segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Balanço sobre as Eleições de 2020

Muita expectativa se formou em torno das eleições de 2020; primeiro porque não se sabia qual seria o impacto da pandemia no resultado do pleito, tanto em relação à rejeição da política bolsonarista, quanto em relação a como as pessoas enxergaram a política dos governadores (e aliados) e prefeitos; segundo, porque havia uma preocupação em saber o quanto do bolsonarismo havia sido consolidado na política real e, por último, para se medir como está sendo a reorganização das bases da esquerda institucional pós-golpe, dado, também, a condicionante da reforma eleitoral que veio para prejudicar, em ampla medida, o crescimento de pequenos partidos, sobretudo aqueles que não podem, por ideologia, procurar o apoio do empresariado.

 A previsão de que haveria uma baixa adesão se mostrou acertada. A pandemia ressaltou a importância do voto jovem e preteriu algumas candidaturas que teriam grandes chances de eleição, caso não houvesse o medo do contágio e, também, a perda de interesse na democracia, tão desgastada por meio de sucessivos ataques e pela uniformização política que se coloca em prática diante do avanço dos interesses capitalistas.

Faço abaixo algumas considerações sobre quais foram as tendências verificadas ao longo destas eleições.

Deperecimento do Bolsonarismo e Fortalecimento do Centrão

A primeira tendência que salta aos olhos é a não consolidação do bolsonarismo como força política coesa municipal. Bolsonaro não conseguiu conformar um partido para chamar de seu, nem emplacou seus candidatos para conformar uma nova base cativa. Por causa disso, ficará mais dependente de sua base mais fanática e dos políticos da direita fisiológica, mal-batizada de "Centrão" - ou seja, ficará mais dependente da política mais velha que existe no Brasil. Este segundo fenômeno certamente será o mais capital daqui para frente, uma vez que a direita fisiológica - sobretudo os partidos Progressistas, Democratas e MDB - é a grande campeã de 2020, aumentando seu poder para o interior do Brasil.

Isto não significa, porém, que o neofascismo irá arrefecer no país, mas apenas que não conseguiu se consolidar como bolsonarista. Provavelmente, essa turma irá procurar um líder mais carismático e articulador. O eleitor brasileiro provavelmente ejetará Bolsonaro da mesma forma que os Estados Unidos ejetou Trump, e igualmente substituindo nosso fascista de estimação por uma figura da "direita progressista". Isto abre caminho para uma retomada do trabalho de base da esquerda diante das fraturas no campo bolsonarista, principalmente entre os trabalhadores precarizados e pejotizados.

Perda Relativa de Hegemonia do PT na Esquerda

Por mais que haja, mais uma vez, uma tentativa do Partido dos Trabalhadores em negar o óbvio, ele foi o grande perdedor dessa eleição. O PT deteve a maior parcela da verba do fundo partidário, teve como grande cabo eleitoral o mítico ex-presidente Lula e deteve perdas amargas nas eleições. Seus votos escorregaram em grande parte tanto para a esquerda (PSOL), quanto para a direita progressista (PSB e PDT). Dos 5.200 vereadores que detinha em 2013, só poderá contar com 2.600 em 2021, uma perda de 50%; no caso do Executivo, a perda foi ainda pior: além de não conseguir eleger prefeito em nenhuma capital, o PT elegeu 638 prefeitos em 2012 e agora elegeu apenas 179, o que representa 28% do auge de sua potência,  conformando a tendência de queda que já havia surgido em 2016.

Muitos quadros do Partido dos Trabalhadores parecem não querer constatar o óbvio: o de que a perda relativa de hegemonia deste partido não é fruto de invenções editoriais da mídia burguesa, mas uma realidade na qual os petistas querem evitar atestar há, pelo menos, quatro anos. A burocratização do partido se tornou tão grande, que cada vez menos a base se politiza e cada vez mais há um distanciamento entre os parlamentares graúdos - que habitam no Congresso Nacional e nas assembleias legislativas - e os parlamentares das câmaras municipais. Sem uma base que os finquem ao chão, estes parlamentares sairão voando em breve e se perderão da vista dos trabalhadores.

O PT é, também, cada vez menos um partido de trabalhadores, e cada vez mais um partido da toga. Os grandes quadros "renovados" do partido são, em geral, advogados, professores universitários, promotores e juízes aposentados, ou burocratas profissionais - como é o caso da família Tatto. O próprio Lula deixou o seu passado sindicalista para trás para se portar e se vestir como um embaixador ou um diplomata de alta patente. Com essa nova elite burocrática, somado aos antigos quadros políticos que acham que entendem de política (estes fósseis que esquecem que a transformação social embaralha as peças e traz novas condicionantes ao jogo), vai se conformando uma categoria muito especial de "iluministas" que não entendem nada da miséria do pobre, mas se sente habilitado a falar em seu favor, mesmo sem nunca aparentemente ter pisado numa favela.

Soma-se a isso a uma arrogância em perceber os problemas que saltam aos olhos. Não, não estou falando que o PT deve fazer uma "autocrítica" para A Folha de SP, até porque autocrítica se faz internamente; além do fato de a intenção da mídia com relação a essa suposta autocrítica do PT é a de trazê-lo à direita, todos sabemos disso. Digo em relação à arrogância do PT ao realizar suas alianças, por exigir mais concessões da outra parte do que está habilitado (há sempre um superdimensionamento do seu poder, que ganha um descolamento da realidade ainda maior nesses últimos tempos). Ademais, o partido especializou-se em fazer a política clientelista com a sua base e se apega a um culto à personalidade do Lula que não o leva a lugar algum, além de levar para dentro dos sindicatos e movimentos sociais a política de "força" (acoxa-se os militantes opositores e despeja-se dinheiro nos grupos, pois há uma mentalidade que o dinheiro faz tudo). Há, também, um claro desprezo pelas novas formas de comunicação como angariador de votos. 

O partido do Lula caminha-se a passos largos para ter o mesmo fim do PSB e do PTB: o de se tornar apenas mais um partido fisiológico, de composição, carcomido pelo tempo, que se usa de ligações sindicais e organizacionais para ter eleitorado cativo na classe trabalhadora. Ficou patente a hesitação de grande parte dos quadros petistas que evitaram polarizar com Bolsonaro ou com os tucanos, por uma esperança de conseguir ganhar votos da classe média.

No vácuo do PT, cresce em importância relativa e como uma futura opção, o PSOL. É um partido que tem o modo petista de fazer política em seu DNA, mas que conta com uma militância mais jovem e arejada, que pode fazer a diferença nos anos seguintes. Porém, a ausência de centralismo democrático e a presença de quadros de direita dentro dele podem fazer com que todo o discurso supostamente radical seja abandonado em prol do "capitalismo humanista" que prega a pequena-burguesia, um perigo que ficou muito claro na candidatura Boulos, quando este fez alianças com partidos fisiológicos na reta final e buscou moderar o tom e se livrar da pecha de "radical". O sucesso do PSOL dependerá da sua não aproximação com a mentalidade da conciliação de classes e de sua política sindical, em sentido amplo (por sucesso aqui, entenda-se ter um papel relevante para a classe trabalhadora). Certamente, em termos proporcionais, foi o partido de esquerda que mais cresceu nessas eleições e ainda saiu com um possível líder de massas para 2022, Guilherme Boulos. A tendência do partido aponta, porém, para a moderação no médio prazo.

Por fim, o PDT e o PSB, partidos supostamente de esquerda, bebem na desinformação e no antipetismo de setores ligados à classe trabalhadora que não se renderam ao fascismo aberto de Jair Bolsonaro e das pentecostais. Seu crescimento é circunstancial e certamente haverá pouca consolidação que torne esses partidos relevantes para 2022 (o único objetivo dessas agremiações), uma vez que fazer a política de base não é o forte desses "paladinos" do trabalhismo.