A maioria das construções filosóficas preocupam-se com a origem do homem, do mundo, das coisas, como premissa básica para extrair daí sua ética e sua moral. Minha proposta é diferente. Escolherei construir minha escola filosófica a partir de uma premissa que não tem nada a ver com isso e que remete muito a Descartes: a vinculação da nossa consciência com a nossa existência. Porém, tomando um caminho diverso ao que o holandês tomou, não irei aceitar a perfeição como o extremo de uma régua existente, pois isso significa negar o racionalismo; pelo contrário, vou aceitar o racionalismo como uma fonte de verdades práticas.
E, a partir disso, preferirei construir todas as minhas convicções e tirarei conclusões práticas para a vida. Portanto, adota-se a máxima fundamental: "tudo pode ter uma explicação lógica refutável". Afirmando-se isso, a ideia da existência de deus tem que ser negada, inclusive como mero ente criador, pois disso advém uma consequência lógica terrível -- a possibilidade de censura.
O pentecostal mais afoito, que bate na porta de sua casa aos domingos, tem então toda a liberdade de te perguntar (na verdade, eu acho que deveria ser crime bater na casa dos outros domingo de manhã...): "se as coisas vieram de uma grande explosão, de onde veio a explosão?". A fé determina que esse cara seria deus, mas o cético pode responder com uma interpelação: "Se for deus, quem criou deus?". A resposta mais comum é a seguinte: "ele simplesmente surgiu e não cabe a mim questionar". Com isso, dá para notar qual que é a dinâmica óbvia da fé, qual seja, a aceitação de um conceito dito por alguém que está no ramo da charlatanice há mais tempo. E o que me faz provocar ainda mais a necessidade desse deus-atômico é o seguinte: se deus surgiu do nada, ou se não cabe a nós questionar sua origem, por que não podemos simplesmente acreditar que as coisas surgiram do nada e não há utilidade prática em questionar sua origem? Por que precisa-se criar um segundo ator nesse processo de criação, cuja existência somente troca a problemática de lugar? Por isso, é melhor escolher o caminho mais difícil, mas muito mais esclarecedor, que é não acreditar na intervenção divina sobre a natureza.
A próxima pergunta a se responder é: por qual motivo uma pessoa deve escolher a racionalidade em detrimento da fé? Em primeiro lugar, a fé traz segurança e conforto, além de desabonar o indivíduo das responsabilidades sobre os problemas do mundo e, em muitos casos, retirando de si o controle da própria vida e do mundo que o cerca, trazendo a noção de "destino", de vontade divina que sobrepuja suas próprias vontades. Trata-se, na verdade, de o ser humano optar por se considerar fora do sistema de funcionamento das coisas. Já a racionalidade (verdadeira, e não a mera replicação de valores) nos traz insegurança e inquietude, porém, ao se formar uma convicção, enche-nos de confiança e autoestima; faz-nos compreender que existe um sistema de responsabilidades do qual fazemos parte e que buscar descobrir quais são essas responsabilidades é um dos estágios para a autoaceitação. E nesse processo de descoberta, percebe-se que muito tem a ver com os valores que a pessoa adota para si, quer seja um produto do meio, quer seja por construção, mas sempre através da interpretação sobre o que se percebe das coisas.
A replicação é um mecanismo de falsa racionalidade. Trata-se da reprodução de um discurso, inventado por algum interlocutor geralmente com uma intenção bem definida, mas sem confrontar esse discurso com outros, procurando sempre evitar fontes que possam refutá-lo. É, portanto, um lobo em pele de cordeiro, uma fé disfarçada de racionalidade, que pode ser muito nociva para a sociedade -- o fascismo e qualquer outro tipo de fanatismo é o produto comum desse processo. As pessoas que carregam essa visão fechada de mundo, mesmo que sejam ateias, não são livres, não possuem autoconfiança, preferindo um discurso inflamado, apaixonado, do que um racional, pois têm medo de serem refutados. São mais miseráveis do que aqueles que simplesmente aceitam a fé e negam o racionalismo, pois vivem desse medo.
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