segunda-feira, 12 de setembro de 2016

A segunda semana pós-democracia

19-7-18


1.       Venezuela. A oposição tenta fazer a “Tomada de Caracas” para alijar Nicolás Maduro do poder, seja à força ou seja convocando um referendo revogatório – lá o recall é um dispositivo constitucional criado pelo Hugo Chávez. Assim como aconteceu no Brasil, as manifestações foram convocadas com antecedência e não houve repressão contra os manifestantes. Aconteceram atos, também, em favor de Maduro, embora de menor magnitude. A imprensa internacional, no entanto, amplificou ainda mais as manifestações contrárias e minorou o máximo que pôde sobre as manifestações a favor. Um jornalista que informou sobre os protestos contra Maduro, Braulio Jatar, desapareceu no dia 3. O presidente venezuelano visitou na sexta-feira um setor popular em Porlamar para fazer uma transmissão ao vivo. No entanto, dezenas de pessoas conseguiram cercar Maduro e, entre insultos e batidas em panelas, fizeram-no fugir. De acordo com as organizações locais de direitos humanos, pelo menos 30 pessoas foram presas no incidente com Maduro e provavelmente Jatar estaria entre eles.
2.       Golpe de estado. Uma semana após o aperfeiçoamento do golpe de estado no Brasil, parece não haver consenso entre os golpistas sobre o que fazer com o poder. O único consenso que sobressai é sobre a Operação Lava Jato, que foi o catalisador que uniu as várias forças políticas do país. No entanto, enquanto Michel Temer tenta parecer um estadista, sua base aliada se degladia para conseguir a maior fatia do bolo. Isso se consubstancia por uma nova fase de Brasil-Colônia: as riquezas precisam ser vendidas ao exterior, mas são tantos interesses envolvidos que não se sabe exatamente como fazer. A situação do desinterino é complicada: seu principal objetivo é fugir da Lava Jato – quanto a isso, ele conseguiu uma sobrevida de dois anos e meio, pois o presidente não pode ser processado por atos estranhos ao exercício de suas funções enquanto estiver investido no mandato. Agora, ele tenta se “perpetuar” no poder (perpetuar entre aspas, pois o velho tem 75 anos de idade; é perigoso ele morrer antes do termo do mandato), bem como impor seus valores feudais à sociedade brasileira: é só isso que ele quer. Todos os outros absurdos advêm do gabinete que lhe deu suporte: estes começam a cobrar a fatura: os empresários querem a “flexibilização” dos direitos trabalhistas, o PSDB quer a liberalização do mercado e a privatização, ambos para favorecer os seus ídolos americanos, e o Centrão (isso inclui o PMDB, o alto clero) quer sua fatia de poder. A bem da verdade, já podemos notar um golpe dentro do golpe. Gilmar Mendes já articula no TSE a cassação da chapa Dilma-Temer para 2017, para que não seja possível fazer eleições diretas. Como sabemos, meus Senhores, a intenção aqui é forçar a eleição para o Parlamento, de modo a viabilizar o QUARTO turno. Só não sabemos ainda se quem assume é o Aécio ou o José Serra (provavelmente será o Serra, porquanto o Aécio é candidato a boi-de-piranha).
Vários juristas pediram a destituição de Gilmar Mendes essa semana, mas o pedido simplesmente sumiu das manchetes da mídia tradicional. O Ministro do STF, um dia depois, mandou um recado a Temer, ao despachar para a Polícia Federal de que a responsabilidade das contas da campanha eleitoral era conjunta entre Dilma, Temer e o tesoureiro do PT.
Após a enquete sobre novas eleições no site do Senado chegar a 92% a favor do sim, com o maior número de participação já registrado, a enquete estranhamente sumiu do site.
A mídia tradicional pediu uma maior repressão contra os manifestantes, mostrando a quem serve. Apelaram para o discurso da ordem, o que gerou uma reação negativa da opinião pública. É bom ver que o Brasil está mudado. Após ter sua fachada depredada e após aparecer vários vídeos mostrando que os vândalos são os policiais, inclusive depois da crítica de Gregório Duvivier, colunista da própria Folha, a imprensa resolveu voltar atrás e apoiar as manifestações. Já o Estado de São Paulo, liberalista e conservador como sempre, convidou o presidente da Riachuelo, condenada a pensão vitalícia por trabalho escravo, para falar sobre direitos trabalhistas.
No dia 3, o Papa Francisco pediu uma reza a Nossa Senhora de Aparecida para que “proteja todo o Brasil e todo o povo brasileiro neste momento triste”. O Pontífice afirmou ainda que tinha planos de voltar ao Brasil, mas que estava cancelando, um gesto quase equivalente ao de cancelar uma viagem diplomática. Sabe-se que o Papa já teve um posicionamento indiretamente contra o golpe de estado que ocorreu. Michel Temer, canalha que é, subverteu a afirmação do Papa, dizendo à imprensa que Francisco estava falando sobre as manifestações; disse ainda que o Papa tem o mesmo objetivo que ele próprio: pacificar o país. “Eu acho que ele revelou uma preocupação com o Brasil, uma preocupação que todos temos”, disse o ilegítimo.
Temer e Alexandre de Moraes, o advogado do PCC, interferiram na Comissão de Anistia, colocando vários membros pró-ditadura, o que gerou repúdio de diversas ONGs de direitos humanos. O Presidente da Câmara dos Deputados afirmou que a reforma política que tramita na Casa não tem como foco o combate à corrupção. Nunca foi pela corrupção, mas pelo preconceito, como sabemos.
Por fim, Geddel afirmou nas mídias sociais que assumir governo sem voto é gostoso. É um escárnio.
3.       Protestos nas ruas. Aos gritos de golpista, Marcelo Calero, que usurpou a pasta da Cultura, deixou o Festival de Cinema de Petrópolis. Apesar desse tipo de protesto não ser eficaz em derrubar ninguém do poder, ele desmoraliza e é importante para manter o moral contra o golpe. Florianópolis foi a cidade que teve o maior protesto relativo contra Temer, ao se considerar o número de pessoas que saiu às ruas e o número de habitantes (1 a cada 68). Em São Paulo, houve 1 a cada 10 mil. O protesto de 100 mil pessoas que lotou o Largo do Batata no dia 4 terminou com repressão policial. Os vândalos de farda jogaram bomba de gás lacrimogêneo, sem motivos, na população, atingindo inclusive o Sr. Lindbergh Farias, Senador; o Senhor Paulo Teixeira, Deputado Federal; e o Senhor Roberto Amaral, ex-ministro, que tem 69 anos. Não respeitam ninguém. Enquanto vários protestos de grandes proporções aconteciam, a Globo transmitia o Brazilian Day em Nova Iorque.
26 jovens (maiores e menores) foram presos pela PM acusados de “associação para o crime” enquanto se concentravam para o ato “Fora Temer”. Nenhum deles havia praticado qualquer ato lesivo a coisa ou pessoa, conforme admitiu o próprio delegado responsável pelas prisões. Estranhamente, foram levados para o Deic e ficaram sem prestação de advogados e incomunicáveis, numa grave violação de direitos humanos. Os senhores Paulo Teixeira e Eduardo Suplicy se engajaram contra a detenção arbitrária dos jovens. O juiz que recebeu o Habeas Corpus determinou a soltura imediata, criticando em sua sentença a ação da PM: “O Brasil como Estado Democrático de Direito não pode legitimar a atuação de praticar verdadeira ‘prisão para averiguação’ sob o pretexto de que os estudantes poderiam, eventualmente, praticar atos de violência e vandalismo em manifestação ideológica. Este tempo, felizmente, já passou. (...) Destaco que a prisão dos indiciados decoirreu de um fortuito encontro com policiais militares que realizavam patrulhamento ostensivo preventivo, e não de uma séria e prévia apuração, de modo que qualificar os averiguados como criminosos à míngua de qualquer elemento investigativo seria, minimamente, temerário. (...) Não há mínima prova de que todos se desconheciam”. Foi uma prisão política, completo.
A prestação advocatícia tem sido dificultada em todo o país quando se relaciona com detido em manifestações contra o desinterino. A OAB tem sido muito cobrada contra esses abusos, no entanto, encontra-se silente.
Não obstante todas as críticas e reviravoltas, nos atos do dia 5 a Polícia Militar agiu com a mesma truculência e vandalismo. Começa-se a abrir espaço para o debate da desmilitarização da polícia ostensiva. Acredito, senhores, que, além disso, é preciso reformar a educação e a ideologia conservadora de “cães da elite” da força pública de segurança.



Contra a quebra da ordem, segue a desobediência civil.

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