sexta-feira, 22 de julho de 2016

Olimpíadas, Golpe e muito mais!


DS 01/2016

A marcha conservadora continua. A crise mundial dá força a quem tem coragem de enganar o mais fraco, o mais ignorante, o qual, ou encontra-se mergulhado na apatia, ou na revolta.

Aqui no Brasil, o golpe tem avançado e o povo tem sido derrotado pela própria desmobilização. As notícias mudaram drasticamente de foco nos jornais, agora só se fala em Olimpíadas. Não se ouve mais o termo composto “pedaladas fiscais”, a não ser quando o PiG anunciou que o Ministério Público Federal afirmou que os retardamentos orçamentários não constitui crime de responsabilidade, reforçando a tese do golpe.

No dia 8, o TRE-PA julgou como ilegais as arrecadações do Deputado Federal Wladimir Costa, o parlamentar do confete que fez carnaval durante a votação do impeachment da Sr.ª Dilma Rousseff. Além disso, o Ministério Público Eleitoral apurou falsificações de documento, as quais a Globo não quis entrar em detalhes em seu noticiário. Isto serve apenas para ilustrar às gerações futuras, que muito custarão para aceitar que o povo tenha sido tão ludibriado, o quanto a nossa sociedade é hipócrita.

Eduardo Cunha, o ex-presidente da Câmara que caiu em desgraça depois de obliterar a Sr.ª Rousseff de seu lugar, está tentando fechar acordo para aliviar a barra para a sua família, depois da cena patética do chororô em sua renúncia, mas o MPF não parece muito interessado em ouvir o parlamentar – pode ser que comprometa gente importante...

A conduta da esquerda tem sido a coisa mais vergonhosa que existe. A briga entre partidos se sobressai a qualquer pauta comum, as agendas colaterais que tanto fragmentam o união se sobressai sobre a agenda principal, o trabalhismo, justamente o que se encontra mais ameaçado com isso tudo. O maior sintoma de que mais uma vez a esquerda irá perder, e será uma derrota nível fascismo nos anos 1930, foram as eleições da presidência da Câmara dos Deputados: primeiramente, PT, PDT e PCdoB lançaram um candidato próprio, Orlando Silva, enquanto o PSOL se arriscou a lançar Erundina. A mentalidade de “oposição à esquerda”, tanto chacotada pelos próprios conservadores, parece não encontrar no pragmatismo uma tentativa de conformar as duas forças progressistas e o que mais falta ao PSOL é justamente o pragmatismo. Trata-se de um partido que nasceu no ressentimento, cuja única preocupação parece ser a oposição ao PT e o ativismo de sofá. Ao que tudo indica, não houve sequer a cogitação de lançar apenas um candidato. Por outro lado, o PT/PDT/PCdoB deveriam ter cogitado apoiar a Sr.ª Erundina no primeiro turno, ou então buscar um acordo com o PSOL, mas a sanha pelo poder inviabiliza isso. Mas o golpe de machado mesmo veio com o apoio do PT a Rodrigo Maia, que votou a favor do impeachment, no segundo turno, quando o moral, o ético, seria eles terem se abstido. E, também, o partido dos trabalhadores não proibiu alianças municipais com partidos traidores. Com isso, fica difícil apoiar a volta da Sr.ª Rousseff.

A principal motivação dos senhores Rui Falcão e Lupi em pensar em estratégias advém do fato de o primeiro achar ser capaz de o Sr. Lula ganhar as eleições de 2018 (se é que elas vão acontecer) e o segundo acreditar no Sr. Ciro Gomes. Eles ainda não parecem ter se dado conta do que está em jogo e também não levaram em consideração que, separados, a esquerda está do jeito que o diabo gosta. Chega desse mote de Lula 2018, ele não vai voltar; o queremismo já não cola mais, as pesquisas indicam que ele se daria bem em primeiro turno, mas sua rejeição é altíssima e é uma rejeição monolítica, imutável, não interessa a campanha que o cara faça. Após 13 anos no poder, o Partido dos Trabalhadores está se convertendo em um partido minoritário e marginal, enquanto toda a conjuntura está sendo devorada pela direita liberal, que tem ganhado mais por demérito do oponente, do que por mérito próprio. E pensar que, há oito anos atrás, o partido chegou a inspirar o mundo com o seu modelo de política e hoje sofre pelas brechas abertas e aproveitadas pelos partidos conservadores, os quais acabaram se tornando a bandeira destes últimos...

Para parte da população, o golpe roubou o entusiasmo das Olimpíadas. Sinto isso pessoalmente, pois, quando era criança, o meu sonho era participar do evento, seja como atleta ou como mero espectador. Agora, no entanto, a vontade tende a zero, uma vez que esses jogos estão manchados com sangue do inocente, sofrimento do pobre e desvio do erário. Sequer os atletas sorriram na foto com o Decorativo. Não é raro o número de pessoas que tentam apagar a tocha, nem a quantidade de cidades que a receberam com cartazes de Fora Temer. Não obstante, isso parece ser o máximo de protesto que os brasileiros têm conseguido fazer.

Agora a nova é pegar árabes para Cristo e tentar forçar o medo do terrorismo na população, como uma justificativa para endurecer o Estado Policial. Com relação a isso, 12 mandados de prisão foram expedidos para supostos terroristas aqui no Brasil, sendo que um cara era criador de galinhas e o outro professor de árabe, que foi monitorado simplesmente por tirar fotos na frente do “estandarte negro”, em sua viagem para o Egito. Tudo bem que o estandarte negro tem virado uma verdadeira suástica islâmica, mas ninguém nunca proibiu os cristãos de usarem cruzeiros, ao menos não depois das cruzadas. O mais legal nisso tudo é que, se a intenção é dotar a população de pânico, o que tem acontecido é justamente o contrário: a troça transforma tudo em comédia.

E para dar menos graça ainda aos nossos Jogos Olímpicos, a delegação russa de atletismo foi banida da competição, por causa de doping, como se não soubéssemos que a maioria dos competidores se dopam. Em última análise, assistir aos jogos é assistir uma competição entre drogados, mas só é lícito se os drogados não forem subordinados ao Putin.


Enquanto isso, na Turquia, houve um Putsch militar que resultou na morte de 240 pessoas. O presidente turco Erdogan convocou a população para defender a democracia, o que frustrou a tentativa de golpe de Estado. O que acontece agora é um verdadeiro expurgo e um endurecimento do Estado Policial – a cadela do fascismo está sempre no cio e parece ter encontrado um cachorro para o cruzo. Cresce a islamização turca, já trazendo clivagens com a mentalidade secular europeia, o que demonstra a fissura há muito escondida entre o dilema euroislâmico que vive aquele país.

Acredito que a situação internacional, com o Brasil incluído, ainda irá piorar muito. O nazismo está de volta.

quarta-feira, 6 de julho de 2016

O Brasil e a Questão Palestina

A votação da Partilha

O grau de interesse brasileiro pela Questão Palestina é pouco expressivo. A Política Externa Brasileira se orienta em utilizar suas posições naquela região para traduzir e projetar suas posições em defender um arranjo da ordem internacional mais favorável ao Brasil, ou seja, uma ordem multipolar. Não obstante, o voto brasileiro no caso da Palestina, quando da eclosão da problemática em 1945, foi visando a metas de curto prazo, no caso, o alinhamento com os Estados Unidos (a troco de nada).

Sob Lula, o Oriente Médio voltou a ter espaço na agenda internacional brasileira. O Brasil participou, a convite da Casa Branca, da Conferência de Annapolis, em 2007, ocasião em que voltou-se a haver a discussão do processo de paz entre palestinos e israelenses. O chanceler brasileiro, Sr. Celso Amorim, reconheceu que o Brasil não poderia sonhar em ter um papel concreto na resolução do litígio, mas poderiam chamar a atenção par a alguns problemas -- tal como era o papel do coro no teatro grego.

Voltando-se para antes de 1945, chegamos a um Brasil semifascista e antissemita governado por Getúlio Vargas, no período conhecido como Estado Novo. Quando a Segunda Guerra Mundial chegou ao fim, GV não resistiu à onda democratizante que surgiu, a qual vinha somada ao intervencionismo americano.

A coisa era tão explícita que o embaixador dos Estados Unidos chegou a discursar em sindicatos e nos jornais, a favor de Getúlio Vargas, mas contra o Queremismo e a Constituinte com Getúlio. Embora de forte ingerência, a historiografia oficial diz que Vargas autorizou o conteúdo dos discursos. Não obstante, a União Democrática Nacional (avô do PMDB) e a imprensa (o velho PiG, já muito atuante naquela época) fizeram uma interpretação do discurso mais voltada às suas pretensões liberais, e transformaram o não apoio do embaixador ao Queremismo em um apoio à democratização. Embora tenham ajudado a balançar o galho, os Estados Unidos não foram os responsáveis pela queda de Getúlio Vargas.

Durante o Estado novo, a PEB pregava uma equidistância pragmática entre os dois polos de poder emergentes, os Estados Unidos e a Alemanha nazista. Paulatinamente e fazendo uso de muita barganha política, Vargas foi transformando a equidistância em um alinhamento negociado com os Estados Unidos. Vão-se os dedos, ficam-se os anéis. Acaba a Segunda Guerra, cai Getúlio Vargas e entra o presidente Dutra, o eterno BR-116, o vendilhão que trocou o alinhamento pragmático pelo alinhamento automático, esperando prebendas dos Estados Unidos por apoiar suas posições imperialistas no cenário internacional. Apoiavam Eurico Gaspar Dutra a burguesia agrária conservadora e a nova burguesia industrial, todos muito medrosos com o "esquerdismo" das camadas populares, aquele velho medo que o opressor tem de que o oprimido entenda que é ele quem banca a boa vida do primeiro.

A democracia era meramente formal. Incorporava muito do corporativismo e das medidas restritivas de direitos de segurança nacional do Estado Novo. O PCB conseguiu se reorganizar em poucos meses e conseguiu uma expressiva bancada para a constituinte e, por isso, foi preciso aos barões cassar sua inscrição eleitoral.

No plano internacional, o Brasil queria ser parceiro preferencial dos Estados Unidos, e assim achava que seria ao dizer "amém" para tudo o que os gringos queriam. A subserviência era tamanha, que o rompimento de relações com Stalin, sem o menor motivo jurídico ou econômico, seria o emblema do quanto o Itamaraty estava prostrado perante o tio Sam, sem ganhos nenhuns, pois os novos arranjos internacionais excluíam o Brasil.

O MRE estava nas mãos de Raul Fernandes (UDN), que tinha O Estado de São Paulo como seu aliado/patrão midiático. A delegação brasileira na ONU era comandada por Oswaldo Aranha, o qual, apesar de ter uma notória rivalidade com o BR-116, não perdeu seu lugar na política internacional brasileira, graças ao seu prestígio na área. A diferença básica entre o posicionamento do chanceler Raul Fernandes e do chefe da delegação brasileira Oswaldo Aranha é que o primeiro achava que ao Brasil não cabia discordar do voto americano nos organismos multilaterais; já o segundo era a favor do alinhamento pragmático com os Estados Unidos.

Dutra e Raul acreditavam piamente que uma terceira guerra mundial estava prestes a acontecer e que era necessário formar um bloco contra o comunismo; o estressamento deliberado das populações por parte das superpotências influenciou o governo brasileiro. Aranha, no entanto, sabia que era remota a possibilidade de um conflito internacional de grandes proporções, uma vez que existia até mesmo um certo grau de colaboração entre os dois condomínios no sistema ONU. Para ele, não era muito inteligente fazer de nossa solidariedade com a causa americana uma servidão.

Oswaldo Aranha foi eleito presidente da primeira sessão ordinária da Assembleia Geral da ONU e começou a ganhar voz, fazendo com que o BR-116 precisasse afirmar formalmente que seguiria a linha de Raul Fernandes. O peso de Oswaldo Aranha na diplomacia brasileira era tão grande que, mesmo sem o apoio de Raul Fernandes ou do Departamento de Estado americano, seria reconduzido à presidência da sessão ordinária da Assembleia Geral, voltando de Nova Iorque como o maior estadista do Brasil desde o Barão do Rio Branco. Aranha queria a neutralidade brasileira e Fernandes queria apoiar, aumentando os vínculos, achando que assim esse apoio seria revertido em benefícios em favor dos brasileiros, especialmente com relação à superioridade militar na América do Sul e na construção da Nova Ordem Internacional; os Estados Unidos, não obstante, não tinham o menor interesse em conceder vantagens especiais ao país sul-americano, o que foi confirmado pela Missão Abbink.

O resultado desse processo foi o Brasil votar juntamente com os Estados Unidos, apesar das pressões dos imigrantes sírio-libaneses do país, que conformavam 10 vezes mais representantes do que os judeus. Portanto, apesar de ter preferido a formação de um único Estado em que convivessem harmoniosamente judeus e palestinos, sob o arranjo de uma federação, a política externa brasileira não teve espaço para ser formulada e levada ao debate internacional.

Outro fator que fez os brasileiros penderem pro lado americano foi a esperança de encontrar o seu apoio nos problemas da Bacia da Prata, onde Juan Domingo Perón fazia um governo populista que era entendido como comunista pelos sofistas oligárquicos da época.

Tanto a Liga Árabe quanto o movimento sionista fizeram pressão para ganhar o apoio brasileiro na Questão Palestina.Cabe ressaltar, no entanto, que o movimento sionista era muito mais organizado e tinha um poder de expressão muito maior do que os árabes. Foi graças a essa pressão, por exemplo, que BR-116 revogou a proibição de 1938, decretada por Vargas, no qual os imigrantes judeus eram tidos como indesejáveis.

Raul Fernandes desejava a equidistância dos judeus e dos árabes. De acordo com suas comunicações, a melhor atitude que a delegação poderia tomar seria a abstenção, dada a oposição dos árabes à partilha e a existência de uma grande comunidade sírio-libanesa no Brasil; mas, se isso significasse não alcançar 2/3 para que a resolução fosse aprovada, deveríamos votar com as grandes potências. Com a criação do Estado de Israel, haveria um acirramento das contendas. Mesmo sendo preconceituoso, por ter supostamente favorecido a causa sionista, Aranha foi considerado "amigo de Israel". Cabe lembrar que no mundo inteiro, e no Brasil não seria diferente, o nacionalismo foi sobrepujado pela Guerra Fria. 

Carlos Lacerda, jornalista brasileiro que atuou nos golpes contra Getúlio Vargas, que acabaram levando-o ao suicídio, adota uma posição crítica com relação ao apoio brasileiro à causa sionista. Primeiramente, questiona a legitimidade dos judeus em reclamarem aquele torrão de terra, uma vez que os árabes estavam lá assentados há mais de duzentos anos; questiona também que toda essa problemática foi levada a cabo graças aos Estados Unidos, uma vez que era de seu interesse dividir o território em dois estados, graças à sua grande e influente comunidade judaica. Levantou também a hipótese de que os principais povos vencedores da Segunda Guerra, apesar de comover suas populações com o Holocausto, não queriam os povos judaicos em seus territórios, e por isso queriam exportá-los para um lar nacional bem longe. Discordava também da absurda ideia de o Brasil mandar soldados para compor as tropas da ONU, para morrer por uma promessa que Lord Balfour fez a Lord Rothschild, sendo que nenhum dos dois pertenciam à Palestina -- era um crime contra a autodeterminação dos povos, claramente.

O primeiro-ministro egípcio, Nakrashi Pasha, disse: "O seu país é um dos responsáveis pelo sangue que vai correr na Palestina". E assim tem sido.

As posições do Brasil imediatamente posterior à partilha da Palestina.

Finda a votação e depois do circo da declaração de independência dos israelenses, os exércitos dos países árabes que circundam a Palestina invadiram o território, como haviam prometido caso Israel fosse aceito pela ONU. Rolou então a Guerra de Independência. A internacionalização de Jerusalém não aconteceu, sendo ela partilhada entre Israel e Jordânia.

O Brasil tomou algumas atitudes que foram denunciadas como incoerentes, mas que tinha um motivo muito bem claro. Recusou-se a reconhecer Israel de direito e absteve-se na votação para o seu ingresso na ONU, relutando-se a estabelecer relações diplomáticas. A primeira motivação era comum da direita delirante desse país: ...Não ria, pf... Okay. Raul Fernandes e Dutra tinham medo de que o governo provisório israelense estivesse contaminado por alienígenas comunistas. Havia também a preocupação em não prejudicar as relações árabes e um legado antissemita deixado pelo Estado Novo entre os funcionários do Itamaraty, que dizem que se sobrepunha ao trabalho de Aranha. 

No entanto, o motivo internacional mais coerente para a abstenção e para o não reconhecimento de Israel era o não cumprimento da res. 181, principalmente no que diz respeito ao Estatuto de Jerusalém.

À medida em que o cenário vai se definindo, a abstenção vai perdendo a credibilidade, uma vez que havia o interesse brasileiro que todas as nações tivessem representação nas Nações Unidas. A influência do Vaticano também não pode ser negligenciada, pois também queriam a internacionalização de Jerusalém e livre acesso à Cidade Santa.

A partir de 1948, começou a ficar claro para a diplomacia brasileira de que a ajuda econômica americana não viria e que o Brasil estava relegado a segundo plano nas relações internacionais. Como reação, o Itamaraty começou a formular discursos "principistas e moralistas", apegando-se à letra do direito internacional. Uma postura de maior cautela foi adotada e uma fervorosa defesa dos princípios da Carta de São Francisco iniciou-se. Portanto, as posições com relação a Israel podem ser entendidas também como sintoma desse ressentimento. A partir de 1949, já não existia mais aquele medo latente da terceira guerra mundial e o Brasil voltava-se para dentro, para as eleições. 

A Comissão de Diplomacia da Câmara dos Deputados também opinou por retardar o conhecimento, tendo em vista que havia uma grande indefinição nas dimensões do território do novo estado; poucos sionistas no Brasil (10% do número de árabes); uma grande comunidade árabe; e uma clara violação da Resolução 181. Os judeus entenderam que isso fazia parte do jogo político e lançaram uma ofensiva, acusando a massa do Itamaraty como os responsáveis pela paralisia.

Houve também um congelamento de expectativas. Em 1951, Getúlio Vargas anunciou relações diplomáticas com Israel. O estadista prometeu que as questões internacionais seriam tratadas de forma diferente da época do chanceler Raul Fernandes; não obstante, a política externa com relação a Israel não mudaria, ainda que alguns cidadãos judeus fossem escutados pelo presidente. 

Ou seja, durante o período Dutra, o Brasil perdeu uma enorme autonomia e Getúlio Vargas utilizava a Questão Palestina como uma forma de enunciar sua linha de ação mundial. 

Os motivos para não se chegar a um acordo com relação à partilha podem ser sintetizados como sendo frutos:
1) do sionismo inflexível, incapaz de aceitar um meio termo e uma partilha do território que sequer eram deles;
2) do oportunismo árabe, que também se via inflexível até perder quase todo o território e não aceitar negociar a partilha de forma sincera;
3) da fraqueza dos órgãos multilaterais, tanto a falta de autoexecutoriedade da vontade da AG/ONU, quanto da paralisia do Conselho de Segurança, graças ao poder de veto dos dois grandes condomínios de poder: EUA e URSS.

Atualmente, as ocupações de Israel em áreas palestinas colocam dificuldades em achar uma solução para o conflito. A paz parece estar longe por essas bandas.

terça-feira, 5 de julho de 2016

Uber e táxis

A Revolução Científico-Tecnológica veio para ficar e desafiar o mundo como havíamos conhecido; nesse processo, as empresas transnacionais desafiam o poder dos Estados no sistema mundo, fenômeno que é conhecido como globalização. Toda essa clivagem entre o novo e o antigo será confrontada pela sociedade global e a querela do Uber com os táxis urbanos é apenas mais um episódio dessa novela
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De um lado, os taxistas

De acordo com a Wikipedia, táxi é:
  " (...) um automóvel destinado ao transporte de passageiros e provido de um taxímetro.[1] É um modo de transporte público com características entre os veículos privados e os ônibus urbanos, sem uma rota regular e contínua. Uma crítica que se costuma fazer aos táxis é o fato de eles não serem acessíveis a grande parte do público por serem um transporte individual de tarifa comparativamente alta em relação aos transportes de massa, que têm rotas preestabelecidas, horários fixos, tarifas publicadas e são acessíveis economicamente a todos" 

É interessante notar a definição, pois trata-se de um transporte público, apesar de ser utilizado um veículo privado para tal. Por serem de interesse público e por utilizarem a via pública como uma forma de gerar receita,quem tem interesse em ser taxista precisa de uma permissão do Estado, bem como arcar com uma carga tributária relevante, associar em cooperativas, etc. Aqui no país, pelo princípio da predominância do interesse, por ser um serviço intraurbano, via de regra, o ente federativo responsável por regulamentar a atividade de táxi é do Município.

Em geral, o mercado é fechado, pois o veículo precisa de uma licença especial para circular, assim como o motorista precisa de uma habilitação específica. Para as pessoas que não tenham um carro licenciado, podem trabalhar como taxista utilizando um taxi de frota, ou até mesmo alugando carros licenciados de outros taxistas. O leilão de licenças alcançam altos valores


De outro, o Uber 

São pessoas cadastradas através de um aplicativo americano que recebem uma remuneração diretamente da empresa. Não existe taxímetro, quem determina o preço é a empresa, supostamente a partir de considerações de oferta e procura. Dessa forma, como uma empresa centraliza todas as corridas em seu sistema, o serviço fica mais inteligente, demora menos e sai mais barato (pelo menos por enquanto).

Round One, Fight!

Ao expormos as duas coisas e pensarmos unicamente no curtíssimo prazo e nos nossos bolsos, o Uber parece ser, de longe, a ideia mais atraente. Como de praxe, antes de escrever meu textão e disponibilizar o que penso na internet, fiz um debate com alguns amigos meus e dois deles, que defenderam o sistema novo sem ressalvas, deram alguns argumentos que pareciam irrefutáveis. Basicamente ampararam seus respectivos pontos de vista no livre mercado: a lei da oferta e da procura faz o preço despencar, coloca mais gente no mercado, todo mundo fica feliz, fim de papo. Até porquê, transporte é uma commodity, carece de diferenciação, pelo menos olhando o mercado como um todo. Muitos defensores do liberalismo costumam ver somente o lado econômico da coisa.   

De outro lado, os taxistas dizem que Uber é um transporte clandestino globalizado, o que não é de tudo mentira, mas tampouco é motivo o suficiente para encerrar a discussão. Vamos por partes.

"Uber fomenta o livre mercado"

Mentira. O Uber fomenta o monopólio e a prova disso é que a precificação quem controla é a empresa que comanda o aplicativo. Hoje parece ser mais viável andar de Uber, até porque estamos naquela primeira fase de conquista de mercado tradicional, no qual a nova empresa pratica um dumping para desbancar as outras que estão no mercado. A bem da verdade, os motoristas associados não vão exatamente competir entre si como "empresas", mas como mão de obra, o que muda bastante a história. O Uber é, na verdade, uma empresa monopolística que terceiriza sua atividade-fim, algo bem diferente do que pregam por aí e, depois que dominarem o mercado, farão o que toda empresa monopolística faz: subir o preço quando convier. 

"O preço do taxi é abusivo e restritivo"

Isso é verdade. Claramente o taxi deveria ser um pouco mais barato, mas até que ponto? E isso cabe para a precificação do Uber também. Se o preço for barato o suficiente, a demanda crescer, menos pessoas usarão o transporte coletivo. Muitos preferirão pagar um pouco mais e ir isolado do resto da sociedade -- ainda mais aquela faixa da classe média que tem horror em ter que dividir espaço com a classe mais baixa.  E todo mundo sabe o que acontece com os serviços públicos que são prestados unicamente para as faixas mais pobres: ficam sucateadíssimos. Portanto, a acessibilidade do preço do taxi, em demasia, colocaria em xeque o sistema de transporte público coletivo (aliás, as próprias empresas de ônibus deveriam estar preocupadas com o Uber), o que seria terrível para os grandes centros urbanos.

Isso somente levando em consideração uma maior acessibilidade no preço. O impacto no trânsito seria maior ainda, pois, conforme o número de "caronistas" aumentam, aumentaria também a oferta de motoristas "caroneiros" (entre aspas porque, no meu entendimento, isso não é carona; carona é quando, na camaradagem, alguém leva outra pessoa a outro lugar sem cobrar nada) -- o que aumentaria o fluxo de automóvel, aumentando a depreciação das vias públicas.

Outro ponto que deve ser salientado também é que o Uber privatiza o espaço público. As vias públicas são de responsabilidade do Estado e, portanto, cabe a ele zelar pelo reparo das estradas e é por isso que não é legal entregar um serviço de interesse público aos interesses privados. O maior erro dos dias atuais é querer privatizar o espaço público e publicizar o espaço privado, principalmente quando se trata de capitalizar o bônus e socializar o ônus. E é justamente o que aconteceria. Sem um regime de permissão, regulamentado pelo Estado, a depreciação das vias públicas, as quais inclusive motoristas particulares usam, não teriam uma contrapartida para supri-las, pois a arrecadação fiscal cairia. Mas o Estado certamente precisaria fazer algo e, não tendo as licenças para recorrer, "socializaria" com TODOS os cidadãos o quinhão da arrecadação que cabia aos taxistas. Portanto, haveria a "privatização" das vias públicas para gerar receita para uma empresa do exterior e a "socialização" da reparação do meio gerador de receita dessa empresa, que é relutante em pagar nossos impostos.

"Transporte público coletivo é de má qualidade..."

"... e por isso tem que privatizar". É uma simplificação horrenda da solução para o problema. Sim, concordo que o transporte público, com pequenas exceções, é digno de pena e eu sinceramente acho que, se existir o inferno, a gente vai de transporte público coletivo em horário de pico e eu não nego que as concessionárias de ônibus e metrô sejam a pior máfia existente nos estados e municípios. Mas não, o esquema não é privatizar. O esquema é cobrar dos políticos, fiscalizar os serviços e até soltar uns molotov na rua quando as coisas não vão como gostaríamos que fosse; o Brasil até parecia estar indo para o lado certo quando resolveu protestar contra o aumento das passagens de ônibus em 2013. O certo é politizar-se e não dar ouvidos aos mais velhos, os quais foram receptivos à propaganda da Ditadura Militar de que "política é coisa de gente ladra".

A impressão que se dá é que a mentalidade de mercado trabalha para sermos cada vez mais esnobes e egoístas, suplantando toda a solidariedade e convívio público e eu tenho uma teoria para isso. No fundo, apesar de o capitalismo pregar a livre concorrência, os mais espertos sabem que a solidariedade é um problema, que a "livre" concorrência só é boa enquanto houver desigualdade estrutural, só é boa enquanto o cara que defende começa a maratona 10 km a frente dos seus competidores.

 "A entrada de empresas estrangeiras são benéficas para a economia do país"

Isso não é uma verdade absoluta -- se assim fosse, não teríamos a crise de hiperinflação herdada da Ditadura Militar nos anos 80 nem a crise cambial de 1999 do governo FHC. Não sou contra a entrada de empresas estrangeiras no país, mas como estudei o mínimo de Economia, sei que a entrada de capital externo só é boa quando substancial parte da receita gerada pela empresa é revertida em novos investimentos ou em circulação de bens. O que certamente não é o caso do Uber. 

Vejamos bem, o passageiro paga o Uber e o Uber... nada! Apenas redistribui uma fração do que ganha para os motoristas. A conta é simples, a cada carona, menos capital existe no país. O Uber não inverte um centavo no país, basicamente. Simplesmente embolsa o dinheiro, sem sequer pagar a quantidade de impostos necessários. Uma situação colonial é configurada quando há um monopólio e um fluxo direto de capital, de forma unilateral, de um país para o outro. E é exatamente isso que acontece com relação ao Uber.

Fator segurança

Uma das maiores críticas ao Uber é justamente os inúmeros casos de sequestro, assalto e estupro que aconteceram nos países que adotaram, sobretudo nos Estados Unidos. E, sem uma regulamentação da atividade, não há sequer como garantir a responsabilização do motorista agressor.

Por outro lado, o motorista também fica sujeito a todos os tipos de passageiros e pode ser vítima de assaltos, roubos e sequestros com frequência. Será bem difícil processar uma empresa estrangeira pelos danos materiais, nesses casos; basta pensar que, mesmo que o Uber seja condenado, não tem como fazer valer a sentença contra ele, uma vez que seu dinheiro e sua sede fica nos Estados Unidos.

Qual a saída?

Não sou avesso às inovações tecnológicas, sei que o Táxi não é um modelo que deve vigorar para sempre. Na verdade, demorou para mudar a forma como as coisas funcionam. De fato, o transporte público individual não se adaptou plenamente à nova realidade tecnológica, que certamente traz mais comodidade e, com ela, desafiadores.

Portanto, apesar de o Uber não ser o ideal para o que deveria ser o transporte público individual, ele nos dá uma luz sobre o que está velho e antiquado nos táxis. Primeiramente, deveria sim haver um aplicativo inteligente que te mostra a melhor carona e esse aplicativo poderia funcionar nos seguintes regimes:

1) criado e gerenciado pelo Estado, uma vez que as vias são públicas e é inegável que o serviço de táxi é de interesse público;
2) criado e gerenciado por uma empresa brasileira, a qual deveria operar por meio de um regime de concessão com o poder público.
3) criado e gerenciado por uma joint-venture, com sede no Brasil, a qual também deveria funcionar por meio de um regime de concessão com o poder público.

O regime  citado acima deveria providenciar formas de se responsabilizar o Estado e o motorista, caso alguma coisa acontecesse ao passageiro, bem como os impostos arrecadados e as responsabilidades da contratante com relação às vias públicas, de uma forma bem parecida com o que já acontece com as concessionárias das rodovias federais e estaduais, às quais geram sua receita através do pedágio.

Deveria também haver uma desoneração das licenças dos taxistas, mas isso somente aconteceria na mesma medida em que o transporte coletivo fosse melhorado, de forma a controlar a demanda e a oferta, para que os taxistas não trabalhem quase feito escravos e ganhem uma ninharia (basta olhar para o trânsito de Lima, capital do Peru, que tem livre concorrência, um transporte coletivo péssimo e o pior tráfico e os taxistas mais pobres da América Latina), nem os de baixa renda fiquem desamparados e muito menos as vias fiquem em péssimas condições. Nesse caso, o transporte coletivo agiria como um "regulador natural" do mercado.
 E se você não gosta de andar de ônibus, bicicleta é uma alternativa. Ou ir andando. O Brasil é o único país do mundo em que caminhar é considerado esporte... É estranha também essa gourmetização até da forma como alguém se locomove.  


 

sexta-feira, 1 de julho de 2016

A Criação do Universo

A maioria das construções filosóficas preocupam-se com a origem do homem, do mundo, das coisas, como premissa básica para extrair daí sua ética e sua moral. Minha proposta é diferente. Escolherei construir minha escola filosófica a partir de uma premissa que não tem nada a ver com isso e que remete muito a Descartes: a vinculação da nossa consciência com a nossa existência. Porém, tomando um caminho diverso ao que o holandês tomou, não irei aceitar a perfeição como o extremo de uma régua existente, pois isso significa negar o racionalismo; pelo contrário, vou aceitar o racionalismo como uma fonte de verdades práticas.

E, a partir disso, preferirei construir todas as minhas convicções e tirarei conclusões práticas para a vida. Portanto, adota-se a máxima fundamental: "tudo pode ter uma explicação lógica refutável". Afirmando-se isso, a ideia da existência de deus tem que ser negada, inclusive como mero ente criador, pois disso advém uma consequência lógica terrível -- a possibilidade de censura.

O pentecostal mais afoito, que bate na porta de sua casa aos domingos, tem então toda a liberdade de te perguntar (na verdade, eu acho que deveria ser crime bater na casa dos outros domingo de manhã...): "se as coisas vieram de uma grande explosão, de onde veio a explosão?". A fé determina que esse cara seria deus, mas o cético pode responder com uma interpelação: "Se for deus, quem criou deus?". A resposta mais comum é a seguinte: "ele simplesmente surgiu e não cabe a mim questionar". Com isso, dá para notar qual que é a dinâmica óbvia da fé, qual seja, a aceitação de um conceito dito por alguém que está no ramo da charlatanice há mais tempo. E o que me faz provocar ainda mais a necessidade desse deus-atômico é o seguinte: se deus surgiu do nada, ou se não cabe a nós questionar sua origem, por que não podemos simplesmente acreditar que as coisas surgiram do nada e não há utilidade prática em questionar sua origem? Por que precisa-se criar um segundo ator nesse processo de criação, cuja existência somente troca a problemática de lugar? Por isso, é melhor escolher o caminho mais difícil, mas muito mais esclarecedor, que é não acreditar na intervenção divina sobre a natureza.

A próxima pergunta a se responder é: por qual motivo uma pessoa deve escolher a racionalidade em detrimento da fé? Em primeiro lugar, a fé traz segurança e conforto, além de desabonar o indivíduo das responsabilidades sobre os problemas do mundo e, em muitos casos, retirando de si o controle da própria vida e do mundo que o cerca, trazendo a noção de "destino", de vontade divina que sobrepuja suas próprias vontades. Trata-se, na verdade, de o ser humano optar por se considerar fora do sistema de funcionamento das coisas. Já a racionalidade (verdadeira, e não a mera replicação de valores) nos traz insegurança e inquietude, porém, ao se formar uma convicção, enche-nos de confiança e autoestima; faz-nos compreender que existe um sistema de responsabilidades do qual fazemos parte e que buscar descobrir quais são essas responsabilidades é um dos estágios para a autoaceitação. E nesse processo de descoberta, percebe-se que muito tem a ver com os valores que a pessoa adota para si, quer seja um produto do meio, quer seja por construção, mas sempre através da interpretação sobre o que se percebe das coisas.
Fig.1: Porque Lou Salomé terminou com Nietzsche
A replicação é um mecanismo de falsa racionalidade. Trata-se da reprodução de um discurso, inventado por algum interlocutor geralmente com uma intenção bem definida, mas sem confrontar esse discurso com outros, procurando sempre evitar fontes que possam refutá-lo. É, portanto, um lobo em pele de cordeiro, uma fé disfarçada de racionalidade, que pode ser muito nociva para a sociedade -- o fascismo e qualquer outro tipo de fanatismo é o produto comum desse processo. As pessoas que carregam essa visão fechada de mundo, mesmo que sejam ateias, não são livres, não possuem autoconfiança, preferindo um discurso inflamado, apaixonado, do que um racional, pois têm medo de serem refutados. São mais miseráveis do que aqueles que simplesmente aceitam a fé e negam o racionalismo, pois vivem desse medo.