sexta-feira, 9 de setembro de 2016

A Autofagia do Pato


É difícil por vezes entender o porquê de uma pessoa defender bandeiras que vão de encontro frontal a seus interesses. O caso da campanha "Não Vou Pagar o Pato" talvez tenha sido a mais emblemática desses últimos tempos. Apelidada por uns de "Pato de Troia", citado por Romero Jucá como o "Grande Pacto (leia-se Pato) para barrar a Lava Jato", "Com Supremo, com tudo", certamente o que parte do povo brasileiro defendeu durante o ano de 2015 e no começo de 2016 não era exatamente o que se esperava.

Na verdade, eram os lançadores da campanha que não queriam pagar o pato; o que é imprescindível citar, no entanto, é que o marreco deles não era o mesmo que o nosso. As Organizações Globo e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo queriam a Senhora Rousseff fora do poder porque seus interesses estavam fortemente ameaçados. Trata-se de uma verdadeira gerontocracia, o último suspiro de uma elite fadada a perder a sua influência política num Brasil que já mudou e eles se relutam a integrar.

Primeiramente, Fora Temer. Em segundo lugar, falemos das Organizações Globo e das outras decrépitas famílias mafiosas da mídia. Detentora de uma das maiores sonegações de impostos do Brasil, a Rede Globo e seus colegas têm que lidar com o derretimento lento e progressivo de sua audiência, com o corte de parte das verbas publicitárias e pela emergência dos novos meios de comunicação, oriundos da revolução da informação (Netflix, Youtube, entre outros) que drenam os anunciantes para seus canais. Tendo em vista este quadro, a empresa, ao invés de tentar se integrar plenamente à nova forma de comunicação e aos novos valores da sociedade, resolveu fazer o que toda elite que envelhece e cheira a naftalina resolve fazer: uma ofensiva conservadora contra os tempos. E eis a triste verdade do brasileiro, meus Senhores. Quem mais consome a informação destes canais infames é justamente aquele que mais têm os interesses opostos aos daqueles: o pobre, o trabalhador, o que não tem um acesso democrático à informação. Portanto, para a mídia tradicional proteger seu espaço bastou começar uma campanha de difamação para poder alijar os setores progressistas do poder. Ecce patus.

Ao lado da imprensa velhaca, encontram-se os empresários, que aproveitaram de um momento de expansão de mercado sob Lula I e II e Dilma I e agora testemunham o começo de um franco declínio do capitalismo, vendo a margem de seus grandes lucros diminuir. Paralelamente a isso, o mundo (e não só o Brasil) passa por uma nítida fase de estagnação da industrialização, ou até mesmo do encolhimento da indústria, o que faz com que o setor inefavelmente entre em crise. Ao prever isso, mais uma vez, ao invés de se modernizar, a elite industrial brasileira resgata o conservadorismo e lança uma campanha para mandar o país para a década de 30. O pato da FIESP é justamente não querer arcar com tanto direito para o trabalhador, de forma a poder deprimir o seu salário e a contribuição que faz ao Estado, tornando a margem de lucro supostamente maior. 

Por fim, temos o trabalhador, que arca com a esmagadora maioria da carga tributária brasileira. A cada 100 reais que ganha, ele gasta 42,5 pagando impostos, enquanto as empresas, de cada 100 reais, pagam somente QUATRO reais! (pasmem). No entanto, influenciado que é pelo empresário e pela mídia, o trabalhador acaba achando que a culpa por pagar tanto imposto é do governo unicamente, quando, na verdade, quem faz pressão para que a arrecadação saia dos estratos mais pobres é justamente os empresários e a mídia, fazendo o Estado agir como um Robin Wood ao contrário -- tirando dos pobres e investindo nos ricos. Este certamente não quer pagar o pato

A autofagia do pato.

Todos os patos serão patos de si mesmos. 

Apesar de não ser este o fim da Rede Globo, os ventos sinalizam para o fim da hegemonia da empresa. E ao lançar uma campanha tão descaradamente manipulada e mentirosa, sua credibilidade caiu grandemente, fazendo com que boa parte da população resolva aderir ao boicote de seus produtos. Isto pode agravar ainda mais a situação da empresa, acelerando o fim do seu poder ilimitado. 

Com relação à Fiesp, eles querem diminuir a renda do trabalhador para obter margens maiores, sem compromisso nenhum com o nível de emprego, ao contrário do que pregam. Devemos lembrar que, antes dessa crise mundial definitivamente nos atingir, estávamos numa fase de pleno emprego. Porém, quanto mais direitos tiverem o trabalhador, melhor para os próprios industriários, pois a demanda por bens duráveis é proporcional ao número de pessoas que atingem uma determinada faixa de renda e, caso se deprima muito a renda média do assalariado, este não vai consumir os produtos de indústria, causando uma crise de oferta, culminando para o fechamento de firmas. O governo que entrou, por sua vez, é adepto da austeridade, gosta de agradar os bancos, e vai manter o nível de juros altíssimo, até a inadimplência explodir, comprometendo todo o sistema financeiro. O preconceito de classe será a semente da derrocada desse processo.

Por fim, o pato do pobre, coitado. O assalariado que compareceu à Paulista com a camiseta da Seleção brasileira foi panfletar pelo fim dos próprios direitos. Há parado no Congresso Nacional 55 medidas atentatórias contra a CLT e os direitos dos oprimidos. O que mais entristece é que o oprimido não tem a consciência da própria opressão. Com relação à classe média empresarial, aquela que detesta pobre e que também vestiu a camiseta do Neymar, estes também dão um tiro no próprio pé pois, ao defender a queda da Senhora Rousseff, indiretamente apoiou a ascensão de Temer, e isto significa um projeto amplo de liberalização econômica no plano internacional -- e eu quero ver um empresário pequeno brasileiro conseguir vender um produto aqui dentro com um preço menor do que vende um chinês ou um americano, que tem uma indústria gigantesca.

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