto das longitudes, minimizando a ocupação portuguesa além-Tordesilhas. Houve também uma falsificadinha "de leve" das distâncias e Espanhol utilizou o mapa como base legítima para as negociações. 
Além disso, houve a permuta da Colônia do Sacramento, que sempre ficaria sob o ataque dos espanhóis e cuja prata não mais interessava a D. João, empanturrado de ouro que estava, pelo Sete Povos das Missões, riquíssimo em gado. O Rio Uruguai foi adotado como a fronteira natural do Brasil com a Argentina, e assim continuou sendo até os dias de hoje.

Fica muito claro que, na negociação das fronteiras, sui-genericamente a realidade colonial pouco importou: foi um acordo metrópole-metrópole, mais ainda, submetidas à realidade estratégica das grandes potências que emergiam, qual seja, Inglaterra e França. AS considerações sistêmicas acerca das fronteiras apenas vieram à tona um século depois, quando o pacto colonial não mais existia e os atores eram soberanos.

Consequências indiretas de Madri

Graças ao trabalho de Alexandre de Gusmão, conseguiu-se alcançar uma relativa estabilidade ao Sul do Brasil. Com isso, a metrópole foi capaz de aumentar seu poderio e sua presença, uma vez que não precisava gastar com ataques e linhas de defesa. Porto Alegre fundou uma colônia de povoamento.

A capital da colônia também deslocou, graças a Madri, indo para o Rio de Janeiro, e lá ficaria até Juscelino Kubitschek resolver mudar de ares. 

No entanto, ao sul, houve resistência dos índios e jesuítas, culminando na Guerra Guaranítica (ver "A Missão", de Roland Joffé, com Robert de Niro), ceifando várias vidas dos nativos. Outros que sublevaram, inconformados com a nova situação, foram os comerciantes, impedidos que estavam de contrabandear no rio Prata, sendo apoiado pelo novo homem forte de Portugal, o Marquês de Pombal. 

O tratado de Madri, uma década depois

Passados dez anos, o Tratado de Madri já não era respeitado por nenhuma das partes. Os negociadores e os reis envolvidos haviam morridos e muitos denunciavam as fronteiras, entre eles, Marquês de Pombal. A permuta de Sete Povos e Sacramento não se concluiu; as forças presentes nos povoamentos se recusaram a entregar o poder.

O Secretário de Estado do Reino (Marquês de Pombal) anulou parcialmente o acordo por meio do Tratado de El Pardo, em 1761. O conflito voltou às margens do Prata e lá permaneceu até a Guerra da Cisplatina (quase um século depois). Porém, na parte setentrional e central, as fronteiras se mantiveram.

Em 1777, houve uma "revalidação" do diploma de Madri, consignado pelo Tratado de Santo Ildefonso, após o período pombalino. Reconhecia-se uma situação de fato: a ocupação espanhola da colônia dos Sete Povos. No entanto, poucos anos depois, os gaúchos invadiram e trouxeram a posse das terras para o lado português da força.