quarta-feira, 19 de outubro de 2016

PEC 241 -- impactos econômicos

Organizei 10 perguntas e respostas sobre a PEC 241, com base na minha apresentação de ontem na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Espero que ajude aqueles que estão sendo convencidos pelo senso comum. Lembrem-se: o orçamento público é muito diferente do orçamento doméstico.

1. A PEC serve para estabilizar a dívida pública?

Não. A crise fiscal brasileira é sobretudo uma crise de arrecadação. As despesas primárias, que estão sujeitas ao teto, cresceram menos no governo Dilma do que nos dois governos Lula e no segundo mandato de FHC. O problema é que as receitas também cresceram muito menos -- 2,2% no primeiro mandato de Dilma, 6,5% no segundo mandato de FHC, já descontada a inflação. No ano passado, as despesas caíram mais de 2% em termos reais, mas a arrecadação caiu 6%. Esse ano, a previsão é que as despesas subam 2% e a arrecadação caia mais 4,8%.

A falta de receitas é explicada pela própria crise econômica e as desonerações fiscais sem contrapartida concedidas pelo governo e ampliadas pelo Congresso. Um teto que congele as despesas por 20 anos nega essa origem pois não garante receitas, e serve para afastar alternativas que estavam na mesa no ano passado, como o fim da isenção de 1995 sobre tributação de dividendos, o fim das desonerações e o combate à sonegação. A PEC garante apenas que a discussão seja somente sobre as despesas.

A PEC também desvia o foco do debate sobre a origem da nossa alta taxa de juros -- que explica uma parte muito maior do crescimento da dívida, já que refere-se apenas às despesas primárias federais. Uma elevação da taxa de juros pelo Banco Central tem efeito direto sobre o pagamento de juros sobre os títulos indexados à própria taxa SELIC, por exemplo -- uma jabuticaba brasileira.

A PEC é frouxa no curto prazo, pois reajusta o valor das despesas pela inflaçã o do ano anterior. Com a inflação em queda, pode haver crescimento real das despesas por alguns anos (não é o governo Temer que terá de fazer o ajuste). No longo prazo, quando a arrecadação e o PIB voltarem a crescer, a PEC passa a ser rígida demais e desnecessária para controlar a dívida.

2. A PEC é necessária no combate à inflação?

Também não. De acordo com o Banco Central, mais de 40% da inflação do ano passado foi causada pelo reajuste brusco dos preços administrados que estavam represados (combustíveis, energia elétrica...). Hoje, a inflação já está em queda e converge para a meta. Ainda mais com o desemprego aumentando e a indústria com cada vez mais capacidade ociosa, como apontam as atas do BC.

3. A PEC garante a retomada da confiança e do crescimento?

O que estamos vendo é que o corte de despesas de 2015 não gerou uma retomada. As empresas estão endividadas, têm capacidade ociosa crescente e não conseguem vender nem o que são capazes de produzir. Os indicadores de confiança da indústria, que aumentaram após o impeachment, não se converteram em melhora real. Os últimos dados de produção industrial apontam queda em mais de 20 setores. A massa de desempregados não contribui em nada para uma retomada do consumo. Que empresa irá investir nesse cenário?

Uma PEC que levará a uma estagnação ou queda dos investimentos públicos em infraestrutura física e social durante 20 anos em nada contribui para reverter esse quadro, podendo até agravá-lo.

4. A PEC garante maior eficiência na gestão do dinheiro público?

Para melhorar a eficiência é necessário vontade e capacidade. Não se define isso por uma lei que limite os gastos. A PEC apenas perpetua os conflitos atuais sobre um total de despesas já reduzido. Tais conflitos costumam ser vencidos pelos que têm maior poder econômico e político. Alguns setores podem conquistar reajustes acima da inflação, e outros pagarão o preço.

5. A PEC preserva gastos com saúde e educação?

Não, estas áreas tinham um mínimo de despesas dado como um percentual da arrecadação de impostos. Quando a arrecadação crescia, o mínimo crescia. Esse mínimo passa a ser reajustado apenas pela inflação do ano anterior. Claro que como o teto é para o total de despesas de cada Poder, o governo poderia potencialmente gastar acima do mínimo. No entanto, os benefícios previdenciários, por exemplo, continuarão crescendo acima da inflação por muitos anos, mesmo se aprovarem outra reforma da Previdência (mudanças demoram a ter impacto). Isso significa que o conjunto das outras despesas ficará cada vez mais comprimido.

O governo não terá espaço para gastar mais que o mínimo em saúde e educação (como faz hoje, aliás). Gastos congelados significam queda vertiginosa das despesas federais com educação por aluno e saúde por idoso, por exemplo, pois a população cresce.

Outras despesas importantes para o desenvolvimento, que sequer têm mínimo definido, podem cair em termos reais: cultura, ciência e tecnologia, assistência social, investimentos em infraestrutura, etc. Mesmo se o país crescer...

6. Essa regra obteve sucesso em outros países?

Nenhum país aplica uma regra assim, não por 20 anos. Alguns países têm regra para crescimento de despesas. Em geral, são estipuladas para alguns anos e a partir do crescimento do PIB, e combinadas a outros indicadores. Além disso, nenhum país tem uma regra para gastos em sua Constituição.

7. Essa regra aumenta a transparência?

Um Staff Note do FMI de 2012 mostra que países com regras fiscais muito rígidas tendem a sofrer com manobras fiscais de seus governantes. Gastos realizados por fora da regra pelo uso de contabilidade criativa podem acabar ocorrendo com mais frequência.

O país já tem instrumentos de fiscalização, controle e planejamento do orçamento, além de metas fiscais anuais. Não basta baixar uma lei sobre teto de despesas, é preciso que haja o desejo por parte dos governos de fortalecer esses mecanismos e o realismo/transparência da política fiscal.

8. A regra protege os mais pobres?

Não mesmo! Não só comprime despesas essenciais e diminui a provisão de serviços públicos, como inclui sanções em caso de descumprimento que seriam pagas por todos os assalariados. Se o governo gastar mais que o teto, fica impedido de elevar suas despesas obrigatórias além da inflação. Como boa parte das despesas obrigatórias é indexada ao salário mínimo, a regra atropelaria a lei de reajuste do salário mínimo impedindo sua valorização real -- mesmo se a economia estiver crescendo.

O sistema político tende a privilegiar os que mais têm poder. Reajusta salários de magistrados no meio da recessão, mas corta programas sociais e investimentos. Se nem quando a economia crescer, há algum alívio nessa disputa (pois o bolo continua igual), é difícil imaginar que os mais vulneráveis fiquem com a fatia maior.

9. A PEC retira o orçamento da mão de políticos corruptos?

Não. Apesar de limitar o tamanho, são eles que vão definir as prioridades no orçamento. O Congresso pode continuar realizando emendas parlamentares clientelistas. No entanto, o Ministério da Fazenda e do Planejamento perdem a capacidade de determinar quando é possível ampliar investimentos e gastos como forma de combate à crise, por exemplo. Imagina se a PEC 241 valesse durante a crise de 2008 e 2009?

10. É a única alternativa?

Não. Há muitas outras, que passam pela elevação de impostos sobre os que hoje quase não pagam (os mais ricos têm mais de 60% de seus rendimentos isentos de tributação segundo dados da Receita Federal), o fim das desonerações fiscais que até hoje vigoram e a garantia de espaço para investimentos públicos em infraestrutura para dinamizar uma retomada do crescimento. Com o crescimento maior, a arrecadação volta a subir.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

PEC 241 - Os bancos estão quebrando?



O governo de Michel Temer tem sido marcado por uma guinada à direita, neoliberal no âmbito econômico e conservadora no plano social. Com o discurso de salvar as contas nacionais, o ponto máximo desse processo de restruturação orçamentária consubstancia-se na PEC 241, conhecida como PEC do Teto para alguns e PEC da Maldade para outros. 

A proposta de Emenda Constitucional busca congelar os gastos do governo durante 20 anos, no intuito de gerar excedentes para cumprir com as obrigações do Estado, supostamente tirando o país do "vermelho". Só que esse dispositivo guarda uma surpresa curiosa: basicamente congela os gastos estatais apenas naqueles serviços os quais a população mais necessita, especialmente a saúde, a educação e a previdência pública, mas deixa livre o gasto com o serviço da dívida . Devemos lembrar que os políticos, os juízes e os altos funcionários do Estado aposentam por um regime de previdência que não é o mesmo que o do resto da população, e não estariam obrigados a congelar seus proventos previdenciários. E os empresários vivem de lucro, tampouco importa a eles se o INSS vai funcionar ou não.

O  regime orçamentário prevê que os gastos com amortização da dívida e pagamento de juros não serão sujeitos a congelamento. Quem controla a taxa de referência dos juros é o governo federal, por meio do Banco Central e, mesmo em um cenário de crise, esta taxa é altíssima, beirando os 14% a.a. Ou seja, é o próprio governo quem decide quanto irá pagar pela dívida soberana atrelada à Selic, que é a taxa que remunera os bancos, e esta PEC não impõe quaisquer limites a isso.

Um fato econômico curioso é que mesmo vivendo uma crise econômica (nosso PIB tem se retraído pelos balanços trimestrais subsequentes) os bancos continuam supostamente a lucrar. O Itau Unibanco, por exemplo, registrou em sua contabilidade um lucro recorde de R$ 23 BILHÕES no primeiro trimestre desse ano, enquanto o PIB retraía 0,3%. Obviamente que a conta não fecha, pois se a produção de riqueza cai, e já vem caindo desde 2015, alguém vai ficar sem receber dinheiro do empresariado endividado, o que nos leva a crer que ou os dados sobre a crise estão alarmados, ou a mentira encontra-se no lucro dos bancos e no nível da inadimplência, que pode ser muito maior do que dizem os índices econômicos.

Se este for o caso e os bancos não estiverem protestando a inadimplência publicamente, talvez teremos a chave para a explicação da necessidade do governo em aprovar uma medida tão danosa socialmente em prol da dívida soberana, pois haverá a necessidade de se cobrir os rombos no setor de modo a evitar que os grandes percam dinheiro. Os juros pagos com o dinheiro público com a desculpa de "tirar o Brasil do vermelho" serão o suficiente para, na verdade, tirar os BANCOS do vermelho e privilegiar uma minoria seleta que sequer honram com os seus impostos como deveriam (a carga tributária dos mais ricos é proporcionalmente muito menor do que a da classe trabalhadora); e o pior, farão isso simplesmente pelo gosto de guardar dinheiro, enquanto a população ficará na penúria.

O dinheiro inflado pelos juros exorbitantes, que quebrará o empresário que atua em mercados locais,  ao entrar nos cofres dos rentistas, poderão servir para "ajustar" a contabilidade dos bancos de suas pedaladas econômicas e esse jogo acontecerá de uma forma tão obscura que o povo sequer perceberá que na verdade foi saqueado em prol do megaenriquecimento de uma minoria, em virtude da tomada irresponsável de risco em empréstimos. No fundo, quem paga esse risco é o contribuinte, enquanto os banqueiros nadam de braçadas pois são "muito grandes para quebrar", contrariando as leis do capitalismo. Isso impede que bancos novos entrem no setor, de modo a autorregular o mercado, tornando esse pseudocapitalismo em que vivemos em uma hipócrita forma de dominação contra os trabalhadores e também os pequenos e médio empresários.