quarta-feira, 8 de junho de 2016

História do Brasil: Período Colonial: Tratado de Madri e Alexandre de Gusmão

O trono português, em 1750, era o mais rico do mundo. O grande sucesso do antigo sistema e da mineração eram colhidos por D. João IV, o rei-ostentação. As fronteiras do Brasil, dilatadas pelos tratados de Utrecht, mas sem maiores definições a leste, a não ser por "zonas de influência", apresentavam graves pendências na margem do Rio da Prata, ponto estratégico para todo país cuja economia é voltada para fora.

A obra de Alexandre de Gusmão, com exceção do Acre, é a base para o nosso território atual e o modo como se deu o acerto em muito ajuda para a atual posição brasileira na América do Sul. Graças a ele, chegamos ao começo do século XXI sem pendências de "cerca", isto é, sem contenciosos fronteiriços, ao menos no tocante à porção terrestre de nosso território, algo que difere em muito dos nossos vizinhos. Foi o primeiro tratado de fronteira assinado que tentava resolver o problema de uma só vez; os demais eram acordos tópicos, que resolviam problemas locais. Sua obra é tão relevante que não é a toa que a maior fundação sobre política e relações internacionais brasileira leva o seu nome.

O lusobrasileiro lançou mão de alguns princípios inovadores para demarcar as fronteiras. O primeiro deles era o de fronteiras naturais, que procurava evitar a "demarcação geométrica", que seria mais difícil de precisar e de fiscalizar. O segundo, era um abrasileiramento do princípio uti possidetis, que no direito civil romano tratava-se de uma medida cautelar: aquele que tivesse ocupando à véspera do litígio continuará ocupando até que o contencioso transite em julgado. No caso da apropriação imprópria de Gusmão ao direito internacional, o uti possidetis tinha um significado perene: aquele que estivesse ocupando continuaria ocupando. Teria o título da terra. Fim.





Claramente, o arranjo não favorecia aos espanhóis. Por que aceitaram? A urgência devido à situação geopolítica e dinástica. A balança de poder europeia estava configurada por uma frágil estabilidade entre os Habsburgos austríacos hegemônicos e a França como potência contra-hegemônica.A Inglaterra tinha o papel de contrabalancear a emergência francesa pós-rei Sol. A Espanha, como foi dito na postagem anterior, estava sobre a influência da França, sendo reinada pela dinastia Bourbon; Portugal era apadrinhado da Inglaterra. O bipolarismo estava lançado e o conflito era iminente. O Tratado de Methuen comprava o apadrinhamento da Inglaterra.

A Península Ibérica, por ser periférica a esse balanço, era um tabuleiro privilegiado para que as potências testassem o sistema, tal como havia acontecido na Guerra de Sucessão Espanhola, terminada pelo Primeiro Tratado de Utrecht, 1713. Os ibéricos desempenhavam, perante o conflito franco-britânico, o papel que a Alemanha desempenhou durante a Guerra Fria. 

Os franceses e britânicos estavam se estranhando já em alguns conflitos periféricos: diretamente no subcontinente indiano e indiretamente na Guerra Austríaca de Sucessão. A sombra do conflito direto pairava sobre a Espanha e veio a concretizar anos após o Tratado de Madri, na Guerra dos Sete Anos. Os espanhóis estavam dispostos a aceitar muita coisa a fim de evitar um "terceiro tratado de Utrecht", já que ficara explícito que a derrota francesa poderia ser paga em pesetas.

O primeiro passo da negociação, portanto, foi congelar o status colonial, independente do que aconteceria nas metrópoles -- uma cláusula de paz entre as colonias, que muito influenciou para que houvesse relativa estabilidade entre o mundo ex-português e ex-espanhol, depois das independências americanas. Graças a esse dispositivo, as duas américas somente se enfrentaram por interesses muito bem delineados. Gusmão tinha medo de que, caso a guerra desse zebra, o Brasil fosse alijado de importante porção da Amazônia. O que mais demonstra esse temor é justamente o fato de as negociações terem sido realizadas de forma secreta.

Além do problema geopolítico, estava a questão dinástica,. A rainha dos espanhóis era portuguesa e muitos temiam uma traição. Resolver a situação era urgente para os espanhóis e Gusmão sabia que a urgência o favorecia. A tarefa de José de Lancaster y Carvajal, plenipotenciário hispânico, não era das mais simples.

O tratado

O argumento do uti possidetis, que revogava Tordesilhas, foi aceito pela Espanha principalmente sob a alegação que mesmo eles haviam desobedecido os mandos do velho diploma, no Oriente. A Espanha manteria suas colônias nas Filipinas e ilhas adjacentes, enquanto Portugal consolidaria sua presença na Amazônia. O argumento dos acidentes geográficos ajudaram os lusitanos a ganharem várias porções desabitadas, tais como o Alto-Paraguai, Guaporé, Madeira e Tapajós. Sem pretender, o uti possidetis, o primeiro "jeitinho brasileiro", acabou por ficar popular no direito internacional e influenciaria a obra de Rio Branco. 

Outro "argumento" que favoreceu largamente os portugueses foram os Mapas das Cortes encomendado por Gusmão. Como se sabe, o conhecimento cartográfico da época ignorava largamente o cálculo correto das longitudes, minimizando a ocupação portuguesa além-Tordesilhas. Houve também uma falsificadinha "de leve" das distâncias e Espanhol utilizou o mapa como base legítima para as negociações. 
Além disso, houve a permuta da Colônia do Sacramento, que sempre ficaria sob o ataque dos espanhóis e cuja prata não mais interessava a D. João, empanturrado de ouro que estava, pelo Sete Povos das Missões, riquíssimo em gado. O Rio Uruguai foi adotado como a fronteira natural do Brasil com a Argentina, e assim continuou sendo até os dias de hoje.

Fica muito claro que, na negociação das fronteiras, sui-genericamente a realidade colonial pouco importou: foi um acordo metrópole-metrópole, mais ainda, submetidas à realidade estratégica das grandes potências que emergiam, qual seja, Inglaterra e França. AS considerações sistêmicas acerca das fronteiras apenas vieram à tona um século depois, quando o pacto colonial não mais existia e os atores eram soberanos.

Consequências indiretas de Madri

Graças ao trabalho de Alexandre de Gusmão, conseguiu-se alcançar uma relativa estabilidade ao Sul do Brasil. Com isso, a metrópole foi capaz de aumentar seu poderio e sua presença, uma vez que não precisava gastar com ataques e linhas de defesa. Porto Alegre fundou uma colônia de povoamento.

A capital da colônia também deslocou, graças a Madri, indo para o Rio de Janeiro, e lá ficaria até Juscelino Kubitschek resolver mudar de ares. 

No entanto, ao sul, houve resistência dos índios e jesuítas, culminando na Guerra Guaranítica (ver "A Missão", de Roland Joffé, com Robert de Niro), ceifando várias vidas dos nativos. Outros que sublevaram, inconformados com a nova situação, foram os comerciantes, impedidos que estavam de contrabandear no rio Prata, sendo apoiado pelo novo homem forte de Portugal, o Marquês de Pombal. 

O tratado de Madri, uma década depois

Passados dez anos, o Tratado de Madri já não era respeitado por nenhuma das partes. Os negociadores e os reis envolvidos haviam morridos e muitos denunciavam as fronteiras, entre eles, Marquês de Pombal. A permuta de Sete Povos e Sacramento não se concluiu; as forças presentes nos povoamentos se recusaram a entregar o poder.

O Secretário de Estado do Reino (Marquês de Pombal) anulou parcialmente o acordo por meio do Tratado de El Pardo, em 1761. O conflito voltou às margens do Prata e lá permaneceu até a Guerra da Cisplatina (quase um século depois). Porém, na parte setentrional e central, as fronteiras se mantiveram.

Em 1777, houve uma "revalidação" do diploma de Madri, consignado pelo Tratado de Santo Ildefonso, após o período pombalino. Reconhecia-se uma situação de fato: a ocupação espanhola da colônia dos Sete Povos. No entanto, poucos anos depois, os gaúchos invadiram e trouxeram a posse das terras para o lado português da força.

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