quinta-feira, 23 de junho de 2016

Análise realista sobre a esquerda brasileira pós-golpe

Após concluído o segundo estágio do golpe de Estado de 2016, o afastamento da Sr.ª Dilma Rousseff da Presidência da República e a sua suplantação pelo ilegítimo Michel Temer, podemos perceber fissuras na esquerda, tanto quanto à defesa de suas pautas, quanto em relação ao destino do governo caso a Sr.ª Rousseff não deixe o cargo definitivamente.

O problema da esquerda sempre foi a falta de unidade e a incapacidade de entrar em acordo interno com seus diversos setores. Muita vaidade advém da ideologia e uma grande parcela dos manifestantes não vivem o que pregam -- são a favor de reforma agrária, mas nunca conversaram com um sem-terra, por exemplo. Outro problema que surge são os tipos de pautas defendidos por cada grupo; não existe um elemento maior que dê coesão a todas as reivindicações, como por exemplo, existem grupos feministas que não se interessam pelos direitos trabalhistas. Não é raro acontecer de um grupo não participar de determinado ato porque, mesmo apoiando inteiramente a pauta, a manifestação foi convocada por fulano de um partido que não é o seu; essa realidade é especialmente verdadeira quando se trata do binômio PSol-PT. Ao final, o que parece é que, ao contrário de pregar a solidariedade, o sonho de determinados oprimidos é ser opressores.

Essas diferenças ficaram ainda mais relevantes depois que Temer entrou no poder. Houve diversas ameaças de trancaços, greves gerais, oposição legislativa com uma frente unida dos partidos interinamente na oposição, mas apesar da retórica e do ódio destilado nas mídias sociais, nenhum molotov voou, nenhum muro foi pichado, e pouquíssimos pneus incendiados. Mais uma vez, os interesses dos partidos em chegar ao poder parece ditar a derrota da esquerda na História de um país. Pior do que isso, o mais triste é perceber o quanto a população simplesmente está desmobilizada. Protestos como "fora temer" escritos na sopa de letrinhas, impressas nas sacolas de pão, parecem ser o máximo que as pessoas estão aptas a fazer. Pode-se diagnosticar que o conservadorismo JÁ triunfou quando se percebe que as pessoas não fazem greve por medo de perder seus empregos ou, pior, serem taxados de vagabundos; quando as pessoas preferem tuítar na conta do Decorativo, ao invés de gritar na praça da cidade. As manifestações de indignação de hoje em dia são completamente inócuas.

Os ativistas se dividem nas seguintes frentes: o PSol apoia que a Dilma volte para convocar eleições, os petistas querem que ela simplesmente volte e termine o mandato; o PDT acompanha o segundo raciocínio, por achar que somente em 2018 o Sr. Ciro Gomes poderá ganhar a presidência e a Rede, que seria a terceira via, apoia o PSol, por achar que a Marina ganharia. 

A pergunta que não quer calar: o que Dilma fará caso reocupasse a presidência? Eis os interesses de cada grupo.

Lula 2018 

O Partido dos Trabalhadores congrega as grandes massas homogêneas de esquerda: operários, petroleiros, agricultores, trabalhadores em geral. A principal meta do partido é conservar o poder em suas mãos, uma vez que a saída da Sr.ª Dilma significa a perda de direitos e de subsídios a estes movimentos. Conformam o grupo que mais sofrerão com a permanência de Temer no poder.

Apoiam-se nos resultados das intenções de voto para 2018, os quais lançam Lula à primeira posição e, também por esse motivo, não querem eleição-tampão. A ideia é simplesmente anacrônica. Lula fez um bom governo, mas é simplesmente incapaz de ganhar uma eleição, mesmo estando atualmente a frente de Marina Silva: o problema está em seu índice de rejeição, que também é o maior de todos e faz com que seja muito difícil arrancar votos dos outros candidatos.

Os dirigentes do PT, valendo-se desse "queremismo" encabeçado principalmente pela CUT e pelo MST, usam o fato como arma de dissuasão para evitar a prisão do líder-mor. A figura de Lula impossibilita que o PT ache alguém carismático o suficiente para substituí-lo, pois todos ficam à sua sombra. No final, o que pode acabar com o partido é justamente sua síndrome de elefante-grande, de ter alguém tão monstruosamente popular que inviabilize o lançamento de qualquer outro. Com isso, a alternativa PT torna-se extemporânea e provavelmente será descartada, uma vez que o interesse de seus correligionários estão se tornando cada vez menos populares e cada vez mais partidários. Ademais, o Lula já está velho e dificilmente terminaria o mandato -- e mesmo que terminasse, não será tão atuante como foi. O vice teria um papel fundamental em seu governo. O ex-presidente também dá demonstrações periódicas de que não lhe agrada tanto assim o fato de se candidatar em 2018.

Por fim, como áudios revelaram, Lula na presidência significa a manutenção do status quo, um pacto entre a velha elite velhaca do PMDB e os integrantes pra-lá-de-enrolados do PT. E sua política de conciliação resultará em mais clivagens entre os interesses dos ricos e dos pobres: trata-se de continuísmo e não de uma revolução.

Cirão das Massas


Parece-me, atualmente, a alternativa mais acertada para a esquerda moderada eleger Ciro. Porém, o que me incomoda são duas coisas: seu discurso altamente moralista (fonte maior da simpatia da classe média) que, apesar de claro e coerente, é forte o suficiente para dar suspeitas de demagogia; e o pior de tudo: sua biografia -- suas amizades e sua "peregrinação" por uma grande parte do espectro político, desde a extrema direita até a esquerda moderada. O fato de ser declaradamente amigo de Ronaldo Caiado, por exemplo, levanta-me fortes suspeitas de que ele poderá fazer medidas de teor populista, simplesmente para agradar alguns setores, manterá um discurso progressista e humanitário, mas guiará as linhas gerais de seu governo nas linhas do mercado. Ciro fala à aristocracia proletária e somente o discurso moralista atinge os mais simples.


Na verdade, suas medidas anunciadas são moderadas demais, parecendo advogar por um capitalismo acessível, desde que isso não vá de encontro com os lucros da elite. O bem-estar do povo será limitado pelo interesse das grandes empresas, pois Ciro Gomes não será um enfrentador de interesses estabelecidos. Tratará de um governo outrossim de centro-direita, e não de centro-esquerda como aconteceu com o Lula. Gosto de seu discurso, mas desconfio dele.

O PDT não apoia o discurso das eleições-tampão e isso demonstra um íntimo alinhamento com o PT e o PC do B. Provavelmente, a intenção por trás disso tudo é formar uma coligação entre os três, em 2018, encabeçando Ciro Gomes como candidato principal e um escolhido do PT como secundário (mas não Lula); os proventos do apoio do PC do B seriam colhidos ainda em 2016, com o apoio pessoal de líderes do PT, tais como Lula, na eleição de Jandira Feghali, no Rio de Janeiro.

PSOL busca protagonismo para ganhar simpatia


O grande problema do PSOL é que eles são alegadamente socialistas, mas encontram-se longe da realidade do pobre, do camponês sem terra e do morador de rua. A imagem do partido é a de uma reunião de indivíduos que apresentam uma identidade de classe média e um viés trotskista de revolução, revelando um perfil burocrático que não fala ao coração das massas. Carecem de uma liderança carismática mobilizadora.


No plano intelectual, discutem o que se quer almejar, mas dificilmente dão uma solução pragmática de como chegarão lá. Na verdade, a posição pessolista é facilmente entendida como um "antipetismo" misturado com pautas de "nova esquerda", que são aquelas outorgadas a grupos dispersos, sem a mencionada coesão que une todos eles -- mulheres, LGBT, negros, etc. A grande característica desses grupos é que eles não são necessariamente de esquerda, no sentido econômico, pois almejam direitos de equiparação social de grupos, não sendo um absurdo, por exemplo, existir uma feminista que seja a favor do neoliberalismo. E, apesar de haver defesas de pautas da esquerda econômica pelos líderes do partido, o ethos partidário não deixa essas questões muito claras.

Diante disso, não é necessário muito esforço para entender o que está por trás do discurso: utilizam a propaganda da volta da Dilma, apropriando-se da tese do golpe, mas sem politicamente desejar que isso aconteça, pois existe grande vaidade por parte  dos dois partidos e a ideologia já não consegue unificar as duas pautas, a não ser em torno do "Fora Temer". O discurso do golpe serve como um palanque eleitoral. Apoiam as eleições presidenciais pois sabem que o PT não conseguiria se reeleger este ano e nada mudará, para eles, até 2018. Como carecem de lideranças de massas, todo púlpito que conseguirem em torno da denúncia do golpe será bem-vindo.

Eleições-tampão


A tese das eleições-tampão é defendida pelo PSOL e pela Rede e sustenta-se pela teoria de que somente isso poderá devolver a legitimidade ao presidente, o que é uma mentira. A legitimidade, em si, é da presidente Dilma Rousseff até 31 de dezembro de 2017. O PT entende que as eleições-tampão é uma legitimação do golpe, uma vez que provavelmente tirará de vez Dilma da presidência, antes do tempo designado. Tampouco isso é verdade, uma vez que somente a vontade popular pode revogar a vontade popular.


Dilma Rousseff sequer quer voltar a governar, não sejamos ingênuos. Ela defende, pessoalmente, novas eleições, para preencher o vácuo entre sua volta e 31/12/2017, pois vê que será impossível governar com o atual Legislativo, mas não toma posição incisiva por causa dos interesses do Partido dos Trabalhadores. Mesmo Lula já demonstrou simpatia pela saída. Tudo porque já é possível antever que sua presença na Alvorada será muito mal vista pelo mercado, ao passo que estará de mãos atadas para promover medidas destinadas ao povo, tanto orçamentária quanto politicamente. Portanto, as eleições-tampão, apesar de interromper o mandato de Dilma Rousseff e criar um precedente perigoso, devolve a governabilidade e pode pelo menos favorecer a classe média -- o pobre vai se fuder do mesmo jeito.

A Rede quer as eleições porque acha possível lançar Marina Silva, mas, francamente, ela não é párea para Ciro Gomes, pois apresenta um discurso frágil, posições soltas e levanta a suspeita de todos os setores, desde a direita até a esquerda. Quem concorreria com Ciro Gomes seria Serra (não é à toa que o Decorativo o presenteou com o Itamaraty) -- que não tem força -- e Bolsonaro, que pode, infelizmente, ganhar a simpatia dos setores de direita com o seu novo discurso de "extrema direita light".

Não é à toa que não existe projeção para o arranjo Ciro Gomes presidente, Lula vice: é porque provavelmente seria a chapa vencedora. Mas além de tudo isso, não adianta nada apoiar um ou outro candidato se não houver mobilização popular, se os ideais da solidariedade não forem resgatados e vividos e se os setores populares e progressistas não vencerem a apatia política, inclusive se filiando a partidos e mudando suas orientações. Ciro/Lula serão sempre Cirão/Lulão das massas de manobra. Precisamos de uma nova aliança da esquerda brasileira.

Nenhum comentário:

Postar um comentário