A votação da Partilha
O
grau de interesse brasileiro pela Questão Palestina é pouco expressivo.
A Política Externa Brasileira se orienta em utilizar suas posições
naquela região para traduzir e projetar suas posições em defender um
arranjo da ordem internacional mais favorável ao Brasil, ou seja, uma
ordem multipolar. Não obstante, o voto brasileiro no caso da Palestina,
quando da eclosão da problemática em 1945, foi visando a metas de curto
prazo, no caso, o alinhamento com os Estados Unidos (a troco de nada).
Sob Lula, o Oriente Médio voltou a ter espaço na agenda internacional brasileira. O Brasil participou, a convite da Casa Branca, da Conferência de Annapolis, em 2007, ocasião em que voltou-se a haver a discussão do processo de paz entre palestinos e israelenses. O chanceler brasileiro, Sr. Celso Amorim, reconheceu que o Brasil não poderia sonhar em ter um papel concreto na resolução do litígio, mas poderiam chamar a atenção par a alguns problemas -- tal como era o papel do coro no teatro grego.
Voltando-se
para antes de 1945, chegamos a um Brasil semifascista e antissemita
governado por Getúlio Vargas, no período conhecido como Estado Novo.
Quando a Segunda Guerra Mundial chegou ao fim, GV não resistiu à onda
democratizante que surgiu, a qual vinha somada ao intervencionismo
americano.
A
coisa era tão explícita que o embaixador dos Estados Unidos chegou a
discursar em sindicatos e nos jornais, a favor de Getúlio Vargas, mas
contra o Queremismo e a Constituinte com Getúlio. Embora de forte
ingerência, a historiografia oficial diz que Vargas autorizou o conteúdo
dos discursos. Não obstante, a União Democrática Nacional (avô do PMDB)
e a imprensa (o velho PiG, já muito atuante naquela época) fizeram uma
interpretação do discurso mais voltada às suas pretensões liberais, e
transformaram o não apoio do embaixador ao Queremismo em um apoio à
democratização. Embora tenham ajudado a balançar o galho, os Estados
Unidos não foram os responsáveis pela queda de Getúlio Vargas.
Durante
o Estado novo, a PEB pregava uma equidistância pragmática entre os dois
polos de poder emergentes, os Estados Unidos e a Alemanha nazista.
Paulatinamente e fazendo uso de muita barganha política, Vargas foi
transformando a equidistância em um alinhamento negociado com os Estados
Unidos. Vão-se os dedos, ficam-se os anéis. Acaba a Segunda Guerra, cai
Getúlio Vargas e entra o presidente Dutra, o eterno BR-116, o vendilhão
que trocou o alinhamento pragmático pelo alinhamento automático,
esperando prebendas dos Estados Unidos por apoiar suas posições
imperialistas no cenário internacional. Apoiavam Eurico Gaspar Dutra a
burguesia agrária conservadora e a nova burguesia industrial, todos
muito medrosos com o "esquerdismo" das camadas populares, aquele velho
medo que o opressor tem de que o oprimido entenda que é ele quem banca a
boa vida do primeiro.
A democracia era meramente formal. Incorporava muito do corporativismo e das medidas restritivas de direitos de segurança nacional do Estado Novo. O PCB conseguiu se reorganizar em poucos meses e conseguiu uma expressiva bancada para a constituinte e, por isso, foi preciso aos barões cassar sua inscrição eleitoral.
No plano internacional, o Brasil queria ser parceiro preferencial dos Estados Unidos, e assim achava que seria ao dizer "amém" para tudo o que os gringos queriam. A subserviência era tamanha, que o rompimento de relações com Stalin, sem o menor motivo jurídico ou econômico, seria o emblema do quanto o Itamaraty estava prostrado perante o tio Sam, sem ganhos nenhuns, pois os novos arranjos internacionais excluíam o Brasil.
O MRE estava nas mãos de Raul Fernandes (UDN), que tinha O Estado de São Paulo como seu aliado/patrão midiático. A delegação brasileira na ONU era comandada por Oswaldo Aranha, o qual, apesar de ter uma notória rivalidade com o BR-116, não perdeu seu lugar na política internacional brasileira, graças ao seu prestígio na área. A diferença básica entre o posicionamento do chanceler Raul Fernandes e do chefe da delegação brasileira Oswaldo Aranha é que o primeiro achava que ao Brasil não cabia discordar do voto americano nos organismos multilaterais; já o segundo era a favor do alinhamento pragmático com os Estados Unidos.
Dutra e Raul acreditavam piamente que uma terceira guerra mundial estava prestes a acontecer e que era necessário formar um bloco contra o comunismo; o estressamento deliberado das populações por parte das superpotências influenciou o governo brasileiro. Aranha, no entanto, sabia que era remota a possibilidade de um conflito internacional de grandes proporções, uma vez que existia até mesmo um certo grau de colaboração entre os dois condomínios no sistema ONU. Para ele, não era muito inteligente fazer de nossa solidariedade com a causa americana uma servidão.
Oswaldo Aranha foi eleito presidente da primeira sessão ordinária da Assembleia Geral da ONU e começou a ganhar voz, fazendo com que o BR-116 precisasse afirmar formalmente que seguiria a linha de Raul Fernandes. O peso de Oswaldo Aranha na diplomacia brasileira era tão grande que, mesmo sem o apoio de Raul Fernandes ou do Departamento de Estado americano, seria reconduzido à presidência da sessão ordinária da Assembleia Geral, voltando de Nova Iorque como o maior estadista do Brasil desde o Barão do Rio Branco. Aranha queria a neutralidade brasileira e Fernandes queria apoiar, aumentando os vínculos, achando que assim esse apoio seria revertido em benefícios em favor dos brasileiros, especialmente com relação à superioridade militar na América do Sul e na construção da Nova Ordem Internacional; os Estados Unidos, não obstante, não tinham o menor interesse em conceder vantagens especiais ao país sul-americano, o que foi confirmado pela Missão Abbink.
O
resultado desse processo foi o Brasil votar juntamente com os Estados
Unidos, apesar das pressões dos imigrantes sírio-libaneses do país, que
conformavam 10 vezes mais representantes do que os judeus. Portanto,
apesar de ter preferido a formação de um único Estado em que convivessem
harmoniosamente judeus e palestinos, sob o arranjo de uma federação, a
política externa brasileira não teve espaço para ser formulada e levada
ao debate internacional.
Outro fator que fez os brasileiros penderem pro lado americano foi a esperança de encontrar o seu apoio nos problemas da Bacia da Prata, onde Juan Domingo Perón fazia um governo populista que era entendido como comunista pelos sofistas oligárquicos da época.
Tanto a Liga Árabe quanto o movimento sionista fizeram pressão para ganhar o apoio brasileiro na Questão Palestina.Cabe ressaltar, no entanto, que o movimento sionista era muito mais organizado e tinha um poder de expressão muito maior do que os árabes. Foi graças a essa pressão, por exemplo, que BR-116 revogou a proibição de 1938, decretada por Vargas, no qual os imigrantes judeus eram tidos como indesejáveis.
Raul Fernandes desejava a equidistância dos judeus e dos árabes. De acordo com suas comunicações, a melhor atitude que a delegação poderia tomar seria a abstenção, dada a oposição dos árabes à partilha e a existência de uma grande comunidade sírio-libanesa no Brasil; mas, se isso significasse não alcançar 2/3 para que a resolução fosse aprovada, deveríamos votar com as grandes potências. Com a criação do Estado de Israel, haveria um acirramento das contendas. Mesmo sendo preconceituoso, por ter supostamente favorecido a causa sionista, Aranha foi considerado "amigo de Israel". Cabe lembrar que no mundo inteiro, e no Brasil não seria diferente, o nacionalismo foi sobrepujado pela Guerra Fria.
Carlos Lacerda, jornalista brasileiro que atuou nos golpes contra Getúlio Vargas, que acabaram levando-o ao suicídio, adota uma posição crítica com relação ao apoio brasileiro à causa sionista. Primeiramente, questiona a legitimidade dos judeus em reclamarem aquele torrão de terra, uma vez que os árabes estavam lá assentados há mais de duzentos anos; questiona também que toda essa problemática foi levada a cabo graças aos Estados Unidos, uma vez que era de seu interesse dividir o território em dois estados, graças à sua grande e influente comunidade judaica. Levantou também a hipótese de que os principais povos vencedores da Segunda Guerra, apesar de comover suas populações com o Holocausto, não queriam os povos judaicos em seus territórios, e por isso queriam exportá-los para um lar nacional bem longe. Discordava também da absurda ideia de o Brasil mandar soldados para compor as tropas da ONU, para morrer por uma promessa que Lord Balfour fez a Lord Rothschild, sendo que nenhum dos dois pertenciam à Palestina -- era um crime contra a autodeterminação dos povos, claramente.
O primeiro-ministro egípcio, Nakrashi Pasha, disse: "O seu país é um dos responsáveis pelo sangue que vai correr na Palestina". E assim tem sido.
As posições do Brasil imediatamente posterior à partilha da Palestina.
Finda a votação e depois do circo da declaração de independência dos israelenses, os exércitos dos países árabes que circundam a Palestina invadiram o território, como haviam prometido caso Israel fosse aceito pela ONU. Rolou então a Guerra de Independência. A internacionalização de Jerusalém não aconteceu, sendo ela partilhada entre Israel e Jordânia.
O Brasil tomou algumas atitudes que foram denunciadas como incoerentes, mas que tinha um motivo muito bem claro. Recusou-se a reconhecer Israel de direito e absteve-se na votação para o seu ingresso na ONU, relutando-se a estabelecer relações diplomáticas. A primeira motivação era comum da direita delirante desse país: ...Não ria, pf... Okay. Raul Fernandes e Dutra tinham medo de que o governo provisório israelense estivesse contaminado por alienígenas comunistas. Havia também a preocupação em não prejudicar as relações árabes e um legado antissemita deixado pelo Estado Novo entre os funcionários do Itamaraty, que dizem que se sobrepunha ao trabalho de Aranha.
No entanto, o motivo internacional mais coerente para a abstenção e para o não reconhecimento de Israel era o não cumprimento da res. 181, principalmente no que diz respeito ao Estatuto de Jerusalém.
À medida em que o cenário vai se definindo, a abstenção vai perdendo a credibilidade, uma vez que havia o interesse brasileiro que todas as nações tivessem representação nas Nações Unidas. A influência do Vaticano também não pode ser negligenciada, pois também queriam a internacionalização de Jerusalém e livre acesso à Cidade Santa.
A partir de 1948, começou a ficar claro para a diplomacia brasileira de que a ajuda econômica americana não viria e que o Brasil estava relegado a segundo plano nas relações internacionais. Como reação, o Itamaraty começou a formular discursos "principistas e moralistas", apegando-se à letra do direito internacional. Uma postura de maior cautela foi adotada e uma fervorosa defesa dos princípios da Carta de São Francisco iniciou-se. Portanto, as posições com relação a Israel podem ser entendidas também como sintoma desse ressentimento. A partir de 1949, já não existia mais aquele medo latente da terceira guerra mundial e o Brasil voltava-se para dentro, para as eleições.
A Comissão de Diplomacia da Câmara dos Deputados também opinou por retardar o conhecimento, tendo em vista que havia uma grande indefinição nas dimensões do território do novo estado; poucos sionistas no Brasil (10% do número de árabes); uma grande comunidade árabe; e uma clara violação da Resolução 181. Os judeus entenderam que isso fazia parte do jogo político e lançaram uma ofensiva, acusando a massa do Itamaraty como os responsáveis pela paralisia.
Houve também um congelamento de expectativas. Em 1951, Getúlio Vargas anunciou relações diplomáticas com Israel. O estadista prometeu que as questões internacionais seriam tratadas de forma diferente da época do chanceler Raul Fernandes; não obstante, a política externa com relação a Israel não mudaria, ainda que alguns cidadãos judeus fossem escutados pelo presidente.
Ou seja, durante o período Dutra, o Brasil perdeu uma enorme autonomia e Getúlio Vargas utilizava a Questão Palestina como uma forma de enunciar sua linha de ação mundial.
Os motivos para não se chegar a um acordo com relação à partilha podem ser sintetizados como sendo frutos:
1) do sionismo inflexível, incapaz de aceitar um meio termo e uma partilha do território que sequer eram deles;
2) do oportunismo árabe, que também se via inflexível até perder quase todo o território e não aceitar negociar a partilha de forma sincera;
3) da fraqueza dos órgãos multilaterais, tanto a falta de autoexecutoriedade da vontade da AG/ONU, quanto da paralisia do Conselho de Segurança, graças ao poder de veto dos dois grandes condomínios de poder: EUA e URSS.
Atualmente, as ocupações de Israel em áreas palestinas colocam dificuldades em achar uma solução para o conflito. A paz parece estar longe por essas bandas.
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