sábado, 21 de março de 2020

Dia 1 - Diário de Quarentena - Coronavírus

Dia 1
Ribeirão Preto, 16 de março de 2020

Hoje é o primeiro dia de trabalho que o governo do Estado/Reitoria anuncia algumas medidas de restrição para conter o vírus. Medidas ineficientes, claro.

A maioria esmagadora da população uspiana ainda está tranquila com a questão da pandemia. Muitos não têm ideia do potencial destrutivo que essa doença, que cresce de maneira exponencial, pode ter. Alguns apenas ficam tristes pelo que está acontecendo na Itália, como se não houvesse perigo maior de acontecer de maneira sustentada aqui. E ainda há uma vasta maioria que acha que o vírus é como uma gripezinha, só que com sintomas mais fortes (“já tive dengue, esse corona aí eu tiro de letra”, ouvi de uma docente sexagenária).

Minha irmã me ligou para dizer o quanto o brasileiro não estava levando o caso a sério. Ela ficou chocada quando saiu na Euronews que, mesmo com restrições impostas pelo governo de Estado, o carioca resolveu lotar as praias de Copacabana, enquanto acontecia o Carnagado 2.0, com o próprio Bolsonaro rompendo a quarentena e infectando o seu rebanho. Ela me confidenciou que estava abalada, principalmente por causa de seus amigos que não tinham condições de ficar em espera em Portugal, uma vez que o câmbio estourou para quase 6 reais, e, também, pela situação dos velhinhos. Uma de suas amigas teve uma crise renal e precisou ir ao posto médico para receber medicamento; foi transferida para o Hospital São João, que estava abarrotado com pessoas com suspeita de coronavírus. Duas de suas amigas do mestrado estão cogitando voltar para suas cidades natal. A Tálita disse que o fator psicológico estava muito difícil e que estava sobrevivendo psicologicamente à quarentena à base de lives com seus amigos. Compartilhou comigo um bilhete que ela deixou à sua vizinha idosa, prontificando-se a ir no mercado, na farmácia, onde ela precisasse. A notícia da primeira morte foi especialmente dolorosa. O governo português, ao contrário do brasileiro, não poupou palavras para dizer que a crise era séria, que era esperado mais mortes e que era para a população se preparar

Após a mensagem do dia 15 de março, na qual os reitores se autodenominam como “os verdadeiros porta-vozes sobre a crise do covid-19" (risos para a prepotência bonapartista dessa galera iluminada, mas tosca), a Reitoria da USP emitiu outra mensagem à comunidade no dia de hoje. Decretou certas medidas, a serem implementadas a partir do dia 23 (PASMEM: mesmo com três casos confirmados na USP e certamente transmissão comunitária, as medidas valem somente para a semana que vem): suspensão de aulas a partir de amanhã e de quaisquer eventos (nessa semana, ele liberou eventos com até CEM pessoas, no entanto), manutenção das visitas aos museus, suspensão de viagens acadêmicas e das creches a partir de hoje, dispensa para o grupo de risco (idosos e pessoas com comorbidades) a partir do dia 23 e imposição de quarentena para egressos do exterior (14 dias). Foi definido que as aulas serão mantidas on-line. Para conseguir ser liberado é fácil, é só pedir o prontuário no SESMT, requerer o afastamento e ESPERAR ATÉ O DIA 23. Se você não morrer até lá, poderá ficar em casa. A atuação do sindicato tem sido no sentido de criar um movimento pela liberação de todos os funcionários, inclusive terceirizados, e, se não conseguir a totalidade, daqueles que apresentem filhos em idade pré-escolar; muitos estão deixando seus filhos com os avós, o que é completamente desaconselhável. Outra reivindicação é a realização de trabalho remoto ou, pelo menos, revezamento. O diálogo, no entanto, tem sido difícil, quando não impossível.
O Sintusp e a Adusp tinham uma reunião marcada para tratar sobre as medidas com a Reitoria; foram deixados de molho ao sol por uma hora e meia e, na hora H, quem se reuniu com eles foi o Chefe de Gabinete.  Nada foi decidido, mas a Reitoria certamente ficou sabendo que os funcionários que estão no epicentro da crise estão bem irritados. Paralelamente a isso, as Unidades fizeram assembleias para aprovar greve, forçando a Reitoria a tomar um posicionamento mais contudente. 11 unidades aderiram à paralisação, com início a partir de amanhã, entre elas: EE, FAU, ECA, FE, CINUSP e FOFITO.

A FEA e a FD descumpriram a ordem do Reitor e continuaram as aulas presenciais; em compensação, o Jorge Souto Maior, chefe do Departamento de Direito Trabalhista, seguiu o exemplo da Unicamp e dispensou TODOS os funcionários.
Além da assembleia esvaziada que tivemos em Ribeirão Preto, tivemos que participar de mais duas reuniões: uma com o Prefeito, para tentar acertar a escala da Guarda Universitária, uma vez que uma das pessoas estava com suspeita de covid-19, e outra com o SESMT, depois que o Serviço de Verificação de Óbitos afirmou que não poderiam fazer necropsias em pessoas falecidas com suspeitas de coronavírus por falta de EPI. Já imaginou que catástrofe quando essa doença chegar em Ribeirão Preto?

Os prazos processuais no Judiciário foram suspensos. A maioria dos tribunais estão com todas as audiências e atos processuais suspensos e somente funcionando o plantão. Dória decretou férias imediatas a servidores que tem direito: passar as férias em quarentena é uma beleza!

O Paulo Guedes antecipou o abono e o 13º do INSS, duas medidas que não farão nem cócegas ao problema que se apresenta. Disse que se todos ficarem em casa, o país entra em colapso – o chicagoboy tá aprendendo que o patrão não faz nada sem o trabalhador... Além disso, disse que deveríamos copiar o modelo da Inglaterra, que não impôs quarentena, instando os jovens a circular pela cidade. Um gênio.

A Espanha nacionalizou temporariamente todos os hospitais privados e a França suspendeu o pagamento de água e luz.

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