terça-feira, 6 de março de 2018

A Síria e a Profecia de Isaías

Um trecho da Bíblia está sendo repassada para dizer que estamos próximos dos finais dos tempos e que o maior símbolo disso é a destruição da Síria, como se fosse algo já premeditado por Deus, inescapável, sobre o qual não há o que se fazer nada a não ser assistir e achar tudo normal. Eis o trecho:



Isaías, Capítulo 17
“Damasco não será mais uma cidade;
ela vai virar um montão de ruínas.
2As cidades da Síria ficarão abandonadas para sempre;
os rebanhos irão até lá para descansar,
e ninguém os espantará dali.
3As fortalezas de Israel serão destruídas,
e a Síria deixará de ser um reino.
Os sírios que não forem mortos
serão como o povo de Israel:
eles viverão na miséria.
Sou eu, o Senhor Todo-Poderoso, quem está falando.

4“Está chegando o dia em que Israel perderá todo o seu poder,
e todas as suas riquezas acabarão.
5Naquele dia, o país ficará parecido com um campo
depois que todo o trigo foi colhido
ou como o vale dos Gigantes
depois de colhidas todas as espigas.
6Mas umas poucas pessoas ficarão vivas,
e Israel será como uma oliveira depois da colheita.

Em primeiro lugar, a profecia diz que as cidades da Síria (na verdade, a maioria das traduções diz "a cidade de Damasco") ficarão abandonadas para sempre. Pois bem, o que está acontecendo na Síria é um massacre unilateral; tem muita gente inocente morrendo, é verdade, mas quem está matando continua lá. Portanto, é uma falácia dizer que as cidades da Síria ficarão abandonadas para sempre. Segundamente, apesar de ser comandada por um ditador, a Síria não é um Reino. A última vez que a Síria teve um monarca foi em 1920 e seu reinado não durou um ano (Reino Árabe da Síria). 

Se a profecia de Isaías estivesse mesmo sendo cumprida, os israelenses deveriam começar a repensar as suas vidas, pois a próxima vítima da ira divina serão eles. Afinal, as fortalezas de Israel serão destruídas e está chegando o dia em que Israel perderá todo o seu poder e todas as suas riquezas acabarão.

Há também um indício fortíssimo de que a profecia sequer fala de uma realidade que nos tange: "Os sírios que não forem mortos serão como o povo de Israel: eles viverão na miséria". De acordo com os dados do PNUD, de 2016, o Índice de Desenvolvimento Humano de Israel é considerado "muito alto" (0,899 pontos). Portanto, não se pode falar mais em miséria do povo israelense. O cronista do livro de Isaías claramente demonstra fazer uma comparação contemporânea entre o caso de Israel e da Síria, portanto, a miséria de um implica na miséria do outro.

Já para quem é cristão, não há motivo nenhum para não acreditar que a profecia já não tenha sido cumprida, pois ela é tratada junto com outro tema importante ao cristianismo: a vinda do Messias. Ora, se a profecia é um requisito para a vinda do Messias, que já veio, significa que ela já foi cumprida. Os próprios teólogos dizem que tal destruição já foi verificada há 2.700 anos. A parte que fala da segunda vinda do Messias encontra-se somente no Novo Testamento e não há nada sobre o fim dos tempos que possa ser extraído do Velho (a não ser que você seja judeu), afinal, Jesus Cristo veio para cumprir as últimas profecias e revogar a lei anterior e propor uma nova: amar uns aos outros como a si mesmo.

A Síria não está sendo destruída por causa da ira divina, mas unicamente por causa da ganância do homem capitalista. O que acontece lá é uma intrincada corrida colonial em busca de matérias-primas mais baratas para bancar o enriquecimento de uma estreitíssima faixa da população mundial. Os Estados Unidos querem controlar a rota da Síria para escoar o petróleo do Oriente em linha reta, passando pelo Mediterrâneo - pelo mesmo motivo invadiu o Afeganistão e o Iraque, além de ter ajudado a Líbia a derrubar Muamar Kaddafi e os ucranianos de extrema-direita a derrubar Vitor Ianukóvich, o presidente ucraniano pró-Rússia. Os movimentos, na Ucrânia, fez ressurgir o furor nazista há muitos anos adormecido na população, bem como arruinou todo o Oriente Médio econômica e socialmente.

Por outro lado, a Rússia também não é a santa da história. Para defender seus interesses capitalistas, ela dá todo o suporte bélico necessário ao governo falido de Bashar Al-Assad, tornando viável a este que dispare contra sua população civil desarmada com o intuito de causar o terror contra os combatentes, ao atacar suas famílias. O Partido Baath certamente teria caído com os levantes promovidos no calor da Primavera Árabe, mas o equilíbrio de forças das potências que lá intervêm trouxe a morte e a miséria para o povo sírio. Mais uma vez, na lógica da Guerra Fria, a Rússia e os Estados Unidos terceirizam as suas contradições para suas colônias e quem morre são os povos explorados pelas grandes potências.