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quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Jair Não Vai

 Finalmente o dia chegou. Bolsonaro foi condenado, e o país inteiro respirou — e não foi só um suspiro de alívio, foi uma explosão de festa nas ruas. “Jair Não Vai” captura exatamente esse clima: a vitória do povo contra a estupidez, a impunidade e o autoritarismo que por anos nos sufocou.

Essa música não é só crítica: é celebração. É para rir da cara do absurdo, dançar sobre o desastre e sentir o gosto doce de uma justiça tardia, parcial, mas necessária. Aperte o play, sinta a vibração da rua, e celebre. Porque, sim, Jair não vai — e o Brasil finalmente pôde festejar como merecia.


Letra:

Sábado à noite é hora de samba
Mas Jair não vai, pois está em cana
Domingo é bloco na rua animada
Mas Jair não vai, tá de tornozeleira dourada

Na terça tem baile no centro da cidade
Mas Jair não vai, perdeu a liberdade
Quarta é feijoada na casa da tia
Mas Jair não vai, PF não permitia

Mas Jair não vai, ô não vai não
Tá de prisão domiciliar, capitão
Mas Jair não vai, ô não vai não
Nem pra comprar pão no portão

Na sexta tem roda de samba na praça
Mas Jair não vai, tá trancado em casa
Sábado tem pesca no rio com os amigos
Mas Jair não vai, PF não dá abrigo

Segunda é churrasco do gado no sítio
Mas Jair não vai, e reclama no ofício
Quinta é motociata até o litoral
Mas Jair não vai, Moraes fechou o quintal

Mas Jair não vai, ô não vai não
Tá de prisão domiciliar, capitão
Mas Jair não vai, ô não vai não
Nem pra comprar pão no portão

“Ô Jair… o Brasil tá no bloco e você no sofá.
Segura aí a cuíca imaginária, capitão!”

segunda-feira, 25 de junho de 2018

Governo Deodoro da Fonseca


Presidente biito, gente...

A história republicana brasileira começa com um golpe. O governo do primeiro Presidente do Brasil é dividido em duas fases: o governo provisório e o constitucional.

            Durante a fase provisória, Deodoro buscou cancelar as instituições imperiais, governou por decreto, ao mesmo tempo que promoveu eleições para a Assembleia Constituinte, e buscou a laicidade do Estado, separando-o da religião, como ficou patente na criação do casamento civil. O Brasil era um país recém-saído do regime escravocrata; na busca por excluir os negros da economia, a burguesia agrária demandou mão de obra externa, o que foi patrocinado pelo governo com grandes imigrações, com isso, houve um enorme processo de naturalização de estrangeiros.

            A política econômica que marcou o governo Deodoro da Fonseca foi a do encilhamento, que mirava a industrialização a partir da emissão monetária – a solução mais estúpida em economia que já vivemos desde D. Pedro I. Obviamente que esse processo gerou uma grande inflação; essa perda de valor monetário é conhecida como imposto inflacionário. A especulação financeira foi às alturas.

            Constituição de 1891. Foi concebida a República Brasileira como uma federação, com autonomia para os estados. O voto era masculino e universal, excluído os analfabetos, os mendigos, os padres e os soldados (ou seja, a maior parte da população). Além disso, o voto era aberto, o que facilitava aos coronéis impor a sua vontade para a população (voto de cabresto). Era isso ou um balaço na cabeça. As eleições da República Velha foram diretas, exceto a do governo constitucional de Deodoro da Fonseca.

            Com medo de sofrerem um golpe por parte de Deodoro e verem restaurada a monarquia, o militar foi eleito para o seu segundo mandato. Mesmo os líderes da oposição haviam decidido que, caso Prudente de Morais ganhasse, o Congresso lhe daria imediata posse – era tudo para inglês ver. Floriano Peixoto foi eleito o seu vice. Os dois não eram amigos. A bem da verdade, guardando as enormes diferenças entre os projetos políticos de cá e lá, Floriano era para Deodoro o que Temer foi para a Dilma.

            A relação entre o presidente e o parlamento eram tensas. O primeiro era avesso à democracia e à oposição, o segundo também, mas era representantes da burguesia, que demandavam uma excludente democracia burguesa, longe do ideal democrático real.

            Em novembro de 1891,  diante do boicote sistemático e da tentativa do Parlamento em aprovar a Lei de Responsabilidade, que reduzia o poder do Presidente da República, Deodoro decretou o estado de sítio e fechou o Congresso Nacional. O Distrito Federal foi colocado sob censura absoluta. A reação veio de todos os estamentos – da burguesia cafeeira, do Exército, dos trabalhadores (que emplacaram a Greve da Estrada de Ferro da Central do Brasil) e da Marinha (que também entrou em greve). Deodoro teve que renunciar e Floriano subiu ao poder.

            Custódio de Melo, acionado por Floriano Peixoto, a bordo do Encouraçado Riachuelo, ameaçou bombardear o Rio de Janeiro caso Deodoro não renunciasse. Diante de tão doce convite, o marechal deixou o cargo em 23 de novembro de 1891, passando o bastão para Floriano Peixoto.

sexta-feira, 17 de junho de 2016

História do Brasil. O Processo de Independência: A situação política e econômica europeia

A independência americana influenciou o pensamento dos revolucionários franceses, que colocaram fim na França Absolutista e fundaram a República. Prenderam e executaram Luiz XIV, o que fez com que os monarcas europeus olhassem com grande preocupação sobre o que acontecia na França e a tendência à contraposição era natural. O império austríaco, os reinos de Sardenha, Nápoles, Prússia, Espanha e Grã-Bretanha formaram uma coalizão, com o ímpeto de frear a Revolução, numa tentativa de conservar o status quo. O interesse espanhol era dinástico: seu trono era comandado por um Bourbon. Os franceses levaram sua população à guerra total.

La Marseillaise, mais do que o Hino Nacional Francês, é o canto da Revolução Francesa, par excellence

O conflito contra a primeira coalizão terminou quando Napoleão derrotou  os austríacos na Itália e chegou às portas de Viena. Foi assinado o Tratado de Campofórmio. Em 1798, uma segunda coalizão colocou praticamente toda a Europa contra a França Revolucionária.A situação dentro do país era a pior possível: a economia estava péssima, havia fome e privações. A corrupção tomava conta do governo de Diretório. Napoleão, enquanto isso, dava tiros no Egito e descobria algumas múmias. Quando retornou à França, deu um Golpe de Estado (18 Brumário), dissolvendo o Diretório e instaurando um Consulado, sob o comando napoleônico. Reorganizou o exército. Em todas as frentes, os franceses empurraram a coalizão, fazendo os Habsburgos assinarem o Tratado de Lunéville, quando de sua perda. Isolada, a Inglaterra teve que assinar o Tratado de Amiens.



Era o fim da guerra defensiva. A partir daí, a Revolução toma ares expansionistas - era o início das guerras napoleônicas. Napoleão se coroou imperador e presidente da República Italiana (um estado fantoche criado pelos franceses); fundaram também a República Helvética, nos territórios suíços. Tratava-se de uma situação irreversível, muito embora, após a deposição de Napoleão, a população, e mesmo os homens de Estado, pensassem que estivessem restaurado o status quo ante. A ideologia já havia adentrado no DNA do mercado e no modus vivendi das pessoas, sem elas se darem conta.

Devido a grandes desentendimentos entre franceses e britânicos, começou uma guerra, em 1803 que durou até 1814. Foi preciso criar cinco coalizões para vencer os revolucionários.  Cabe lembrar que, apesar de se chamar de guerras napoleônicas, quem declarou foi a Inglaterra, com medo de ser excluído da hegemonia mundial. O que é importante para o processo de independência brasileira? Primeiramente, no plano ideológico, como já disse: a independência americana influenciou a Revolução Francesa, também influenciando pequenos círculos maçônicos cá no Brasil. Depois, com os levantes, a própria ideia de nação veio à tona e vários questionamentos a respeito da monarquia absolutista dos Braganças. Começou a haver, com cada vez mais frequência, conspirações locais para se libertar do poder real, que foram inócuas, de uma forma geral.

Para isolar a Grã-Bretanha, Versalhes lançou mão do Bloqueio Continental. A intenção era estrangular a economia inglesa. Para aceder a esse objetivo, no plano ibérico, fazia-se necessário ocupar a Espanha e Portugal, que estava neutro na guerra. Então, os franceses lançaram a frente oeste e, a muito custo, conseguiram ocupar o território espanhol, vencendo a Guerra Peninsular. A investida fez Carlos IV e Fernando VII abdicarem e o afrouxamento das relações com suas colônias fez com que os colonos tomassem conta da administração das municipalidades, ainda em nome de Fernando. Não durou muito até que alguns percebessem que as rédeas soltas eram propícias para a independência e desencadeou-se uma sangrenta e complexa luta, que durou décadas.

A Inglaterra, interessada no novo mercado que surgiria com a emancipação das colônias, proibiu quaisquer de seus aliados de ajudarem as metrópoles militarmente. Era um jeito de fugir do Bloqueio Continental, inclusive.

A sublevação hispano-americana certamente influenciou os colonizados brasileiros: a possibilidade de independência existia. No entanto, no Brasil, o pacto colonial era bem mais frouxo e havia uma maior mobilidade social, o que gerava um descontentamento muito menor. Para os metropolitanos, a coisa estava feia: as tropas napoleônicas marchavam às suas portas. Tendo o medo de um levante colonial e mais medo ainda de ser destronado, D. João VI resolve mudar a capital de seu reino para o Brasil, o que acaba por afrouxar ainda mais o pacto colonial. Medidas como a revogação do Alvará de D. Maria, a louca, que proibia as manufaturas e a abertura dos portos comprovam essa tendência.

Com a deposição de Napoleão, cria-se um vácuo de poder em Portugal e uma revolta de cunho liberal toma conta da cidade do Porto, forçando a família real a voltar para a Europa. Os portugueses, em Assembleia, queriam o retorno dos grilhões coloniais e a insatisfação brasileira fez desencadear o processo de independência.

A situação econômica europeia nas Guerras Napoleônicas

O que motivou a Revolução Francesa foi a fome das más colheitas e os pesados tributos que foram majorados pela Corte para bancar os custos da Guerra dos Cem Anos (contra a Inglaterra) e da Guerra de Independência dos Estados Unidos (por pura revanche aos ingleses, apoiou os americanos). No decorrer da revolução, a situação econômica somente piorou, devido à corrupção do Diretório, que tornava tudo ineficiente, e aos custos de guerra para fazer valer a República.

Enquanto isso, na Inglaterra, a Revolução Industrial estava a pleno vapor e o país era esmagadoramente mais eficaz em mobilizar sua economia para seus esforços de guerra. A indústria nascitura foi capaz de produzir em larga escala, enquanto a França precisava, e muito, economizar e mobilizar trabalho voluntário. A cadeia produtiva da Inglaterra poderia ser facilmente desviada para a guerra, enquanto a França precisava praticamente entrar num estado de guerra total para mobilizar o necessário à administração bélica.

Já Portugal era abastado. O rei nadava no ouro arrecadado de Minas Gerais. Porém, tinha uma estrutura econômica antiquada e pouquíssima indústria para fazer face ao eficiente exército napoleônico, o qual gozava de imenso moral. Com a primeira invasão de seu país, mudou-se para o Rio de Janeiro. O Tratado de Methuen, assinado com a Inglaterra, no entanto, drenava para o exterior grandes somas de ouro. Quando cá chegou, assinou os tratados desiguais, vendendo sua economia aos ingleses a troco de proteção, em uma forma muito semelhante à "indústria de segurança" que os Estados Unidos promovem nos dias atuais. O Brasil era responsável por três quartos de sua economia e foi elevado à condição de Reino Unido em 1815; o peso econômico no PIB português era grande demais para a elite colonial simplesmente acatar a ideia de voltar ao estatuto de colônia. Entre 1808 e 1822, Portugal experimentou uma grande deflação. O quadro de crise e o vácuo de poder fez eclodir a Revolução do Porto, de caráter liberal, forçando D. João a voltar para a metrópole. Lá chegando, viu-se obrigado a tirar o poder do príncipe-regente e este viu-se obrigado a proclamar a independência do Brasil.






segunda-feira, 13 de junho de 2016

História do Brasil: O Processo de Independência. Movimentos emancipacionistas

Deve-se diferenciar movimentos emancipacionistas dos movimentos nativistas. Embora muitas vezes tratados como de mesma natureza, e altamente romantizados, os dois tipos guardam uma diferença substancial quanto à soberania brasileira: os emancipacionistas queriam o rompimento do pacto colonial; os nativistas queriam a independência daquela região, em detrimento do resto do Brasil -- tinham caráter separatista. Ainda no século XVII, os primeiros protestos contra a metrópole começaram a surgir.

Movimentos nativistas, ou levantes (sub)coloniais

Os movimentos nativistas são revoltas desencadeadas entre os "filhos da terra" e os "filhos da p..." dos colonizadores. Podemos nomear como movimentos nativistas, entre outros, a Aclamação de Amador Bueno, a Revolta de Beckman, a de Felipe dos Santos, a Guerra dos Emboabas e a dos Mascates. Após a independência, houve ainda a Guerra das Farroupilhas, a Revolta dos Alfaiates e a sangrenta Revolução de Pernambuco.

A Aclamação de Amador Bueno

Esse episódio da vida histórica de nosso país aconteceu na Capitania de São Vicente, mais precisamente na Vila de São Paulo, que na época estava empenhada no apresamento de indígenas, pelos bandeirantes. O caráter paramilitar e nômade do bandeirismo paulista favorecia em muito o contrabando através da margem do rio da Prata (desde aquela época, os paulistas já eram chegados numa muamba...). O período filipino chega ao fim juntamente com a União Ibérica e há a Restauração da Independência de Portugal, o que acaba por se traduzir, na colônia, numa diminuição da fluidez desse contrabando de indígenas e uma maior fiscalização ao sul. 

Com a proibição da escravização da mão de obra nativa, os paulistas foram alijados de uma grande fonte de renda. É ainda muito mistificado o fato de que os índios não teriam sido escravizados por serem vagabundos ou algo do tipo, o que é uma mentira cabeluda, dotada de muito racismo -- não existe vagabundice ao chicote. Outro racismo existente é a de que os negros são passivos e não resistiram à escravidão. Sugiro que estes assistam Beasts of no Nation, para se ter uma ideia da passividade africana... O interesse da metrópole em usar somente escravos oriundos da África pode ser entendido pelos seguintes fatores:

1) Medo de uma revolta de escravos, posteriormente medo do jacobinismo/haitianismo: a Coroa temia perder o controle de quantos escravos haviam e transformar o Brasil em um "Haiti", que foi palco de uma revolta escravista (1794), a qual culminou para a independência daquele país -- e a perda do controle social por parte da elite. Para evitar isso, era necessário controlar o fluxo de mão de obra cativa que entrava na colônia e assim permaneceu durante os dois reinados independentes brasileiros;

2) Viabilidade econômica: devemos ter em mente que, não é só porque os negros vinham da África, eram "exportados", que necessariamente eram mais caros. Na verdade, o mercado da força de trabalho cativa era tão substancial, e o estoque de prisioneiros era tão grande na África, que a venda por meio do tráfico ultramarino alcançava uma larga economia de escala. Sem a ampla concorrência, naturalmente os traficantes começaram a formar monopólios e poderiam vender ao preço que quisessem e conviesse, amigos do rei que eram. O apresamento na África, por se tratar de um lugar com grandes guerras tribais, era mais intenso;

3) Problemas com a ICAR: vale lembrar que os índios eram considerados pelos jesuítas como um povo a evangelizar; já os africanos eram uma raça maldita, marcada por deus para sofrer. Ou seja, mexer com indígenas significava pisar no território da Igreja Católica, que pouco se importava com o africano.

 4) Viabilidade fiscal: Numa colônia com um mercado voltado quase que exclusivamente para o exterior, trazer escravos da África significava arrecadar grandes somas de impostos, uma vez que era mais fácil fiscalizar os portos do que o que acontecia de forma autóctone.

Com a dissolução da União Ibérica, as diferenças regionais se tornaram mais agudas. O polo rico da colônia, o Nordeste, estava ocupada pelos holandeses de Maurício de Nassau; o Rio de Janeiro conversava diretamente com a Corte; e os paulistas negociavam relativamente mais com os espanhóis do que o resto do Brasil. A política em São Vicente se dividia em dois clãs: os Garcias (partido português) e os Camargos (espanhóis). Amador tinha parentesco com os Garcias, mas era partidário dos espanhóis, e expulsou os jesuítas, como juiz ordinário, do planalto. Os Camargos declararam Amador como rei de São Paulo, num gesto de afirmação conservadora (e não com um sentimento nacionalista). Amador recusou o título e quase foi linchado pelos seus "ex-suditos".

Quilombo dos Palmares (1654)




Muitos são aqueles que aceitam o cativeiro, mas existe uma fração que resolve questionar os grilhões. No caso de Palmares, não foram alguns poucos, mas muitos que haviam fugido de seus senhores: a tal ponto de poder se organizar e chegar a ameaçar a força pública. O governador de Pernambuco já não tinha contingente suficiente para dar cabo ao quilombo. A solução era recorrer aos bandeirantes de Domingos Jorge Velho. A campanha foi tão difícil que se fez necessário passar o comando para Matias Cardoso; mesmo assim, o quilombo somente foi desfeito com tropas auxiliares. Vários quilombolas fugiram, outros foram degolados, e outros presos.

Zumbi, não obstante, escapou e só veio a ser capturado depois da traição de um de seus amigos. Foi decapitado e sua cabeça ficou exposta em praça pública. Tornou-se um símbolo controverso da luta pela liberdade negra. Sabe-se que, assim como Ganga Zumba, seu antecessor, Zumbi não questionava a escravidão, mas seu lugar nela -- o escravismo existia inclusive dentro de Palmares, muito embora não era um modelo econômico, como no caso de Portugal.

A apropriação política de Zumbi como símbolo da luta dos negros é algo paradoxal, uma vez que o líder não tinha uma mentalidade de identidade social para com os outros. A bem da verdade, existia, dentre os negros, conflitos étnicos que eram carregados devido à sua origem. O branco costuma classificar como negro todo aquele que não é branco, mas esquece de considerar que, para os escravos, um Ganguela não é igual a um Xindonga. A consciência de unidade negra veio a existir no último quartel do século XIX e alcançou força e identidade social somente muito após a Lei Áurea.

A Revolta de Beckman (1684)



O levante em comento tem esse nome graças aos irmãos Beckman, conhecido pelas bibocas também como Bequimão. A Coroa havia imposto o estanco para o Maranhão, em 1676, que se tratava de uma medida legislativa que assegurava o monopólio dos produtos da capitania, o que acabou por empobrecer muito a região. Em 1682, houve os primeiros contratos para a introdução da mão de obra escrava, diante da dificuldade que existia em apresar os índios, os quais conheciam muito bem o terreno.

Porém, o comércio de mão de obra cativa foi corrupto desde o início, e desobedecia sistematicamente ao monopólio colonial estabelecido. Maranhão era tão periférico que se  tornava impossível fiscalizar esses pormenores. Sem condições para progredir na lavoura, carente de trabalhadores (leia-se escravos), a insatisfação aumentou.

Manuel Beckman e Manuel Serrão de Castro se aproveitaram da ausência do capitão-geral para aprisionar o capital-mor, ocupar o armazém da Companhia de Comércio de escravos e prender/expulsar os jesuítas, os quais eram uma dificuldade a mais para o apresamento indígena. Os fazendeiros reuniram-se em assembleia e decretaram a abolição do estanco, o encerramento das atividades dos jesuítas e suas expulsões. Montaram um governo de diretório, que contava com a participação de Tomás Beckman na junta.

Em resposta ao levante, Lisboa enviou Gomes Freire como novo capitão-geral, o qual não precisou enfrentar nenhuma reação, uma vez que, quando lá chegou, o movimento já havia arrefecido. Suas medidas foram bem típicas no contexto brasileiro: reprimiu os revoltosos, mas cedeu às suas demandas -: aboliu o estanco, mas condenou Manuel Beckman e Jorge Sampaio à morte. Alguém tinha que pagar o pato. Alguns foram degredados e para a prisão e os jesuítas foram reintegrados, sem direito a revanche.

Guerra dos Emboabas (1708-1709)

Outro embate que aconteceu com os bandeirantes, porém, já agora no grande ciclo do ouro. Os bandeirantes paulistas queriam exclusividade na posse sobre as  terras mineiras nas quais haviam descobrido o ouro. Porém, o pedido da Câmara de São Paulo à Coroa era completamente irrazoável.

Com a notícia da descoberta do vil metal, naturalmente houve um fluxo migratório intenso, tanto no sentido metrópole-colônia, como no sentido periferia-Minas. E os não paulistas que chegavam, os "intrusos", eram chamados de Emboabas. O líder da revolta emboabense era um traficante de gente e gado do nordeste, cuja economia açucareira enfrentava um arrefecimento em seus engenhos, podendo liberar mão de obra, Manuel Viana, que foi proclamado governador das Minas até Lisboa nomear Fernando de Lancastre, partidário dos paulistas, que não aguentou a pressão e acabou fugindo. Borba Gato era a principal autoridade real nas Minas, mas estava assaz envolvido com a querela para conseguir mandar em alguma coisa: era paulista. Tentou expulsar Viana e não conseguiu. Desistiu.

Outro governador foi enviado: Antônio de Albuquerque. Manuel de Viana não impôs óbice e o novo mandatário o deixou em paz. O estresse bateu forte no coraçãozinho dos paulistas com a solução que era favorável aos emboabas e esboçaram uma resistência, mas foram reprimidos por tropas reais.

Albuquerque criou duas capitanias, a de São Paulo e a de Minas Gerais, além de elevar a Vila de São Paulo à categoria de cidade. Criou as vilas Mariana, Ouro Preto e Sabará. A Guerra terminou com um indulto geral, a restituição de lavras paulistas e a instalação das primeiras municipalidades de Minas Gerais: agora quem manda é Dom João.

Após o frenesi do ouro em Minas, os bandeirantes encontraram outras reservas em Cuiabá e Goiás.

Guerra dos Mascates (1710)


 Aécio Neves, Mascate da Lava Jato


Mascate - forma pejorativa de se referir a um comerciante que vende de porta em porta.

A preferência holandesa, quando de sua ocupação no Nordeste, por Recife, significou a decadência de Olinda. Quando foram expulsos, no entanto, essa tendência não cessou e a região alcançou o status de vila, com Legislativo autônomo, fazendo desagrado aos vereadores olindenses. O bispo de Olinda e os parlamentares insuflaram a violência e o governo recifense acabou tendo que bater em retirada, em direção à Bahia. Os revoltosos marcharam sobre a municipalidade, destruíram o pelourinho e... criaram um impasse. Entregar o poder ao bispo de Olinda ou desligar Pernambuco de Portugal, proclamando uma república? Como é comum em nossa história, ficaram com a opção mais conservadora.

Os mascates de Recife forjaram uma aliança com o governo de Salvador e com o capitão-mor da Paraíba e planejaram uma vingança. Invadiram a cidade, prenderam o bispo e fez este pedir, em seu nome, o retorno da autoridade legítima. Seguiu-se várias revoltas. O novo governo mandado por Lisboa era simpático aos mascates.

É bom salientar que a forma pejorativa como designavam os comerciantes se deve ao fato de que ainda existia na cabeça dos portugueses a mentalidade de que o nobre era aquele que possuía terras: os latifúndios eram MAIS e os comerciantes, mais próximos da mentalidade capitalista, eram MENAS.

Revolta de Vila Rica (1720)

A revolta de Vila Rica fica na fronteira entre os movimentos nativistas e os emancipacionistas. Foi um motim contra o sistema fiscal, desencadeada na forma de uma contrarrevolta contra Conde de Assumar, encerradas com a morte do líder da revolta, Filipe dos Santos Não se sabe se Filipe foi esquertejado antes ou depois de morrer; não que para nós essa informação seja relevante, mas para ele certamente foi.

Todas as pessoas implicadas nessas agitações eram portuguesas, não obstante seu significado histórico difere da Inconfidência Mineira, pois se tratava de uma sociedade em formação e em um conflito primário de interesses contrariados; já a Conjuração Mineira deu-se no bojo de uma sociedade estável, organizada, cujas agitações denunciavam as fissuras coloniais.

Movimentos emancipacionistas

Conforme a situação na colônia foi se desenvolvendo, a organização e os interesses começaram a denunciar o velho pacto colonial. Os achaques fiscais começaram a ser sentidos pelos colonos e causaram grande descontentamento. A limitação do mercado também era motivos de raiva pela elite colonial, mas não era o maior entrave - tanto é que, quando a independência veio de fato, ainda continuamos em um sistema semicolonial com a Inglaterra. Muito embora sejam dotados de significado nacionalista, são acepções a-históricas dos movimentos emancipacionistas, uma vez que nenhum deles se deveu por motivação popular, mas por inconformismo das elites, sem uma identidade nacional, sendo este o principal motivo pelo qual essas revoltas pouco influenciaram quando o processo material de independência realmente aconteceu.

A Inconfidência Mineira (1789)

O ano diz muita coisa: 1789. A Independência Americana estava fresquinha na cabeça dos conjurados e certamente influenciou no planejamento do levante. Na França, acontecia a Revolução Francesa e as notícias sobre os revolucionários, bem como seus ideais iluministas, foram o combustível ideológico do que quase aconteceu nas Minas Gerais.

Não obstante, a ideologia por si só é passiva: é preciso um gatilho para que haja uma tentativa de mudança do establishment. E esse gatilho foi o descontentamento das elites (e não da população, como querem nos fazer acreditar na escola) com o sistema fiscal promovido por Pombal e, posteriormente, por D.ª Maria I. Havia a decretação do quinto real, que levava embora 20% de todo o ouro retirado das minas; a sociedade extrativista estava em declínio e o fato de ser um centro urbano tornava o ambiente propício para que as ideias ilustradas se difundissem.

Todos os inconfidentes tinham vínculos com as autoridades coloniais. Mal comparado, a tentativa de separação mineira foi, na verdade, um jeitinho obtuso de fugir ao dever de pagar o imposto devido e o sonegado, tal como a tentativa de impeachment hoje é uma tentativa de evasão da Lava Jato. A elite sempre dá seus pulos para impor a lei aos pobres e fugir ao seu dever - é isso que a faz ser elite, na verdade... No entanto, assim como os políticos do PMDB e do PSDB tiveram suas relações prejudicadas com o Judiciário, após a deflagração da Lava Jato, também aconteceu de o entrosamento entre as elites com as autoridades coloniais, que se fingia de cega para as sonegações, ser prejudicada por um novo governo que fiscalizava, o de Cunha Menezes. A elite local restou marginalizada e a insatisfação aumentou quando entrou em cena o Visconde de Barbacena. O novo governador tinha poderes para decretar a derrama, que se tratava de um dispositivo fiscal com a finalidade de assegurar a arrecadação de cem arrobas anuais de ouro, caso os 20% não dessem conta de bater a "meta fiscal" da Coroa. Era mais do que uma mera pedalada - era um achaque. Além de poder propor essa medida, tinha poderes para mandar investigar os devedores e fazer valer o correto cumprimento de contrato entre particulares e a administração pública.

Quando ficaram sabendo da derrama, os conjurados planejaram a revolta, mas um deles deu com a língua nos dentes: Joaquim Silvério dos Reis. A Coroa havia fechado um acordo de perdão de dívidas e de indulto por sua participação na conspiração, além de oferecer cargos e sinecuras; foi tipo uma Delação Premiada e Joaquim não pensou duas vezes antes de fazer o maior acordo de leniência do período colonial. A devassa para punir alguns e degredar outros envolvidos, sendo a esmagadora maioria de notáveis, durou alguns meses, mas somente um foi executado: Tiradentes. Como a historiografia séria já demonstrou, Tiradentes parecia histriônico e meio desequilibrado e assumiu exclusivamente a responsabilidade pela conspiração, sendo por esse motivo o único a ter a pena capital e a ser esquartejado (esse sabemos que a picotagem rolou após a morte).

Sobre o legado de sua imagem: Tiradentes não era pobre e excluído. Ao contrário, era oficial do exército e tinha patente de alferes, que seria o equivalente a segundo-tenente, nos dias atuais. A apropriação de Tiradentes como herói nacional surgiu no período ultrarromântico, a partir de uma tentativa deliberada de se formar uma identidade nacional, no contexto turbulento do golpe de estado republicano. Para facilitar a assimilação do cidadão como ícone da pretensão republicana, como se ela tivesse existido desde o período colonial, o executado foi pintado com ares de Jesus Cristo, como nesse quadro gore...


A intenção dos inconfidentes era de proclamar a República para fugir dos pesados tributos e perdoar os devedores à Coroa. Queriam tomar a Constituição dos Estados Unidos como exemplo e extinguir o exército permanente. Com relação ao abolicionismo, havia certo dissenso, mas a posição da maioria era a de suprimir a escravidão. Seria uma forma de gerar um sentimento mínimo de nacionalismo e amalgamar o Estado, pensavam.

Os pedaços de Tiradentes foram espalhados pela praça e reza a lenda que sua cabeça foi surrupiada por uma ex-amante.

Conjuração do Rio de Janeiro (1794)


Foi a conspiração mais inofensiva do período pré-independência e não representou ameaça à ordem, sendo apenas uma série de conversas entre intelectuais agremiados em academias e sociedades. As conversas da Sociedade Literária adquiriam cada vez mais conteúdo político e filosófico de contestação aos regimes monárquicos. Acabaram sendo denunciados por José Bernardo da Silva Frade e pelo Frei Raimundo Penaforte. O vice-rei suspendeu as atividades e prendeu aqueles que, segundo alegava-se, continuaram reunindo-se secretamente. Todos foram absolvidos.

Ou seja, foi apenas uma meia dúzia de reuniões de Illuminatis para se discutir como eles iriam dominar o Brasil. Tratava-se apenas de um sintoma da difusão do pensamento liberal nas grandes capitais.

Conjuração Baiana - A Revolta dos Alfaiates (1798)

Reuniu mulatos, negros livres e profissionais urbanos: artesãos e alfaiates. Tinha como pauta a punição dos padres contrários à escravidão, a condenação das más condições de vida da cidade de Salvador e o aumento de salário para os militares. Fortemente inspirados pela Revolução Francesa, foi o primeiro levante realmente popular, pelo menos em participação, e o primeiro também a combinar independentismo com reivindicações sociais. O quadro econômico da época era de grande inflação, porém com grande estagnação do salário, o que contribuiu para a insatisfação geral. Buscavam o republicanismo, a abolição da escravatura e o livre comércio, principalmente com a França.

Não chegou a ser colocado em prática pois, quando os setores populares tentaram conquistar o apoio do governo, a repressão foi violenta: várias prisões e quatro enforcamentos. A explicação para essa violência toda por parte do governo tem um nome: medo. Um medo causado pela origem social dos acusados e pelo haitianismo - a revolução de Santo Domingo, levada a cabo pelos escravos, estava a pleno vapor. A Bahia era, e continuaria sendo pelos quarenta anos seguintes, a região onde os motins negros eram mais frequentes e a repressão terrivelmente violenta, na tentativa inútil de evitar novas insurreições ("que sirva de exemplo!"). É interessante notar como esse tipo de "pedagogia" só piora o quadro.

Há uma segunda versão da Revolta dos Alfaiates, contada pela historiadora Patrícia Valim, no qual o que estava por trás da sublevação não era exatamente os interesses populares, mas os de oito poderosos fazendeiros, que estimulavam a violência, ainda mais depois que um navio francês aportou e começou uma boataria de que Napoleão planejava invadir o Brasil. Por suas conexões com o poder, teriam ficado impunes.

quarta-feira, 8 de junho de 2016

História do Brasil: Período Colonial: Tratado de Madri e Alexandre de Gusmão

O trono português, em 1750, era o mais rico do mundo. O grande sucesso do antigo sistema e da mineração eram colhidos por D. João IV, o rei-ostentação. As fronteiras do Brasil, dilatadas pelos tratados de Utrecht, mas sem maiores definições a leste, a não ser por "zonas de influência", apresentavam graves pendências na margem do Rio da Prata, ponto estratégico para todo país cuja economia é voltada para fora.

A obra de Alexandre de Gusmão, com exceção do Acre, é a base para o nosso território atual e o modo como se deu o acerto em muito ajuda para a atual posição brasileira na América do Sul. Graças a ele, chegamos ao começo do século XXI sem pendências de "cerca", isto é, sem contenciosos fronteiriços, ao menos no tocante à porção terrestre de nosso território, algo que difere em muito dos nossos vizinhos. Foi o primeiro tratado de fronteira assinado que tentava resolver o problema de uma só vez; os demais eram acordos tópicos, que resolviam problemas locais. Sua obra é tão relevante que não é a toa que a maior fundação sobre política e relações internacionais brasileira leva o seu nome.

O lusobrasileiro lançou mão de alguns princípios inovadores para demarcar as fronteiras. O primeiro deles era o de fronteiras naturais, que procurava evitar a "demarcação geométrica", que seria mais difícil de precisar e de fiscalizar. O segundo, era um abrasileiramento do princípio uti possidetis, que no direito civil romano tratava-se de uma medida cautelar: aquele que tivesse ocupando à véspera do litígio continuará ocupando até que o contencioso transite em julgado. No caso da apropriação imprópria de Gusmão ao direito internacional, o uti possidetis tinha um significado perene: aquele que estivesse ocupando continuaria ocupando. Teria o título da terra. Fim.





Claramente, o arranjo não favorecia aos espanhóis. Por que aceitaram? A urgência devido à situação geopolítica e dinástica. A balança de poder europeia estava configurada por uma frágil estabilidade entre os Habsburgos austríacos hegemônicos e a França como potência contra-hegemônica.A Inglaterra tinha o papel de contrabalancear a emergência francesa pós-rei Sol. A Espanha, como foi dito na postagem anterior, estava sobre a influência da França, sendo reinada pela dinastia Bourbon; Portugal era apadrinhado da Inglaterra. O bipolarismo estava lançado e o conflito era iminente. O Tratado de Methuen comprava o apadrinhamento da Inglaterra.

A Península Ibérica, por ser periférica a esse balanço, era um tabuleiro privilegiado para que as potências testassem o sistema, tal como havia acontecido na Guerra de Sucessão Espanhola, terminada pelo Primeiro Tratado de Utrecht, 1713. Os ibéricos desempenhavam, perante o conflito franco-britânico, o papel que a Alemanha desempenhou durante a Guerra Fria. 

Os franceses e britânicos estavam se estranhando já em alguns conflitos periféricos: diretamente no subcontinente indiano e indiretamente na Guerra Austríaca de Sucessão. A sombra do conflito direto pairava sobre a Espanha e veio a concretizar anos após o Tratado de Madri, na Guerra dos Sete Anos. Os espanhóis estavam dispostos a aceitar muita coisa a fim de evitar um "terceiro tratado de Utrecht", já que ficara explícito que a derrota francesa poderia ser paga em pesetas.

O primeiro passo da negociação, portanto, foi congelar o status colonial, independente do que aconteceria nas metrópoles -- uma cláusula de paz entre as colonias, que muito influenciou para que houvesse relativa estabilidade entre o mundo ex-português e ex-espanhol, depois das independências americanas. Graças a esse dispositivo, as duas américas somente se enfrentaram por interesses muito bem delineados. Gusmão tinha medo de que, caso a guerra desse zebra, o Brasil fosse alijado de importante porção da Amazônia. O que mais demonstra esse temor é justamente o fato de as negociações terem sido realizadas de forma secreta.

Além do problema geopolítico, estava a questão dinástica,. A rainha dos espanhóis era portuguesa e muitos temiam uma traição. Resolver a situação era urgente para os espanhóis e Gusmão sabia que a urgência o favorecia. A tarefa de José de Lancaster y Carvajal, plenipotenciário hispânico, não era das mais simples.

O tratado

O argumento do uti possidetis, que revogava Tordesilhas, foi aceito pela Espanha principalmente sob a alegação que mesmo eles haviam desobedecido os mandos do velho diploma, no Oriente. A Espanha manteria suas colônias nas Filipinas e ilhas adjacentes, enquanto Portugal consolidaria sua presença na Amazônia. O argumento dos acidentes geográficos ajudaram os lusitanos a ganharem várias porções desabitadas, tais como o Alto-Paraguai, Guaporé, Madeira e Tapajós. Sem pretender, o uti possidetis, o primeiro "jeitinho brasileiro", acabou por ficar popular no direito internacional e influenciaria a obra de Rio Branco. 

Outro "argumento" que favoreceu largamente os portugueses foram os Mapas das Cortes encomendado por Gusmão. Como se sabe, o conhecimento cartográfico da época ignorava largamente o cálculo correto das longitudes, minimizando a ocupação portuguesa além-Tordesilhas. Houve também uma falsificadinha "de leve" das distâncias e Espanhol utilizou o mapa como base legítima para as negociações. 
Além disso, houve a permuta da Colônia do Sacramento, que sempre ficaria sob o ataque dos espanhóis e cuja prata não mais interessava a D. João, empanturrado de ouro que estava, pelo Sete Povos das Missões, riquíssimo em gado. O Rio Uruguai foi adotado como a fronteira natural do Brasil com a Argentina, e assim continuou sendo até os dias de hoje.

Fica muito claro que, na negociação das fronteiras, sui-genericamente a realidade colonial pouco importou: foi um acordo metrópole-metrópole, mais ainda, submetidas à realidade estratégica das grandes potências que emergiam, qual seja, Inglaterra e França. AS considerações sistêmicas acerca das fronteiras apenas vieram à tona um século depois, quando o pacto colonial não mais existia e os atores eram soberanos.

Consequências indiretas de Madri

Graças ao trabalho de Alexandre de Gusmão, conseguiu-se alcançar uma relativa estabilidade ao Sul do Brasil. Com isso, a metrópole foi capaz de aumentar seu poderio e sua presença, uma vez que não precisava gastar com ataques e linhas de defesa. Porto Alegre fundou uma colônia de povoamento.

A capital da colônia também deslocou, graças a Madri, indo para o Rio de Janeiro, e lá ficaria até Juscelino Kubitschek resolver mudar de ares. 

No entanto, ao sul, houve resistência dos índios e jesuítas, culminando na Guerra Guaranítica (ver "A Missão", de Roland Joffé, com Robert de Niro), ceifando várias vidas dos nativos. Outros que sublevaram, inconformados com a nova situação, foram os comerciantes, impedidos que estavam de contrabandear no rio Prata, sendo apoiado pelo novo homem forte de Portugal, o Marquês de Pombal. 

O tratado de Madri, uma década depois

Passados dez anos, o Tratado de Madri já não era respeitado por nenhuma das partes. Os negociadores e os reis envolvidos haviam morridos e muitos denunciavam as fronteiras, entre eles, Marquês de Pombal. A permuta de Sete Povos e Sacramento não se concluiu; as forças presentes nos povoamentos se recusaram a entregar o poder.

O Secretário de Estado do Reino (Marquês de Pombal) anulou parcialmente o acordo por meio do Tratado de El Pardo, em 1761. O conflito voltou às margens do Prata e lá permaneceu até a Guerra da Cisplatina (quase um século depois). Porém, na parte setentrional e central, as fronteiras se mantiveram.

Em 1777, houve uma "revalidação" do diploma de Madri, consignado pelo Tratado de Santo Ildefonso, após o período pombalino. Reconhecia-se uma situação de fato: a ocupação espanhola da colônia dos Sete Povos. No entanto, poucos anos depois, os gaúchos invadiram e trouxeram a posse das terras para o lado português da força.

terça-feira, 7 de junho de 2016

História do Brasil: Período Colonial -- A configuração territorial da América Portuguesa

A partilha da América

O Brasil começa antes de 1500, com nosso povo indígena. Porém, pouco se sabe do que aconteceu antes da chegada de Pedro Álvares Cabral e não cabe, infelizmente, nesse escopo tentar entender como os nativos vieram popular nossa terra: essa tarefa é legada às conjecturas científicas da antropologia.

Porém, antes mesmo das três famosas caravelas portuguesas aportarem em Salvador, houve europeus fuçando por esses cantos, sendo alguns espanhóis, outros portugueses. O que faz-nos atribuir a Pedro Álvares Cabral como o nosso descobridor europeu não é o pioneirismo absoluto, mas a novidade de tratar esta porção como sendo algo diferente das Caraíbas.

A América foi descoberta por Cristóvão Colombo, genovês, que tinha uma paixão especial por viagens e expedições. O pai-dos-mochileiros não havia conseguido convencer a corte portuguesa de que havia um jeito de chegar as Índias viajando para o oeste (o avô-dos-mochileiros era Marco Polo) e, como se tratava de uma expedição cara, de altíssimo risco, somente o Estado poderia bancar. A solução veio da coroa espanhola. (referência: assista 1492, Conquest of Paradise)

Colombo partiu e não encontrou as Índias, mas a América, e demorou a cair sua ficha de que não se tratava da costa do extremo oriente e a Espanha percebeu que poderia se tratar de torrão novo. Quando o genovês aportou e foi se vangloriar para D. João II sobre suas descobertas, o rei português afirmou que se tratavam de terras portuguesas, pois estavam nos "mares e termos do seu senhorio da Guiné" e uma contenda entre as duas coroas ibéricas apontou no horizonte. De acordo com o 1479 Tratado de Alcáçovas, decisivo para fazer cessar as guerras de usurpação de trono entre as duas monarquias, Portugal desistiria de todas as suas pretensões sobre as Ilhas Canárias e ao sul do Bojador, mas todas as descobertas ao sul das Canárias era de seu domínio. Porém, o texto era menos específico do que D. João gostaria e é bem forçoso considerar que o Caribe fica ao sul das Ilhas Canárias.

A contenda foi resolvida pelo mediador por excelência da época: o Papa. Quem ocupava o trono de São Pedro era o polêmico Rodrigo Bórgia (papa Alexandre VI), muito famoso pela sua libertinagem do que, injustamente, pelo seu talento como administrador e homem de Estado. O seriado "The Borgias", apesar de Hollywoodiano e assaz artístico para se tomar como referência histórica, mostra como os negócios eram feitos naquela época. Vale a pena assistir, é bem divertido.

O papa, de origem espanhola e beneficiado pelo apoio militar de Fernando à sua eleição, claramente beneficiou a Espanha, lançando mão da Bula Inter Coetera, que dividia o "mundo" entre zona portuguesa e zona espanhola a partir de um meridiano. De acordo com o documento, somente parte do nordeste (que eles nem sabiam que existia) seria português. Outras bulas ainda favoreceram a atribuição de novas terras ao domínio espanhol e, obviamente, Portugal não ficou satisfeito. A Espanha apresentava problemas na península itálica e não estava com ímpeto de se envolver em uma guerra com o seu homólogo ibérico e, transigindo, resolveu o problema por meio de negociações. Assinaram o Tratado de Tordesilhas (1494), sob o título "Capitulação da Partição do Mar Oceano". Trata-se de um documento importantíssimo, por ser o primeiro tratado a ser negociado de acordo com a diplomacia moderna, isso é, entre os dois Estados, sem tiros e sem o papa. A Santa Sé ratificou o tratado em 1506 através da bula Ea quae pro bono pacis.



Era uma peça de pura ficção e somente in thesis foi respeitado. Nessa época, nem Pedro Cabral tinha pisado na Terra de Vera Cruz. Mas sua validade formal influenciou D. João quando loteou a colônia em capitanias hereditárias, em 1534. Tratava-se de uma fronteira indemarcável, tanto pela ausência do fator tecnológico/científico, quanto pela ausência de homens de guerra para assegurá-las.

Os bandeirantes e as entradas.

Qual a diferença entre as bandeiras e as entradas? Nem os historiadores sabem... Provavelmente não existe, até porquê quem gostava de chamar de "bandeiras" os movimentos de devassa territorial primordialmente eram os jesuítas espanhóis; na maioria dos documentos portugueses, era comum chamar de "entradas". Porém, com a consolidação da historiografia, irei usar a seguinte nomenclatura: entradas é o movimento generalizado de exploração do interior do Brasil (o sertão); bandeiras são uma espécie do gênero "entradas", cujo polo irradiador foi a capitania de São Vicente.

Nem todas as entradas devassaram Tordesilhas, como por exemplo, parte daquelas que partiram para Minas Gerais e para o Nordeste.

O que moviam os bandeirantes? As oportunidades, ou falta delas. Helio Vianna divide as diásporas em cinco grandes ciclos:

1) Apresamento de indígenas, que começou na própria capitania;
2) Ouro de lavagem, que se estende até o Paraná;
3) Sertanismo de contrato -- assalariamento de paulistas para combater, em nome do Governo, índios/negros rebeldes em outras regiões do país (o excluído sempre foi um perigo para o "brasileiro");
4) O grande ciclo do ouro -- ocupação de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso;
5) Ciclos de povoamento -- colonização de regiões litorâneas, geralmente ao sul de São Paulo(i.e. São Vicente).

Nas metrópoles, acontecia a União Ibérica, na qual os dois reinados eram regidos pelo mesmo monarca (Felipe II, da Espanha, que era Felipe I em Portugal). Estar sob o mesmo cetro não significa, porém, que os dois países viraram um só; pelo contrário, os interesses portugueses e espanhóis continuaram sendo interesses separados. Com isso, a invasão de holandeses de Maurício Nassau no nordeste brasileiro teve pouca reação (o rei era espanhol e a ocupação aconteceu na porção portuguesa - havia pouca vontade de ir lá dar um cacete nos caras). Com isso, houve uma interrupção do tráfico negreiro e o desabastecimento de mão de obra na capital econômica da colônia, que vivia o ciclo do açúcar. A solução: apresar os índios e os colocarem para trabalhar. Logo houve movimentos privados para a captura e escravização desses índios, sendo que muitos deles já se encontravam sob as missões dos jesuítas.

Padres, em geral, não andam armados e as primeiras capturas contra as missões foram fáceis. A situação ficou um pouco mais equilibrada depois que o papa e o rei espanhol anuíram aos jesuítas o uso de armas. Pode-se questionar, nessa fase, sobre o caráter povoador dos bandeirantes; ao contrário, o que é mais provável é que os vicentinos tenham despovoado grandes porções de terra -- porém, o caminho ficara aberto a novas expedições.

 No meio do caminho, encontraram o ouro de lavagem, causado pelo aluvião dos grandes rios que traziam as partículas douradas até as mãos dos exploradores. Logo surgiu uma marcha em busca desse ouro, ao sul, o que os levavam às fronteiras de facto do império espanhol e viria a ocasionar os enfrentamentos entre os portugueses e espanhóis. Conforme o ouro foi sendo explorado, caminhos foram sendo abertos, muitas vezes oriundos de velhas trilhas guaranis, e vilas sendo construídas.

O sertanismo de contrato foi um movimento para acabar com os quilombos, que eram aldeias criadas por escravos fugidos ou alforriados. Voltado para o nordeste e, no caso de Palmares i.a., subsidiado pelo governador-geral da capitania de Pernambuco, o movimento tinha um caráter paramilitar, visando recapiturar os escravos e evitar que as iniciativas contaminassem outras fazendas, o que poderia colaborar para a ruína do sistema antigo de exploração.

Por fim, o grande ciclo do ouro fez o bandeirante paulista adentrar o sertão de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás, alargando nossas fronteiras e inviabilizando de uma vez o Tratado de Tordesilhas.

Outras entradas aconteceram por causa da agricultura e do boi, que precisava pastar.  
 
O Brasil como resultado de guerras externas
 
Após a Guerra de Independência Portuguesa, os lusitanos fixaram a atribulada Colônia do Sacramento, na banda oriental  do Rio Prata, onde viria a ser a futura Cisplatina e, posteriormente, a República Oriental do Uruguai. A situação foi formalizada por meio do Tratado Provisional de Lisboa (1668), que colocava fim na Guerra da Restauração, vencida por D. João IV de Portugal, que colocou fim na monarquia dualista da dinastia filipina.A Espanha criou o povoado das Sete Missões, na parte ocidental (futura Buenos Aires) do Rio da Prata, para frear o avanço português.


No extremo norte, o governador da Guiana Francesa invadiu o Amapá, conquistando os fortes de Macapá e Araguari. Foi assinado entre as duas metrópoles o Tratado Provisional e Suspensivo de Lisboa, de 1700, que declarava indefinido o status da região do Forte do Macapá e do Oiapoque; a Coroa Portuguesa deveria de evacuar e derrubar os dois fortes, mas nunca foi obedecido, uma vez que o próprio rei pediu para o governador-geral do Pará ignorá-lo.

A situação geopolítica na América do Sul naquela altura do campeonato era a seguinte: Portugal havia assinado o Tratado de Methuen, que muito além dos panos e vinhos, a situação desigual lusitana era contrabalanceada pelo apadrinhamento inglês no plano estratégico. De outro lado, estava a Espanha fazendo amizade com a França, as duas potências que ameaçavam as fronteiras brasileiras.

Entre 1702 e 1713, houve a Guerra de Sucessão Espanhola, que acontecera depois que o Habsburgo morreu sem deixar um herdeiro com sua mulher Bourbon. O conflito acabou colocando os Habsburgos austríacos, apoiados pelo Império Sacro-Germânico e pela Inglaterra (isso significa também por Portugal) contra os Bourbons franceses, apoiados pelos espanhóis. Não houve vencedores nesse conflito, mas um sistema de compensações (que compensou muito mais às potências da Grande Aliança). Ao final do conflito, foi assinado o Tratado de Utrecht, que esboçava um sistema de "equilíbrio de poder" na Europa. Como resultado da situação favorável da Inglaterra no desfecho do conflito, Portugal conseguiu com que a França devolvesse os territórios do Oiapoque e Macapá, bem como renunciasse todas as suas pretensões sobre aquela porção.

Em 1715, no contexto das contendas entre Portugal e Espanha, que foram reverberações do conflito da Sucessão Espanhola, foi assinado o 2º Tratado de Utrecht, no qual a Espanha devolvia a Colônia do Sacramento. Vinte anos depois, os espanhóis sitiaram o povoado e foi assinado um armistício.