Movimentos nativistas, ou levantes (sub)coloniais
Os movimentos nativistas são revoltas desencadeadas entre os "filhos da terra" e os "filhos da p..." dos colonizadores. Podemos nomear como movimentos nativistas, entre outros, a Aclamação de Amador Bueno, a Revolta de Beckman, a de Felipe dos Santos, a Guerra dos Emboabas e a dos Mascates. Após a independência, houve ainda a Guerra das Farroupilhas, a Revolta dos Alfaiates e a sangrenta Revolução de Pernambuco.
A Aclamação de Amador Bueno
Esse episódio da vida histórica de nosso país aconteceu na Capitania de São Vicente, mais precisamente na Vila de São Paulo, que na época estava empenhada no apresamento de indígenas, pelos bandeirantes. O caráter paramilitar e nômade do bandeirismo paulista favorecia em muito o contrabando através da margem do rio da Prata (desde aquela época, os paulistas já eram chegados numa muamba...). O período filipino chega ao fim juntamente com a União Ibérica e há a Restauração da Independência de Portugal, o que acaba por se traduzir, na colônia, numa diminuição da fluidez desse contrabando de indígenas e uma maior fiscalização ao sul.
Com a proibição da escravização da mão de obra nativa, os paulistas foram alijados de uma grande fonte de renda. É ainda muito mistificado o fato de que os índios não teriam sido escravizados por serem vagabundos ou algo do tipo, o que é uma mentira cabeluda, dotada de muito racismo -- não existe vagabundice ao chicote. Outro racismo existente é a de que os negros são passivos e não resistiram à escravidão. Sugiro que estes assistam Beasts of no Nation, para se ter uma ideia da passividade africana... O interesse da metrópole em usar somente escravos oriundos da África pode ser entendido pelos seguintes fatores:
1) Medo de uma revolta de escravos, posteriormente medo do jacobinismo/haitianismo: a Coroa temia perder o controle de quantos escravos haviam e transformar o Brasil em um "Haiti", que foi palco de uma revolta escravista (1794), a qual culminou para a independência daquele país -- e a perda do controle social por parte da elite. Para evitar isso, era necessário controlar o fluxo de mão de obra cativa que entrava na colônia e assim permaneceu durante os dois reinados independentes brasileiros;
2) Viabilidade econômica: devemos ter em mente que, não é só porque os negros vinham da África, eram "exportados", que necessariamente eram mais caros. Na verdade, o mercado da força de trabalho cativa era tão substancial, e o estoque de prisioneiros era tão grande na África, que a venda por meio do tráfico ultramarino alcançava uma larga economia de escala. Sem a ampla concorrência, naturalmente os traficantes começaram a formar monopólios e poderiam vender ao preço que quisessem e conviesse, amigos do rei que eram. O apresamento na África, por se tratar de um lugar com grandes guerras tribais, era mais intenso;
3) Problemas com a ICAR: vale lembrar que os índios eram considerados pelos jesuítas como um povo a evangelizar; já os africanos eram uma raça maldita, marcada por deus para sofrer. Ou seja, mexer com indígenas significava pisar no território da Igreja Católica, que pouco se importava com o africano.
4) Viabilidade fiscal: Numa colônia com um mercado voltado quase que exclusivamente para o exterior, trazer escravos da África significava arrecadar grandes somas de impostos, uma vez que era mais fácil fiscalizar os portos do que o que acontecia de forma autóctone.
Com a dissolução da União Ibérica, as diferenças regionais se tornaram mais agudas. O polo rico da colônia, o Nordeste, estava ocupada pelos holandeses de Maurício de Nassau; o Rio de Janeiro conversava diretamente com a Corte; e os paulistas negociavam relativamente mais com os espanhóis do que o resto do Brasil. A política em São Vicente se dividia em dois clãs: os Garcias (partido português) e os Camargos (espanhóis). Amador tinha parentesco com os Garcias, mas era partidário dos espanhóis, e expulsou os jesuítas, como juiz ordinário, do planalto. Os Camargos declararam Amador como rei de São Paulo, num gesto de afirmação conservadora (e não com um sentimento nacionalista). Amador recusou o título e quase foi linchado pelos seus "ex-suditos".
Quilombo dos Palmares (1654)
Muitos são aqueles que aceitam o cativeiro, mas existe uma fração que resolve questionar os grilhões. No caso de Palmares, não foram alguns poucos, mas muitos que haviam fugido de seus senhores: a tal ponto de poder se organizar e chegar a ameaçar a força pública. O governador de Pernambuco já não tinha contingente suficiente para dar cabo ao quilombo. A solução era recorrer aos bandeirantes de Domingos Jorge Velho. A campanha foi tão difícil que se fez necessário passar o comando para Matias Cardoso; mesmo assim, o quilombo somente foi desfeito com tropas auxiliares. Vários quilombolas fugiram, outros foram degolados, e outros presos.
Zumbi, não obstante, escapou e só veio a ser capturado depois da traição de um de seus amigos. Foi decapitado e sua cabeça ficou exposta em praça pública. Tornou-se um símbolo controverso da luta pela liberdade negra. Sabe-se que, assim como Ganga Zumba, seu antecessor, Zumbi não questionava a escravidão, mas seu lugar nela -- o escravismo existia inclusive dentro de Palmares, muito embora não era um modelo econômico, como no caso de Portugal.
A apropriação política de Zumbi como símbolo da luta dos negros é algo paradoxal, uma vez que o líder não tinha uma mentalidade de identidade social para com os outros. A bem da verdade, existia, dentre os negros, conflitos étnicos que eram carregados devido à sua origem. O branco costuma classificar como negro todo aquele que não é branco, mas esquece de considerar que, para os escravos, um Ganguela não é igual a um Xindonga. A consciência de unidade negra veio a existir no último quartel do século XIX e alcançou força e identidade social somente muito após a Lei Áurea.
A Revolta de Beckman (1684)
O levante em comento tem esse nome graças aos irmãos Beckman, conhecido pelas bibocas também como Bequimão. A Coroa havia imposto o estanco para o Maranhão, em 1676, que se tratava de uma medida legislativa que assegurava o monopólio dos produtos da capitania, o que acabou por empobrecer muito a região. Em 1682, houve os primeiros contratos para a introdução da mão de obra escrava, diante da dificuldade que existia em apresar os índios, os quais conheciam muito bem o terreno.
Porém, o comércio de mão de obra cativa foi corrupto desde o início, e desobedecia sistematicamente ao monopólio colonial estabelecido. Maranhão era tão periférico que se tornava impossível fiscalizar esses pormenores. Sem condições para progredir na lavoura, carente de trabalhadores (leia-se escravos), a insatisfação aumentou.
Manuel Beckman e Manuel Serrão de Castro se aproveitaram da ausência do capitão-geral para aprisionar o capital-mor, ocupar o armazém da Companhia de Comércio de escravos e prender/expulsar os jesuítas, os quais eram uma dificuldade a mais para o apresamento indígena. Os fazendeiros reuniram-se em assembleia e decretaram a abolição do estanco, o encerramento das atividades dos jesuítas e suas expulsões. Montaram um governo de diretório, que contava com a participação de Tomás Beckman na junta.
Em resposta ao levante, Lisboa enviou Gomes Freire como novo capitão-geral, o qual não precisou enfrentar nenhuma reação, uma vez que, quando lá chegou, o movimento já havia arrefecido. Suas medidas foram bem típicas no contexto brasileiro: reprimiu os revoltosos, mas cedeu às suas demandas -: aboliu o estanco, mas condenou Manuel Beckman e Jorge Sampaio à morte. Alguém tinha que pagar o pato. Alguns foram degredados e para a prisão e os jesuítas foram reintegrados, sem direito a revanche.
Guerra dos Emboabas (1708-1709)
Outro embate que aconteceu com os bandeirantes, porém, já agora no grande ciclo do ouro. Os bandeirantes paulistas queriam exclusividade na posse sobre as terras mineiras nas quais haviam descobrido o ouro. Porém, o pedido da Câmara de São Paulo à Coroa era completamente irrazoável.
Com a notícia da descoberta do vil metal, naturalmente houve um fluxo migratório intenso, tanto no sentido metrópole-colônia, como no sentido periferia-Minas. E os não paulistas que chegavam, os "intrusos", eram chamados de Emboabas. O líder da revolta emboabense era um traficante de gente e gado do nordeste, cuja economia açucareira enfrentava um arrefecimento em seus engenhos, podendo liberar mão de obra, Manuel Viana, que foi proclamado governador das Minas até Lisboa nomear Fernando de Lancastre, partidário dos paulistas, que não aguentou a pressão e acabou fugindo. Borba Gato era a principal autoridade real nas Minas, mas estava assaz envolvido com a querela para conseguir mandar em alguma coisa: era paulista. Tentou expulsar Viana e não conseguiu. Desistiu.
Outro governador foi enviado: Antônio de Albuquerque. Manuel de Viana não impôs óbice e o novo mandatário o deixou em paz. O estresse bateu forte no coraçãozinho dos paulistas com a solução que era favorável aos emboabas e esboçaram uma resistência, mas foram reprimidos por tropas reais.
Albuquerque criou duas capitanias, a de São Paulo e a de Minas Gerais, além de elevar a Vila de São Paulo à categoria de cidade. Criou as vilas Mariana, Ouro Preto e Sabará. A Guerra terminou com um indulto geral, a restituição de lavras paulistas e a instalação das primeiras municipalidades de Minas Gerais: agora quem manda é Dom João.
Após o frenesi do ouro em Minas, os bandeirantes encontraram outras reservas em Cuiabá e Goiás.
Guerra dos Mascates (1710)
Aécio Neves, Mascate da Lava Jato
A preferência holandesa, quando de sua ocupação no Nordeste, por Recife, significou a decadência de Olinda. Quando foram expulsos, no entanto, essa tendência não cessou e a região alcançou o status de vila, com Legislativo autônomo, fazendo desagrado aos vereadores olindenses. O bispo de Olinda e os parlamentares insuflaram a violência e o governo recifense acabou tendo que bater em retirada, em direção à Bahia. Os revoltosos marcharam sobre a municipalidade, destruíram o pelourinho e... criaram um impasse. Entregar o poder ao bispo de Olinda ou desligar Pernambuco de Portugal, proclamando uma república? Como é comum em nossa história, ficaram com a opção mais conservadora.
Os mascates de Recife forjaram uma aliança com o governo de Salvador e com o capitão-mor da Paraíba e planejaram uma vingança. Invadiram a cidade, prenderam o bispo e fez este pedir, em seu nome, o retorno da autoridade legítima. Seguiu-se várias revoltas. O novo governo mandado por Lisboa era simpático aos mascates.
É bom salientar que a forma pejorativa como designavam os comerciantes se deve ao fato de que ainda existia na cabeça dos portugueses a mentalidade de que o nobre era aquele que possuía terras: os latifúndios eram MAIS e os comerciantes, mais próximos da mentalidade capitalista, eram MENAS.
Revolta de Vila Rica (1720)
A revolta de Vila Rica fica na fronteira entre os movimentos nativistas e os emancipacionistas. Foi um motim contra o sistema fiscal, desencadeada na forma de uma contrarrevolta contra Conde de Assumar, encerradas com a morte do líder da revolta, Filipe dos Santos Não se sabe se Filipe foi esquertejado antes ou depois de morrer; não que para nós essa informação seja relevante, mas para ele certamente foi.
Todas as pessoas implicadas nessas agitações eram portuguesas, não obstante seu significado histórico difere da Inconfidência Mineira, pois se tratava de uma sociedade em formação e em um conflito primário de interesses contrariados; já a Conjuração Mineira deu-se no bojo de uma sociedade estável, organizada, cujas agitações denunciavam as fissuras coloniais.
Movimentos emancipacionistas
Conforme a situação na colônia foi se desenvolvendo, a organização e os interesses começaram a denunciar o velho pacto colonial. Os achaques fiscais começaram a ser sentidos pelos colonos e causaram grande descontentamento. A limitação do mercado também era motivos de raiva pela elite colonial, mas não era o maior entrave - tanto é que, quando a independência veio de fato, ainda continuamos em um sistema semicolonial com a Inglaterra. Muito embora sejam dotados de significado nacionalista, são acepções a-históricas dos movimentos emancipacionistas, uma vez que nenhum deles se deveu por motivação popular, mas por inconformismo das elites, sem uma identidade nacional, sendo este o principal motivo pelo qual essas revoltas pouco influenciaram quando o processo material de independência realmente aconteceu.
A Inconfidência Mineira (1789)
O ano diz muita coisa: 1789. A Independência Americana estava fresquinha na cabeça dos conjurados e certamente influenciou no planejamento do levante. Na França, acontecia a Revolução Francesa e as notícias sobre os revolucionários, bem como seus ideais iluministas, foram o combustível ideológico do que quase aconteceu nas Minas Gerais.
Não obstante, a ideologia por si só é passiva: é preciso um gatilho para que haja uma tentativa de mudança do establishment. E esse gatilho foi o descontentamento das elites (e não da população, como querem nos fazer acreditar na escola) com o sistema fiscal promovido por Pombal e, posteriormente, por D.ª Maria I. Havia a decretação do quinto real, que levava embora 20% de todo o ouro retirado das minas; a sociedade extrativista estava em declínio e o fato de ser um centro urbano tornava o ambiente propício para que as ideias ilustradas se difundissem.
Todos os inconfidentes tinham vínculos com as autoridades coloniais. Mal comparado, a tentativa de separação mineira foi, na verdade, um jeitinho obtuso de fugir ao dever de pagar o imposto devido e o sonegado, tal como a tentativa de impeachment hoje é uma tentativa de evasão da Lava Jato. A elite sempre dá seus pulos para impor a lei aos pobres e fugir ao seu dever - é isso que a faz ser elite, na verdade... No entanto, assim como os políticos do PMDB e do PSDB tiveram suas relações prejudicadas com o Judiciário, após a deflagração da Lava Jato, também aconteceu de o entrosamento entre as elites com as autoridades coloniais, que se fingia de cega para as sonegações, ser prejudicada por um novo governo que fiscalizava, o de Cunha Menezes. A elite local restou marginalizada e a insatisfação aumentou quando entrou em cena o Visconde de Barbacena. O novo governador tinha poderes para decretar a derrama, que se tratava de um dispositivo fiscal com a finalidade de assegurar a arrecadação de cem arrobas anuais de ouro, caso os 20% não dessem conta de bater a "meta fiscal" da Coroa. Era mais do que uma mera pedalada - era um achaque. Além de poder propor essa medida, tinha poderes para mandar investigar os devedores e fazer valer o correto cumprimento de contrato entre particulares e a administração pública.
Quando ficaram sabendo da derrama, os conjurados planejaram a revolta, mas um deles deu com a língua nos dentes: Joaquim Silvério dos Reis. A Coroa havia fechado um acordo de perdão de dívidas e de indulto por sua participação na conspiração, além de oferecer cargos e sinecuras; foi tipo uma Delação Premiada e Joaquim não pensou duas vezes antes de fazer o maior acordo de leniência do período colonial. A devassa para punir alguns e degredar outros envolvidos, sendo a esmagadora maioria de notáveis, durou alguns meses, mas somente um foi executado: Tiradentes. Como a historiografia séria já demonstrou, Tiradentes parecia histriônico e meio desequilibrado e assumiu exclusivamente a responsabilidade pela conspiração, sendo por esse motivo o único a ter a pena capital e a ser esquartejado (esse sabemos que a picotagem rolou após a morte).
Sobre o legado de sua imagem: Tiradentes não era pobre e excluído. Ao contrário, era oficial do exército e tinha patente de alferes, que seria o equivalente a segundo-tenente, nos dias atuais. A apropriação de Tiradentes como herói nacional surgiu no período ultrarromântico, a partir de uma tentativa deliberada de se formar uma identidade nacional, no contexto turbulento do golpe de estado republicano. Para facilitar a assimilação do cidadão como ícone da pretensão republicana, como se ela tivesse existido desde o período colonial, o executado foi pintado com ares de Jesus Cristo, como nesse quadro gore...
A intenção dos inconfidentes era de proclamar a República para fugir dos pesados tributos e perdoar os devedores à Coroa. Queriam tomar a Constituição dos Estados Unidos como exemplo e extinguir o exército permanente. Com relação ao abolicionismo, havia certo dissenso, mas a posição da maioria era a de suprimir a escravidão. Seria uma forma de gerar um sentimento mínimo de nacionalismo e amalgamar o Estado, pensavam.
Os pedaços de Tiradentes foram espalhados pela praça e reza a lenda que sua cabeça foi surrupiada por uma ex-amante.
Conjuração do Rio de Janeiro (1794)
Foi a conspiração mais inofensiva do período pré-independência e não representou ameaça à ordem, sendo apenas uma série de conversas entre intelectuais agremiados em academias e sociedades. As conversas da Sociedade Literária adquiriam cada vez mais conteúdo político e filosófico de contestação aos regimes monárquicos. Acabaram sendo denunciados por José Bernardo da Silva Frade e pelo Frei Raimundo Penaforte. O vice-rei suspendeu as atividades e prendeu aqueles que, segundo alegava-se, continuaram reunindo-se secretamente. Todos foram absolvidos.
Ou seja, foi apenas uma meia dúzia de reuniões de Illuminatis para se discutir como eles iriam dominar o Brasil. Tratava-se apenas de um sintoma da difusão do pensamento liberal nas grandes capitais.
Conjuração Baiana - A Revolta dos Alfaiates (1798)
Reuniu mulatos, negros livres e profissionais urbanos: artesãos e alfaiates. Tinha como pauta a punição dos padres contrários à escravidão, a condenação das más condições de vida da cidade de Salvador e o aumento de salário para os militares. Fortemente inspirados pela Revolução Francesa, foi o primeiro levante realmente popular, pelo menos em participação, e o primeiro também a combinar independentismo com reivindicações sociais. O quadro econômico da época era de grande inflação, porém com grande estagnação do salário, o que contribuiu para a insatisfação geral. Buscavam o republicanismo, a abolição da escravatura e o livre comércio, principalmente com a França.
Há uma segunda versão da Revolta dos Alfaiates, contada pela historiadora Patrícia Valim, no qual o que estava por trás da sublevação não era exatamente os interesses populares, mas os de oito poderosos fazendeiros, que estimulavam a violência, ainda mais depois que um navio francês aportou e começou uma boataria de que Napoleão planejava invadir o Brasil. Por suas conexões com o poder, teriam ficado impunes.
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