segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Balanço sobre as Eleições de 2020

Muita expectativa se formou em torno das eleições de 2020; primeiro porque não se sabia qual seria o impacto da pandemia no resultado do pleito, tanto em relação à rejeição da política bolsonarista, quanto em relação a como as pessoas enxergaram a política dos governadores (e aliados) e prefeitos; segundo, porque havia uma preocupação em saber o quanto do bolsonarismo havia sido consolidado na política real e, por último, para se medir como está sendo a reorganização das bases da esquerda institucional pós-golpe, dado, também, a condicionante da reforma eleitoral que veio para prejudicar, em ampla medida, o crescimento de pequenos partidos, sobretudo aqueles que não podem, por ideologia, procurar o apoio do empresariado.

 A previsão de que haveria uma baixa adesão se mostrou acertada. A pandemia ressaltou a importância do voto jovem e preteriu algumas candidaturas que teriam grandes chances de eleição, caso não houvesse o medo do contágio e, também, a perda de interesse na democracia, tão desgastada por meio de sucessivos ataques e pela uniformização política que se coloca em prática diante do avanço dos interesses capitalistas.

Faço abaixo algumas considerações sobre quais foram as tendências verificadas ao longo destas eleições.

Deperecimento do Bolsonarismo e Fortalecimento do Centrão

A primeira tendência que salta aos olhos é a não consolidação do bolsonarismo como força política coesa municipal. Bolsonaro não conseguiu conformar um partido para chamar de seu, nem emplacou seus candidatos para conformar uma nova base cativa. Por causa disso, ficará mais dependente de sua base mais fanática e dos políticos da direita fisiológica, mal-batizada de "Centrão" - ou seja, ficará mais dependente da política mais velha que existe no Brasil. Este segundo fenômeno certamente será o mais capital daqui para frente, uma vez que a direita fisiológica - sobretudo os partidos Progressistas, Democratas e MDB - é a grande campeã de 2020, aumentando seu poder para o interior do Brasil.

Isto não significa, porém, que o neofascismo irá arrefecer no país, mas apenas que não conseguiu se consolidar como bolsonarista. Provavelmente, essa turma irá procurar um líder mais carismático e articulador. O eleitor brasileiro provavelmente ejetará Bolsonaro da mesma forma que os Estados Unidos ejetou Trump, e igualmente substituindo nosso fascista de estimação por uma figura da "direita progressista". Isto abre caminho para uma retomada do trabalho de base da esquerda diante das fraturas no campo bolsonarista, principalmente entre os trabalhadores precarizados e pejotizados.

Perda Relativa de Hegemonia do PT na Esquerda

Por mais que haja, mais uma vez, uma tentativa do Partido dos Trabalhadores em negar o óbvio, ele foi o grande perdedor dessa eleição. O PT deteve a maior parcela da verba do fundo partidário, teve como grande cabo eleitoral o mítico ex-presidente Lula e deteve perdas amargas nas eleições. Seus votos escorregaram em grande parte tanto para a esquerda (PSOL), quanto para a direita progressista (PSB e PDT). Dos 5.200 vereadores que detinha em 2013, só poderá contar com 2.600 em 2021, uma perda de 50%; no caso do Executivo, a perda foi ainda pior: além de não conseguir eleger prefeito em nenhuma capital, o PT elegeu 638 prefeitos em 2012 e agora elegeu apenas 179, o que representa 28% do auge de sua potência,  conformando a tendência de queda que já havia surgido em 2016.

Muitos quadros do Partido dos Trabalhadores parecem não querer constatar o óbvio: o de que a perda relativa de hegemonia deste partido não é fruto de invenções editoriais da mídia burguesa, mas uma realidade na qual os petistas querem evitar atestar há, pelo menos, quatro anos. A burocratização do partido se tornou tão grande, que cada vez menos a base se politiza e cada vez mais há um distanciamento entre os parlamentares graúdos - que habitam no Congresso Nacional e nas assembleias legislativas - e os parlamentares das câmaras municipais. Sem uma base que os finquem ao chão, estes parlamentares sairão voando em breve e se perderão da vista dos trabalhadores.

O PT é, também, cada vez menos um partido de trabalhadores, e cada vez mais um partido da toga. Os grandes quadros "renovados" do partido são, em geral, advogados, professores universitários, promotores e juízes aposentados, ou burocratas profissionais - como é o caso da família Tatto. O próprio Lula deixou o seu passado sindicalista para trás para se portar e se vestir como um embaixador ou um diplomata de alta patente. Com essa nova elite burocrática, somado aos antigos quadros políticos que acham que entendem de política (estes fósseis que esquecem que a transformação social embaralha as peças e traz novas condicionantes ao jogo), vai se conformando uma categoria muito especial de "iluministas" que não entendem nada da miséria do pobre, mas se sente habilitado a falar em seu favor, mesmo sem nunca aparentemente ter pisado numa favela.

Soma-se a isso a uma arrogância em perceber os problemas que saltam aos olhos. Não, não estou falando que o PT deve fazer uma "autocrítica" para A Folha de SP, até porque autocrítica se faz internamente; além do fato de a intenção da mídia com relação a essa suposta autocrítica do PT é a de trazê-lo à direita, todos sabemos disso. Digo em relação à arrogância do PT ao realizar suas alianças, por exigir mais concessões da outra parte do que está habilitado (há sempre um superdimensionamento do seu poder, que ganha um descolamento da realidade ainda maior nesses últimos tempos). Ademais, o partido especializou-se em fazer a política clientelista com a sua base e se apega a um culto à personalidade do Lula que não o leva a lugar algum, além de levar para dentro dos sindicatos e movimentos sociais a política de "força" (acoxa-se os militantes opositores e despeja-se dinheiro nos grupos, pois há uma mentalidade que o dinheiro faz tudo). Há, também, um claro desprezo pelas novas formas de comunicação como angariador de votos. 

O partido do Lula caminha-se a passos largos para ter o mesmo fim do PSB e do PTB: o de se tornar apenas mais um partido fisiológico, de composição, carcomido pelo tempo, que se usa de ligações sindicais e organizacionais para ter eleitorado cativo na classe trabalhadora. Ficou patente a hesitação de grande parte dos quadros petistas que evitaram polarizar com Bolsonaro ou com os tucanos, por uma esperança de conseguir ganhar votos da classe média.

No vácuo do PT, cresce em importância relativa e como uma futura opção, o PSOL. É um partido que tem o modo petista de fazer política em seu DNA, mas que conta com uma militância mais jovem e arejada, que pode fazer a diferença nos anos seguintes. Porém, a ausência de centralismo democrático e a presença de quadros de direita dentro dele podem fazer com que todo o discurso supostamente radical seja abandonado em prol do "capitalismo humanista" que prega a pequena-burguesia, um perigo que ficou muito claro na candidatura Boulos, quando este fez alianças com partidos fisiológicos na reta final e buscou moderar o tom e se livrar da pecha de "radical". O sucesso do PSOL dependerá da sua não aproximação com a mentalidade da conciliação de classes e de sua política sindical, em sentido amplo (por sucesso aqui, entenda-se ter um papel relevante para a classe trabalhadora). Certamente, em termos proporcionais, foi o partido de esquerda que mais cresceu nessas eleições e ainda saiu com um possível líder de massas para 2022, Guilherme Boulos. A tendência do partido aponta, porém, para a moderação no médio prazo.

Por fim, o PDT e o PSB, partidos supostamente de esquerda, bebem na desinformação e no antipetismo de setores ligados à classe trabalhadora que não se renderam ao fascismo aberto de Jair Bolsonaro e das pentecostais. Seu crescimento é circunstancial e certamente haverá pouca consolidação que torne esses partidos relevantes para 2022 (o único objetivo dessas agremiações), uma vez que fazer a política de base não é o forte desses "paladinos" do trabalhismo.

sábado, 5 de setembro de 2020

A Revolta da Vacina 2: Rebeldes sem Casa

Charge antivacina de 1904


Em cada lugar do tempo e do espaço, há uma forma de se produzir e exercer o poder. Na nossa República Velha, o mandonismo era a forma política mais marcante e não havia muita preocupação em confundir o senso comum popular, pois o acesso à informação era escasso e a relação voto-interesse era mais direta. As pessoas eram obrigadas a votar naqueles que representavam os interesses dos coronéis e, vez ou outra, tinham uma demanda atendida de maneira populista. Nos dias atuais, a relação apoio-interesse é mais fortemente mediado pelo discurso, que serve muito mais para mobilizar sentimentos, que para esclarecer. 

Nas primeiras décadas do século XX, as epidemias castigavam o Brasil. Peste bubônica, febre amarela, varíola assombravam o mandato de Rodrigues Alves, o presidente guaratinguetaense que primeiro pensou em termos de saúde pública e que acabou morrendo, ironicamente, no vácuo para começar o seu segundo mandato, em razão da pandemia de gripe espanhola. Para lidar com a situação catastrófica da saúde no Rio de Janeiro, ao contrário de Jair Bolsonaro, Rodrigues Alves buscou montar um time de especialistas na área, o mais conhecido dele, o Diretor-Geral de Saúde, Osvaldo Cruz. Paralelamente a isso, iniciou uma ferrenha campanha antipobre, derrubando casas e cortiços, e fomentando a primeira campanha habitacional do país - uma campanha informal, de omissão e repressão, que levou os trabalhadores a construir suas casas com restos de material na periferia, multiplicando os núcleos de favela cariocas. A derrubada em massa das moradias populares pressionou o preço do aluguel e a crise chegou até a classe média. Alves, no entanto, sabia que se não houvesse uma vacinação em massa na população, devido ao fato que o trabalhador vende a sua força de trabalho para alguém que mora no centro, estes iriam se contaminar entre si e devolver a doença para os ricos; uma campanha de vacinação obrigatória era necessária. 

O Executivo pouco se preocupou em sensibilizar a opinião pública. Osvaldo Cruz exigiu amplos poderes para fazer a sua campanha sanitária e agia com total liberalidade, escolhendo quem deveria ser imunizado imediatamente, à força, e quem deveria deixar a casa para ser demolida. O caldo social entornou e o povo saiu às ruas para protestar, iniciando um levante contra o governo que ficou conhecido como Revolta da Vacina. Houve uma tentativa sufocada de golpe e o governo optou por decretar estado de sítio, por um lado, mas remover a obrigação da vacinação, por outro. 

Ao contrário do que aconteceu há cem anos, os que se revoltam com a vacina hoje não são operários sem-teto que viam a vacina como o instrumento da burguesia e do governo para adestrá-los como animais e como símbolo de opressão aos seus direitos mais básicos; são pessoas que tiveram um certo acesso à educação, que sabem dos perigos da epidemia vigente e que entendem de maneira direta o que significa uma doença sem controle, inclusive para a economia, e que se engajam emocionalmente em teorias alternativas para poderem dar sentido político à sua insatisfação consigo mesmo e com as contradições do sistema capitalista que tanto defendem. O mandonismo foi substituído pela autoridade pós-moderna, que falseia seus desejos com discursos inflamados, mas esvaziados de conteúdo material. 

Cabe lembrar que até a promulgação da Lei do Coronavírus, a vacinação não era compulsória, ao menos não no sentido de ser vacinado à força, e que o próprio Jair Bolsonaro foi quem determinou essa possibilidade (Lei n.º 13.979/2020, art. 3.°, III, "d") ; ele mesmo cria o fato, para se contrapor esquizofrenicamente depois. Muita coisa mudou de 1904 a 2020, mas algumas coisas permanecem como estão: o desejo do governo federal em se livrar dos problemas sociais eliminando os vulneráveis; seja vacinando ou lançando campanhas antivacinação, é sempre a saúde do rico que está em questão. Nós ficamos do lado da realidade e não do delírio: a vacina salva vidas.

Fernando Tremura é advogado e guarda universitário na Universidade de São Paulo.

sexta-feira, 31 de julho de 2020

Greve Espontânea dos Entregadores Mostra que o Sindicalismo Nunca Morrerá

(Foto: Roberto Parizotti/Fotos Publicas)

No dia 1.º de julho, milhares de entregadores se reuniram no vão livre do MASP para reivindicar melhores condições de trabalho e pagamento. O movimento contrapunha o discurso ideológico do empreendedorismo, uma falácia que busca confundir o trabalhador com a figura do "colaborador", uma artimanha para ludibriar os interesses das classes envolvidas. A principal característica dessa greve, assim como de tantas outras que têm surgido pelo mundo afora, é o espontaneísmo de uma categoria que, embora não tenha organização sindical, sente na pele os conflitos de classe do capitalismo contemporâneo.

Os sindicatos vêm sido sistematicamente atacados pelo projeto neoliberal, desde, pelo menos, os anos 70. O objetivo dessa investida é individualizar os trabalhadores, de forma a competirem entre si, erradicando a solidariedade de classe, para conseguir, em seguida, depreciar o custo da mão de obra e concentrar, ainda mais, a renda da riqueza produzida. Com a revolução tecnológica que assistimos a partir dos anos 2000, os aplicativos de entrega se colocaram como supostos intermediadores entre entregadores e donos de estabelecimentos comerciais, aprofundando a individualização e a concorrência intra-classe. O resultado, ao longo do tempo, não tem sido a emancipação do sujeito-trabalhador, mas uma forma brutal de precarização que se aprofunda ainda mais com a crise do coronavírus e que nos remete aos primórdios da Revolução Industrial. Com essa greve, os conflitos de classe voltam à tona e, com eles, a questão sindical: afinal, quando temos trabalhadores organizados, demandando por seus direitos, não temos aí um sindicato?

Vale lembrar que vários marcos regulatórios, como a Reforma Trabalhista, vem sendo utilizado para desagregar os sindicatos constituídos, desfazer direitos, e colocar os trabalhadores em extrema insegurança. Até os dias atuais, verificamos que a maioria das centrais sindicais e sindicatos estão lutando para sobreviver e se colocando na defensiva; com o acirramento das contradições de uma sociedade que privilegia o lucro acima da vida, toda essa mecânica será escancarada ainda mais e empurrará os trabalhadores a buscarem organização, como estamos vendo com o Breque dos Apps. Podem tentar esvaziar seus marcos jurídicos, mas a necessidade material dos trabalhadores, a verdadeira classe produtora, jamais vai deixar que os sindicatos deixem de existir.

Fernando Tremura é advogado, guarda universitário e representante de base do SINTUSP (Sindicato dos Trabalhadores da USP)

sábado, 11 de abril de 2020

Dia 25 - CurvaDOC 3 - Pandemia


Nesse episódio, irei discorrer sobre o que é uma pandemia, quais são as suas fases, quais são as medidas adotadas quando elas ocorrem (no caso de doenças infecto-contagiosas) e o que acontece psicologicamente durante uma pandemia de proporções graves. Apoie meu trabalho em: https://apoia.se/diplomatasdesealand


domingo, 5 de abril de 2020

Previsões estatísticas para o dia 6 de abril - COVID-19 Brasil


O CP-SSR está fazendo um boletim diário sobre as previsões estatísticas para o COVID- 19. Para o dia 6 de abril, temos:

Número de casos confirmados previstos: 13.093
Número de novos casos previstos: 1.402
Número de mortes previstas no dia: 87
Balanço de mortes previstas no fechamento do boletim epidemiológico: 587
Número estimado de casos reais, levando em consideração a taxa de mortalidade da Coreia do Sul: 117.317
Taxa de mortalidade medida estimada: 4,48 %
Taxa de subnotificação: 88,9% (11 em cada 100 pessoas infectadas é testada pelo governo)

Sobre o Boletim de 5 de abril

A taxa de acerto em relação aos casos confirmados foi de 95%
A taxa de acerto em relação às mortes foi de 97%
A taxa de acerto em relação ao índice de letalidade foi 99%

O que esses índices dizem?

Não se pode dizer que o Brasil já está achatando a curva; a manutenção de uma tendência de crescimento linear na taxa de letalidade, sem haver saturação do SUS, na verdade indicam um aumento da subnotificação, inclusive nos casos mais graves. Isso se deve à fila de testes que aumenta e à escassez de kits para testagem.
A margem de 3% de erro no número de mortes estimadas também pode ser fruto de subnotificação, uma vez que há centenas de óbitos suspeitos no estado de São Paulo aguardando resultado do exame.

sábado, 4 de abril de 2020

Previsões estatísticas para o dia 5 de abril - COVID-19 Brasil

O CP-SSR está fazendo um boletim diário sobre as previsões estatísticas para o COVID- 19. Para o dia 5 de abril, temos:

Número de casos confirmados previstos: 11.691
Número de novos casos previstos: 1.253
Número de mortes previstas no dia: 61
Balanço de mortes previstas no fechamento do boletim epidemiológico: 500
Número estimado de casos reais, levando em consideração a taxa de mortalidade da Coreia do Sul: 99.837
Taxa de mortalidade medida estimada: 4,27 %
Taxa de subnotificação: 88,3% (11 em cada 100 pessoas infectadas é testada pelo governo)

sábado, 28 de março de 2020

O NAZISMO ESTÁ PRESENTE NO DISCURSO DE BOLSONARO.


O NAZISMO ESTÁ PRESENTE NO DISCURSO DE BOLSONARO.

Minimizar a morte de quem tem comorbidades ou é idoso (com o "pé na cova", como disse um certo jornalistazinho que foi expulso da Veja), não é algo inédito na história humana. No início do século XX, uma mistureba reacionária de um suposto "darwinismo" com a filosofia, também deturpada, do Übermensch do Nietzsche circulava na sociedade. 

Nas artes, essa ideia de descartar quem não servia ficou consolidada na corrente Futurista (o velho, a mulher, os museus, os pensadores). Marinetti, o fundador dessa escola, viria a ser o primeiro grande mentor de Mussolini. O ultradireitista italiano viria a inspirar outro ser de baixo intelecto, um pouco mais a nordeste d a Europa.

Falar que pessoas que tenham problema de saúde ou idosas podem morrer que não tem problema não é realismo, é eugenia. São mortes evitáveis, essa é a chave. É a mesma ideia que permeou a cabeça dos nazistas quando eles diziam que deviam exterminar todos os homens inferiores - todos os não alemães. Não é à toa que Bolsonaro fala de seu  "porte atlético", o qual, em outra oportunidade, ele diz ter a ver com a disciplina que aprendeu na escola militar. (Porte atlético algum, assim como Hitler tampouco era alemão puro). E isso está ligado fortemente à maneira como o capitalismo se reorganiza na crise: essas pessoas não são a "mão de obra ideal" e são as primeiras da fila a serem descartadas quando o sistema trava.

Bolsonaro é nazista. Um nazista incompetente até para os padrões desse coletivo de amebas que tanto mal faz para o mundo

Dia 11 - Diário de Quarentena - CurvaDOC 2 - Coronavírus



Hoje eu vou contar para vocês como um resfriadinho matou 22 mil pessoas em três meses e colocou 1/3 da população mundial em quarentena.

terça-feira, 24 de março de 2020

Dia 8 - Diário de Quarentena - Coronavírus

Patrícia Reis:
"Diário de bordo dia 23 -03 2020

Hoje acordei mais tarde ainda, como eu sabia que as galinhas estariam sem ração desde ontem, em primeira mão olhei uns vídeos para saber como sair de casa. 

Usei álcool  líquido, máscara e na volta deixei as roupas do lado de fora e fui direto ao banho.

Nas ruas pouquíssimas pessoas, não achei nada aberto, encontrei somente o Falcão aberto e agora estão vendendo ração e sementes. 

A Ivone arrumou o balcão fechando a área livre da loja, sendo que o cliente não precisa entrar, achei bem responsável por parte dela. 

Todos estamos apreensivos, dá para notar pelo semblante das pessoas. 

Ao sair tinha uma mulher e uma menina que deve ser filha, a criança deve ter uns seis anos, ela veio me pedir trocado para comprar arroz. Eu perguntei onde ela mora e ela apontou o barracão que existe na beira da quadra, ela tem um carrinho de lanche que está escrito uma frase do tipo, de família, e eu doei um trocado. Fiquei pensando o que será dessas famílias tão desamparadas, a margem de qualquer resquício de dignidade de vida. 

As ruas vazias fica mais cômodo de dirigir. 

Enquanto as ruas estão quietas, a internet não. Voldemort é como me refiro a esse crápula que outros denominam presidente, fez uma medida provisória dando direito aos empregador de suspender um empregado que ficar em casa sem pagar o salário, a tarde já revogou, nunca vi uma medida provisória ter vida tão curta. Porém, ainda é uma múmia que fica fazendo briguinha imbecil que só prejudica a nossa sociedade brasileira. 

Assim que cheguei em casa dei ração para o Titi e a Cocó, estavam tão famintos que comeram o milho na minha mão. 

Depois que tomei banho fiz uma refeição a base de grãos e feijão, comi e fiquei assistindo a TV247. 

Dia nublado, uma chuva ligeira caiu e logo passou. 

Tem crianças na rua, mas, parece que são apenas duas. 

Recebi uma denúncia de um enfermeiro da HFA, que generais tentaram furar o isolamento do hospital para visitar o general Heleno, fiquei muito irritada, militar não presta para nada e ainda atrapalha. Lancei a campanha #QueremosEPI, porque o enfermeiro falou que precisava. Então, a gente fica em casa enquanto eles se expões e o máximo que fazemos é bater palmas, não dá, precisamos defende-los de alguma maneira. 

Enviei a denúncia ao Intercept, quem sabe decola a campanha. 

A briga está feia, e o povo no meio. 

Ficar vendo estatísticas me dá paura, então prefiro assistir a TV247 que entra nos meandros da política, é o que me mantém mais calma. 

Bom, por hoje é só."

David:
"
Ribeirao Preto, 23 de março de 2020

Algo que eu sabia que seria o maior desafio nessa quarentena é lidar com o João. Uma coisa é ficar confinado sozinho, ou com uma pessoa da sua idade, outra coisa é ter uma criança de dois anos, que não faz ideia do que está acontecendo lá fora, cheia de energias, testando os limites o dia inteiro. Para conseguir levar a situação, certamente os dois, eu e a Fernanda, precisamos trabalhar muito os freios e contrapesos - quando um estressa, outro tem que apaziguar, quando o outro perde a razão, um tem que chamar esse à realidade. Esse sistema falhou miseravelmente hoje. O João praticamente se amotinou contra a quarentena de manhã. Gritou a manhã inteira. A Fernanda não conseguiu ficar calma e eu em seguida. Estou mais estressado do que imaginei que estaria. Ontem conseguimos ficar o dia inteiro em casa praticamente, só saímos para abastecer o carro e ajudar o João a dormir depois do almoço. A cidade está bem mais vazia que domingo."


segunda-feira, 23 de março de 2020

Dia 7 - Diário de Quarentena - Coronavírus

Relato de Patrícia Reis:

"Primeiro dia de registro da quarentena. 

* 21 03 2020

Acordei às 9 13 h, meu despertar depois de 2013 é horrível, acordo com dor, um sono muito conturbado, com sensação pior do que quando adormeci. Por isso, fico na cama, fazendo respiração e meditação para conseguir normalizar. 

Levantei e percebi que o mundo está silencioso, o mundo está se curando também. 

Aguei as seis árvores que plantei para ajudar o mundo a ser mais equilibrado, lembrei-me de meu neto que está em Porto Portugal porque a vida ficou insustentável aqui no Brasil. Lembrei-me de meus filhos, de Talita e Junior, que estão pela primeira vez na vida com o direito de ir e vir cerceado, do meu neto lindo João que estou privada de ver. 

As galinhas, Titi e Cocó já estavam me esperando para alimentá-los, estão percebendo que sou o sustento, vieram bem pertinho. O silêncio do mundo quebrado pelos piu piu do Titi, é gostoso. O milho acabou, amanhã preciso encontrar onde vende, porque está em falta o milho. A feira estava fechada, não sei ainda como alimentá-los.  Anteontem só consegui comprar a ração dos gatos. O povo insandecidamente procurando papel higiênico, eu não quis entrar em fila grande, paguei caro pela ração, mas, quero evitar contágio porque sou asmática e tenho o problema de insônia, não quero ser mais uma pessoa na estatística. Complementei a alimentação do Titi e da Cocó com arroz que sobrou de ontem à noite. 

As árvores estão bem firmes, fiquei feliz de vê-las. 

Alimentei os gatinhos, e troquei a água. Eles estão bem calminhos, a Hypatia já entendeu que sou brava e espera quieta eu acabar de colocar a ração para depois comer, o Obiwan Filho não, ele é indisciplinado e quer comer como se não houvesse amanhã, acaba atrapalhando eu colocar a ração no pote, atrapalha a Hypatia: é o retrato de um bolsominion, pensei!

Voltei para dentro de casa, tomei banho e fiz um café. 

Higienizei meu computador, e liguei a TV no 247, que é o canal que me faz ficar mais equilibrada, eu inclusive me tornei membro, porque faz muitos anos que todo mundo que se aproxima de mim só quer fazer uma coisa, colocar um rótulo para me colocar numa caixinha, todos estão muito preocupados em arrumar alguém para colocar a culpa. 

Culpa de quê? Eu estou desde 2014 procurando essa resposta?

Enquanto isso o resto do mundo perguntando quem?

Estou em isolamento psicológico há muito tempo, por conta dessa atitude dos indivíduos, voltados ao ego, então para mim o isolamento social é até acalentador, parece que as outras pessoas estão sendo forçadas a fazer a pergunta que estou fazendo desde 2014, quando começou a escalonada vertiginosa do fascismo. É um momento singular para a humanidade. 

E fico pensando porque as pessoas são tão resistentes a perceber que o comunismo ☭  é a solução mais viável para o convívio mais justo para a humanidade. 

Vai pra Cuba (visão do coxinha)!

PT é comunista! PT se afastou da base (visão de um socialista que quer dizer PT NÃO É COMUNISTA)!

Intervenção já? (militares reformados que tem a ilusão que a ditadura militar foi boa, afe, esses são os mais egoístas e idiotizados, coloco na caixinha do meu modelo mental criou com a denominação “machistas”)

Como eu “vou ficar em casa” e sobreviver se sou ambulante e não tenho como alimentar a minha família! (esses são aqueles com que mais me preocupo, podem fazer quantas caixinhas quiser, são os únicos que podem reclamar, e eu não estou nessa categoria e peço desculpas alheias por eles estarem nessa condição). 

Peste Chinesa! Afe, como odeio gente de mente pequena, quando surgiu a epidemia em wuran tais aglomerados de gente de mente pequena ficava insuflando seu grupo com informações de preconceito com o comunismo, e imediatamente eu percebi essa armadilha mental social, fogem do debate de o quê para substituir a pergunta e afastar da solução, O que. Hoje sabemos que a China venceu e está na Itália ajudando-a a vencer o episódio mais triste de sua história moderna.

A TV 247 fala em Rede de Solidariedade, o que venho defendendo desde 2016, é engraçado ver o mundo descobrir o que venho alertando desde 2014.

A CNN mostrou que os Estados Unidos está distribuindo papel higiênico para a população, o capitalismo é hilário. Enquanto a favela preocupada em dar o que comer para o filho, a classe média capitalista preocupada com as cagadas. Imagem do dia:


                                 

 *Brasília em 21 03 2020, foto tirada por Patrícia, título da foto “desespero individual, devo me preocupar com as cagadas??”

Farei muita reflexão de hoje em diante nas perguntas, como abandonar o estado mínimo, como mostrar aos outros que a produção precisa estar sob controle, como construir um mundo globalizado sem “perder a ternura”, são tantas perguntas assim como infinitas respostas.

Vendo as notícias de ontem, tantas categorias lutando, uns na janela batendo panela “Fora Bolsonaro”, PCO defendendo que compremos máscaras e façamos assembleias porque os trabalhadores não devem pagar a conta, Lulistas lutando contra a burguesia tentando fazer o que o governo hipócrita não faz, minha família lutando para se adaptar em isolamento social sem perder a humanidade (família incluo aqui os meus irmãos não de sangue), rezando, cantando, tocando, dividindo informações, desesperados, e, às vezes caem nas armadilhas da mentira, esta mentira imbecil que nos colocou neste momento. 

Florestan inconformado e com muita valentia fala a verdade pra Bolsonaro no TV 247.

Eu fico me perguntando, por que até agora as pessoas ainda acreditam no estado mínimo? Paulo Guedes insistindo em reforma, dá vontade de dar um tiro na testa dele.

Os preconceitos estão se destruindo e reagrupando, e se impondo novos preconceitos, mas, o preconceito que me afeta como vítima é ver que os jovens não têm nenhum sentimento, porque muitos deles dizem, “EU ESTOU FORA DO GRUPO DE RISCO”.

Os jovens ainda não perceberam que é exatamente esse o problema, o seu egoísmo mata os outros e causa problemas até o dia que os problemas se voltarão contra ele mesmo, quer seja pela peste ou pela guerra. A solução é nossa ESCOLHA, os indivíduos em consonância diminuindo seu ego pela sensibilidade de sentir o coletivo."

sábado, 21 de março de 2020

Dia 5 - Diário de Quarentena - Coronavírus

Dia 5
Ribeirão Preto, 20 de março de 2020.

Precisei deixar de pagar o aluguel para conseguir ter uma reserva durante a crise do coronavírus. As coisas no serviço deram uma acalmada depois das intervenções que precisei fazer junto às empresas para não demitirem os estagiários. Alguns deles ameaçaram demitir os estagiários que entrassem em quarentena. O João foi para a casa da Célia, mas não sem antes passar por um complexo processo de desinfecção de todos os envolvidos. Cheguei atrasado ao Serviço e distribuímos computadores laptop, desktop, álcool gel e outras coisas mais para levarmos a nossas casas e supostamente iniciarmos o “teletrabalho” (que certamente não acontecerá).
O governo federal prometeu a concessão de mais bolsas família, mas cortou hoje 160 mil benefícios, sendo 60% do nordeste. 

A Espanha registrou 169 mortes em 24 horas e já tem mais de 17 mil casos. Em número de óbitos, a Espanha está atrás apenas da Itália. O governo aceitou que dois hotéis do centro de Madri fossem destinados para atender a pacientes sem sintomas graves, que não podem voltar para a casa para não contaminar familiares.

No Reino Unido, o cosplay do Trump não quer impor quarentena e apenas restringiu o transporte público. Lá há 3269 casos confirmados e 144 mortes. Já na França, acontece o contrário: mil pessoas foram multadas por sair de casa sem motivo. Há 11000 casos confirmados e 372 mortes. Os franceses podem trabalhar nas ruas somente se não conseguirem fazer isso em casa. Também podem ir ao mercado e a farmácia, além de se exercitar, desde que sozinhos.

O príncipe de Mônaco deu positivo para covid-19, a doença dos burgueses; aqui no Brasil, o número de infectados na comitiva presidencial subiu para 23 – todos, praticamente, estão com a doença, só a bailarina que não tem.

O vírus já chegou em praticamente todos os estados da Federação; o número de mortes confirmadas subiu para 7 (sete) e os casos confirmados para 651.
O Eduardo Bananinha, depois das desavenças de ontem, agora diz que não há nenhum problema diplomático entre o Brasil e a China. É a velha estratégia de dar de desentendido. Jair acha que o episódio é página virada, mas ninguém perguntou ao Xi Jinping o que ele está pensando. Até quando irão testar a nossa paciência?
JB voltou a criticar “medidas extremas” adotadas pelos estados. Witzel fechou a fronteira São Paulo-Rio de Janeiro, como se fosse o próprio presidente da República. É claro que o Bozo não gostou nem um pouco dessa história. Além disso, o Burro afirmou que as 7 mortes foram mais causadas pelas comorbidades do que pelo coronavírus - não dá vontade de pendurar esse animal de ponta cabeça num poste?
Em São Bernardo do Campo, a vigilância sanitária apontou irregularidades na empresa ATENTO, além de um grave risco de contaminação. A empresa se negou a liberar os funcionários de telemarketing e estes se organizaram e fizeram uma greve de dois dias. A Atento chamou a polícia para tentar intimidar os trabalhadores, mas eles resistiram ativamente e conseguiram mais uma visita da vigilância sanitária, a qual, desta vez, interditou de vez a empresa.
Já o Silas Malafaia realmente fez cultos contra o coronavírus no Rio de Janeiro, segundo maior epicentro da doença no Brasil; o Ministério Público entrou com uma representação contra ele para interditar os cultos presenciais, mas o TJRJ negou providência.
O número de casos na negacionista Holanda chegou a 2700 e o número de mortos subiu para 77. Mesmo assim, o Bolsonaro-Holandês não quer decretar o isolamento social. Vai ser um pandemônio.

Dia 4 - Diário de Quarentena - Coronavírus

Dia 4
Ribeirão Preto, 19 de março de 2020

O contágio avança pelo mundo. No Irã, uma pessoa morre de Coronavírus a cada dez minutos; na Itália, a contagem é um a cada quinze. O país latino, inclusive, já não tem mais como manter seus serviços funerários funcionando da maneira usual. Caminhões do exército foram mobilizados para retirar corpos das regiões mais afetadas e serem cremadas imediatamente nas cidades vizinhas. Os crematórios, no entanto, não estão conseguindo atender à demanda, tampouco. Os serviços funerários usuais, então, nem se fala: falta caixão, adorno e funcionários - eles estão contraindo o vírus e ficando incapacitados de trabalhar. 12 padres que ministração extremas uncoes morreram, o que fez com que o governo proibisse a administração do último sacramento. As pessoas que falecem, a maioria idosos e de insuficiência respiratória, além de morrer em condições precárias, morrem sozinhos, pois as famílias não podem visitá-los na internação; depois, são enterrados sem velório, pois o vírus ainda sobrevive uma caralhada de dias no corpo defunto.

O Eduardo Bolsonaro entrou numa querela diplomática com o Embaixador da China no Brasil depois de falar que o COVID-19 era a doença da China. O Embaixador respondeu duramente, inclusive falando que aqueles que humilham o povo chinês acabam se dando mal. A bancada do boi reagiu, falou que o Eduardo tá ficando louco, e por aí vai. O Mourão afirmou que o Eduardo não fala pelo governo brasileiro, e que se ele se chamasse "Eduardo Bananinha" ninguém iria dar bola para o que ele disse. Isso casou com a fama de "pau-pequeno" que ele tem desde que terminou com a Patrícia Lélis. O Ernesto Araújo soltou uma nota esquizofrênica cobrando desculpas do governo da China.

Dia 2 - Diário de Quarentena - Coronavírus

Dia 2
Ribeirão Preto, 17 de março de 2020

Hoje foi aniversário da Tálita. Ainda impactado pelo avanço da pandemia, pela primeira vez não houve aquela festa toda na nossa comunicação de aniversário. O tom era de preocupação. Diante da crise, minha irmã disse o quão dilacerante tem sido absorver as notícias da Itália. Contou-me sobre o caso do cara que ficou recluso em casa com o cadáver da irmã no quarto, por não haver como os médicos realizarem a verificação do óbito; disse que, segundo colegas italianos, isso tinha virado rotina e que ela estava muito triste, também, com a situação do Irã, que estava enterrando seus mortos em valas-comuns. O Irã, além de ter um sistema de saúde debilitado, sofre com os embargos econômicos dos ianques.

A contaminação já alcançou, definitivamente, escala global, com transmissão comunitária na maioria dos países. Preocupa, agora, como será essa pandemia nas favelas, nas ruas, e em países periféricos, como na África.
O Brasil registrou hoje o primeiro caso de morte e investiga mais quatro. Quem morreu foi um senhor de 62 anos, que apresentava comorbidades. Todas as vítimas estavam internadas no mesmo hospital, o Prevent Senior. Existe uma preocupação de que as outras quatro não sejam testadas para saber se elas tinham ou não covid-19, pois elas foram tratadas na rede particular. O pânico se instuarou porque o de cujus não tinha viajado ao exterior, o que significa tratar-se de caso de transmissão comunitária. Os primeiros sintomas apareceram no dia 10, sua internação se deu no dia 14. O caso não foi contabilizado no balanço oficial. Outros hospitais estão investigando 5 mortes, que também ainda não estão contabilizados no sistema oficial. O governo diz que há cerca de 30 casos graves em São Paulo. Não se tem o número exato porque, em um primeiro momento, as vítimas estão procurando a rede privada (não é à toa que o coronavírus está sendo conhecido como “a doença da elite”). Covas decretou estado de emergência em São Paulo, mas a restrição à circulação de pessoas foi tímida e as aulas estão sendo suspensas de maneira gradual (essa foi uma medida positiva, pois o trabalhador não pode deixar seus filhos com os avós); além disso, as salas de velório só podem comportar dez pessoas por vez.
O Dória cancelou todos os eventos públicos e dispensou os funcionários com mais de sessenta.

NO nível federal, o Burro Falante fechou a fronteira.. Com.. A VENEZUELA! Países com índice de contágio mais alto como a Argentina e o Paraguai, bem como a entrada de chilenos pelos aeroportos ainda está em modo open bar. Em contraste, a União Europeia fechou suas fronteiras internas e externas com todos os países do mundo.

A Itália está em calamidade. As autoridades de saúde e os serviços funerários já não tem mais onde colocar seus mortos e há rumores de que os médicos estão escolhendo quem vive e quem morre.

O brasil continua fazendo teste somente aos casos mais graves.

Dia 3 - Diário de Quarentena - Coronavírus

Dia 3
Ribeirão Preto, 18 de março de 2020
O governo de extrema-direita da Holanda afirmou que não vai fazer isolamento social para conter o avanço da doença. Já pode mudar seu nome para Nova Itália. Falou que o ideal é o povo pegar imunidade coletiva mesmo e lidar com a pandemia (e com as mortes) de maneira natural.  

À noite, recebi a notícia de que um paciente positivo para coronavírus havia participado do baile de formatura da FEARP, quando já estava infectado. Tive que afastar preventivamente todos os estagiários que tiveram no baile, ou que tiveram contato com quem teve contato com ele. Esse baile havia sido proibido pela USP devido à questão dos positivos da Poli e da FFLCH, mas a Comissão de Formatura descumpriu e fez a festa mesmo assim. Provavelmente temos vários infectados entre os alunos da USP e as pessoas de Ribeirão Preto. Uma treta surgiu em relação a dois alunos que teriam ido para esse baile, de acordo com uma técnica de laboratório, e que estavam pesquisando normalmente no dia de hoje. Tentei confirmar se era verdade, mas os alunos negaram; o orientador deles, no entanto, afirmou que era verdade. Instei o diretor ligar diretamente para os alunos e eles, mais uma vez, negaram. Não pude fazer nada quanto a eles.

Dia 1 - Diário de Quarentena - Coronavírus

Dia 1
Ribeirão Preto, 16 de março de 2020

Hoje é o primeiro dia de trabalho que o governo do Estado/Reitoria anuncia algumas medidas de restrição para conter o vírus. Medidas ineficientes, claro.

A maioria esmagadora da população uspiana ainda está tranquila com a questão da pandemia. Muitos não têm ideia do potencial destrutivo que essa doença, que cresce de maneira exponencial, pode ter. Alguns apenas ficam tristes pelo que está acontecendo na Itália, como se não houvesse perigo maior de acontecer de maneira sustentada aqui. E ainda há uma vasta maioria que acha que o vírus é como uma gripezinha, só que com sintomas mais fortes (“já tive dengue, esse corona aí eu tiro de letra”, ouvi de uma docente sexagenária).

Minha irmã me ligou para dizer o quanto o brasileiro não estava levando o caso a sério. Ela ficou chocada quando saiu na Euronews que, mesmo com restrições impostas pelo governo de Estado, o carioca resolveu lotar as praias de Copacabana, enquanto acontecia o Carnagado 2.0, com o próprio Bolsonaro rompendo a quarentena e infectando o seu rebanho. Ela me confidenciou que estava abalada, principalmente por causa de seus amigos que não tinham condições de ficar em espera em Portugal, uma vez que o câmbio estourou para quase 6 reais, e, também, pela situação dos velhinhos. Uma de suas amigas teve uma crise renal e precisou ir ao posto médico para receber medicamento; foi transferida para o Hospital São João, que estava abarrotado com pessoas com suspeita de coronavírus. Duas de suas amigas do mestrado estão cogitando voltar para suas cidades natal. A Tálita disse que o fator psicológico estava muito difícil e que estava sobrevivendo psicologicamente à quarentena à base de lives com seus amigos. Compartilhou comigo um bilhete que ela deixou à sua vizinha idosa, prontificando-se a ir no mercado, na farmácia, onde ela precisasse. A notícia da primeira morte foi especialmente dolorosa. O governo português, ao contrário do brasileiro, não poupou palavras para dizer que a crise era séria, que era esperado mais mortes e que era para a população se preparar

Após a mensagem do dia 15 de março, na qual os reitores se autodenominam como “os verdadeiros porta-vozes sobre a crise do covid-19" (risos para a prepotência bonapartista dessa galera iluminada, mas tosca), a Reitoria da USP emitiu outra mensagem à comunidade no dia de hoje. Decretou certas medidas, a serem implementadas a partir do dia 23 (PASMEM: mesmo com três casos confirmados na USP e certamente transmissão comunitária, as medidas valem somente para a semana que vem): suspensão de aulas a partir de amanhã e de quaisquer eventos (nessa semana, ele liberou eventos com até CEM pessoas, no entanto), manutenção das visitas aos museus, suspensão de viagens acadêmicas e das creches a partir de hoje, dispensa para o grupo de risco (idosos e pessoas com comorbidades) a partir do dia 23 e imposição de quarentena para egressos do exterior (14 dias). Foi definido que as aulas serão mantidas on-line. Para conseguir ser liberado é fácil, é só pedir o prontuário no SESMT, requerer o afastamento e ESPERAR ATÉ O DIA 23. Se você não morrer até lá, poderá ficar em casa. A atuação do sindicato tem sido no sentido de criar um movimento pela liberação de todos os funcionários, inclusive terceirizados, e, se não conseguir a totalidade, daqueles que apresentem filhos em idade pré-escolar; muitos estão deixando seus filhos com os avós, o que é completamente desaconselhável. Outra reivindicação é a realização de trabalho remoto ou, pelo menos, revezamento. O diálogo, no entanto, tem sido difícil, quando não impossível.
O Sintusp e a Adusp tinham uma reunião marcada para tratar sobre as medidas com a Reitoria; foram deixados de molho ao sol por uma hora e meia e, na hora H, quem se reuniu com eles foi o Chefe de Gabinete.  Nada foi decidido, mas a Reitoria certamente ficou sabendo que os funcionários que estão no epicentro da crise estão bem irritados. Paralelamente a isso, as Unidades fizeram assembleias para aprovar greve, forçando a Reitoria a tomar um posicionamento mais contudente. 11 unidades aderiram à paralisação, com início a partir de amanhã, entre elas: EE, FAU, ECA, FE, CINUSP e FOFITO.

A FEA e a FD descumpriram a ordem do Reitor e continuaram as aulas presenciais; em compensação, o Jorge Souto Maior, chefe do Departamento de Direito Trabalhista, seguiu o exemplo da Unicamp e dispensou TODOS os funcionários.
Além da assembleia esvaziada que tivemos em Ribeirão Preto, tivemos que participar de mais duas reuniões: uma com o Prefeito, para tentar acertar a escala da Guarda Universitária, uma vez que uma das pessoas estava com suspeita de covid-19, e outra com o SESMT, depois que o Serviço de Verificação de Óbitos afirmou que não poderiam fazer necropsias em pessoas falecidas com suspeitas de coronavírus por falta de EPI. Já imaginou que catástrofe quando essa doença chegar em Ribeirão Preto?

Os prazos processuais no Judiciário foram suspensos. A maioria dos tribunais estão com todas as audiências e atos processuais suspensos e somente funcionando o plantão. Dória decretou férias imediatas a servidores que tem direito: passar as férias em quarentena é uma beleza!

O Paulo Guedes antecipou o abono e o 13º do INSS, duas medidas que não farão nem cócegas ao problema que se apresenta. Disse que se todos ficarem em casa, o país entra em colapso – o chicagoboy tá aprendendo que o patrão não faz nada sem o trabalhador... Além disso, disse que deveríamos copiar o modelo da Inglaterra, que não impôs quarentena, instando os jovens a circular pela cidade. Um gênio.

A Espanha nacionalizou temporariamente todos os hospitais privados e a França suspendeu o pagamento de água e luz.

Dia 0 - Diário de Quarentena - Coronavírus

Dia 0


Ribeirão Preto, 15 de março de 2020

Há quatro dias a USP registrava o seu primeiro caso de coronavírus, Thiago, um aluno da FFLCH. O Departamento de Geografia tratou o caso com extrema leniência e avisou que não iria suspender as aulas; porém, a pressão foi maior e a FFLCH suspendeu as aulas por 1 dia, retornando no dia seguinte.

De acordo com o aluno infectado, na primeira vez que ele foi no HU, foi tratado com desdém pelos enfermeiros, dizendo que as pessoas estavam em histeria coletiva. Na verdade, ninguém estava se importando muito com a PANDEMIA de Coronavírus, que havia sido decretada com total atraso pela OMS, dois dias depois da infecção do aluno. O caso, porém, já havia feito estragos na China, Coreia do Sul e Irã, e já começava a deixar um rastro de morte na Itália. A USP seguiu a linha do governo Bolsonaro de dizer que não era motivo para pânico para não gerar histeria.
No dia 9, a Arábia Saudita aumentou drasticamente o volume de produção de petróleo e as bolsas derreteram. O gesto era um enfrentamento à Rússia, que não queria diminuir o volume de produção de hidrocarbonetos. O pânico foi agravado pelo aumento de casos de Coronavírus no mundo. No dia seguinte, a Itália bateu recorde no número de mortes mundiais pela doença, deixando para trás o Irã e a China. O mundo, de maneira geral, ficou em choque, mas, no Brasil, as pessoas seguiam a sua vida e faziam piada (como sempre) da situação

O ponto de virada foi quando o Fábio Wajngarten, da SECOM, foi confirmado como positivo para Coronavírus. Outros da comitiva presidencial começaram a sentir alguns sintomas e ele - Jair Bolsonaro - precisou fazer o teste do coronavirus. A ironia disso tudo é que Wajngarten teria contraído a doença um pouco antes de se encontrar com Donald Trump e teria contagiado todo mundo.

Pela internet, Bolsonaro convocou seu rebanho para o ato do dia de hoje; Eduardo informou à Fox que o teste de seu pai havia dado positivo, mas depois que o furo saiu, voltou atrás e envergonhou o Brasil dessa vez nos Estados Unidos. Era uma jogada para desacreditar a imprensa, mais uma vez.
O meu motivo de tentar escrever esse diário de quarentena é que, já no dia 10, eu sabia que tudo iria sair do controle. Quem sabe um pouco de matemática e o mínimo de política não precisa de muito para ligar lé com cré.
Fizemos uma reunião ainda no dia 13, no sintusp, para pressionarmos a USP a nos dispensar das funções na segunda-feira, em razão da contaminação do aluno da FFLCH. Nada foi feito
Tive contato com uma docente que veio da França, país extremamente contaminado, na quarta-feira. Ela deu um bolo para a uma funcionária próxima para comemorar o seu aniversário. Cumprimentei-a à brasileira; não sabia que ela havia voltado da França. Achei-a irresponsável.

Fiz duas reuniões para tratar do assunto do coronavírus, como representante dos funcionários: uma com o Diretor, para demandar a difusão de informações sobre a doença, a colocação de álcool gel em todos os relógios de ponto e o afastamento sumário de um funcionário que estava na Espanha e de qualquer funcionário que voltar do exterior, por pelo menos quatorze dias, sem prejuízo dos vencimentos, tanto com o Assistente, quanto com o Diretor. Os dois me deram garantias que eles não pisariam no ambiente de trabalho

Dia 6 - Diário de Quarentena - Coronavírus.


Dia 7

21 de março de 2020


Hoje foi o primeiro dia que o João ficou em casa. Um verdadeiro inferno! O menor queria ir para a rua toda hora, não conseguia se conformar em não fazer barulho. A Fernanda está com uma inflamação no olho que provavelmente precisará de antibiótico, mas não posso levá-la ao médico. A rotina foi a seguinte: de manhã, João assistiu TV, depois brincamos um pouco com seus brinquedinhos, em seguida levei-o para comprar ração e areia pros gatos e cigarro. Depois, almoçamos, ele ficou arrastando os carrinhos no chão, batucando nos potes e chorando histericamente quando contrariado. Ele quer toda hora lavar as mãos na pia. Depois do almoço, conversei por videochamada com a minha família para colocarmos a situação de todos em dia. Eu não sei se o começo ou mais pra frente vai ser a maior dificuldade com o João, porque ele está muito acostumado ainda a paseear, mas e o tédio?


A via nas ruas ainda não parou. Apesar de boa parte dos comércios terem fechado, e alguns estarem atendendo em regime de entrega ou retirada (como o Tiragosto), as pessoas continuam não evitando aglomeração e muitas estão indo, ao mesmo tempo, nas poucas lojas que desafiaram a determinação. Cerca de 5% das pessoas que vi estão utilizando máscaras, acredito que sem ter corona ou gripe. O parque Maurílio Biaggi estava aberto e continha um número razoável de pessoas. Um amigo meu, que é do grupo de risco, teve que se arriscar para buscar seu filho no Rio de Janeiro, pois ele não havia conseguido voltar de ônibus e as rodoviárias foram fechadas.


Ribeirão Preto confirmou cinco casos e descartou outros 17 para coronavírus. O problema é que há mais 200 testes na fila e, se for tomar a proporção, possivelmente desses 200, teremos a confirmação de pelo menos 40. Temos apenas 400 leitos de internação, se levarmos em consideração o tempo de duplicação do Brasil, e se o prefeito nada fizer, em nove dias não haverá leitos para todo mundo (isso se ninguém ficar doente por outros motivos). Foi decretado estado de emergência.


Uma crise muito séria e silenciosa tem se colocado no âmbito estadual. Diante da inércia presidencial, muitos governadores têm forçado o pacto federativo ao limite: o Witzel ordenou o fechamento das fronteiras do Rio de Janeiro, de aeroportos estaduais e a proibição de cultos e missas presenciais; o Dória decretou a quarentena forçada, com uso da força policial, depois da notícia da 15a. morte no Estado; os governadores do Nordeste, depois do imbróglio diplomático que o Dudu Bananinha criou com a Embaixada Chinesa, estão fechando verdadeiros acordos internacionais com a China. Tudo isso certamente terá impactos constitucionais ou destitucionais após a crise sanitária, especialmente com a crise econômica à vista.


Na esfera federal, Jair criticou Witzel e Dória e editou uma MP proibindo os Estados de fecharem aeroportos e cultos religiosos. Estimulou as pessoas a tomarem remédio de malária para tratar de coronavírus e falou que o Exército iria providenciar um carregamento do medicamento; a Anvisa avisou que não é recomendado tomar o medicamento e pediu para quem havia comprado para devolver às farmácias. A previsão do PIB caiu a zero, mas eu acho que o tombo vai ser, pelo menos, de -5% esse ano; os economistas relutam em entender a situação, talvez porque passaram a vida em quarentena do resto da população e não entendem que tudo mudou. Outra coisa que preocupa é a tendência ao autoritarismo que essas crises geram. Teremos muitos desafios para lidar daqui para frente.


O cidadão-de-bem deu uma entrevista ao Ratinho e estava completamente rouco; um Gif da reunião ministerial está circulando com Jair tossindo fortemente ao fundo. Este cara está com covid-19 e passou para um monte de gente na manifestação do dia 15; pelas contas, dentro de dois dias não haverá mais como ele esconder e provavelmente pode acontecer uma internação, devido à idade e às comorbidades que ele certamente tem.


A Espanha registrou 200 e lá vai fumaça de mortes em um dia e a Itália pra lá de 720. A situação já saiu completamente do controle na Lombardia, tanto que a equipe chinesa que está avaliando a situação para tentar estancar o contágio cornetou que o transporte público continua funcionando normalmente em muitas partes, que a atividade econômica continua quase que normalmente e que ainda há festas (!) acontecendo em hotéis, os quais deveriam estar fechados há muito tempo. Porra, Itália, colabora! Enfim, parece que, depois de muito os governadores encherem o saco do governo central, o Exército vai ser colocado na rua para impedir a circulação de pessoas. Os alemães descobriram um possível inibidor do sars-cov-2, que pode impedir que ele se replique; aliás, a Alemanha é um caso interessante: ela tem diagnosticado cedo os casos e apresenta um invejável índice de recuperação. Além disso, um de seus estados abriu a possibilidade de receber doentes da França, mesmo tendo mais casos que ela. A Inglaterra, governada pelo conservador Boris Johnson, aprovou a maior medida de justiça social de sua história: o governo vai garantir os salários de todos os trabalhadores por três meses e isentar o empresariado de pagar o IVA, que é tipo o ICMS deles 


Cuba e China estão fazendo uma incrível diplomacia sanitária. Médicos cubanos foram enviados para diversos lugares que, inclusive, embargam a república socialista, como a Itália, além de ter permitido o atraque de um navio inglês com doentes com coronavírus. Somente agora ela resolveu fechar as fronteiras aéreas, depois de protesto da população, mas, por enquanto a doença está controlada na ilha. China está mandando médicos e equipamentos para meio mundo.


Por fim, os Estados Unidos seguem minando o seu prestígio, optando por chamar o covid-19 de "vírus chinês'. Um escândalo emergiu a partir da Alemanha, quando tornou-se público que o governo Trump queria comprar a exclusividade da vacina contra o patógeno. A Alemanha interveio e o instituto responsável pela pesquisa disse que a vacina será para todo o mundo.