segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Análise do Resultado das Eleições Gerais - 1.º Turno


Chega ao fim mais um emocionante, dramático e talvez o último primeiro turno de uma eleição direta da Constituição de 1988. Logo de cara, para quem estava acompanhando ao vivo as apurações, um medo: Jair Bolsonaro chegou a fazer cócegas nos 50% e o campo progressista correu o perigo de perder de forma acachapante. Agora, porém, sobra-nos a tarefa de conseguir a missão quase impossível de ultrapassá-lo no segundo turno. Mas o que me chama mais a atenção nem é tanto o quadro dramático das eleições do Executivo, mas o que indica o Legislativo.

Houve uma brutal renovação no Congresso Nacional e nas Assembleias Legislativas - brutal no sentido mais Jogos Mortais que se possa dizer: os partidos mais tradicionais da direita, como o PSDB, foram trocados pelo PSL, um partido formado basicamente por militares, policiais, pastores e lunáticos diversos. Os gerentes do coronelato (MDB e "centrão" tradicional) também viram seus nomes serem trocados pelas mais diversas denominações salvacionistas que surgiram nesses últimos tempos que se cerca o apocalipse brasileiro, com especial atenção à ascensão do PSC, Patetas, Fodemos e Partido "Nôvo". As eleições legislativas consolidaram Jair Bolsonaro como o mais novo líder de massas e o PSL como a nova sigla populista - tudo à direita dos limites do bom-senso. Os militares voltaram ao poder a partir do voto, você tem ideia do que significa isso? Significa que estamos fudidos, porque uma vez dentro, difícilmente fora - e não estou falando de reeleições não.

O empréstimo do "carisma" de Bolsonaro garantiu não só a tradicional eleição nepótica dos membros de sua família, mas também a de figuras mitológicas como Arthur Mamãe Falei, Alexandre Frota e Janaína Paschoal. O partido, minúsculo até ontem, irrelevante desde 1998, agora chega ao centro do debate fazendo 52 deputados federais, compondo a segunda maior bancada da Câmara dos Deputados, um número 52 x maior que a sua atual composição (façam as contas para entender a magnitude desse fenômeno...). No Senado também fizeram a devassa e tomaram o lugar de políticos tradicionais (Lindbergh Farias, Suplicy, Dilma Rousseff, Jorge Vianna e outros petistas foram os que mais sofreram com esse ascenso rápido dos candidatos pró-Bolsonaro). Fez o que a UDN de 1950 sempre sonhara em fazer, mas lhe faltava Whatsapp, memes e teorias de conspiração para excitar os tiozões da classe média.

Estamos testemunhando a entrada de um novo período no qual o lulismo deixa de ser o eixo da discussão e passa o bastão para o bolsonarismo (não mais Lula e Antilula, mas Bozo e Antibozo). Os conservadores não só aumentaram as cadeiras no parlamento, como aumentaram a dose de conservadorismo em cada cadeira que conquistaram. Isso significa que, mesmo que Haddad ganhe, dificilmente ele irá governar, pois com essa gente não tem conversa. Em verdade, provavelmente sequer tomará posse.

O PT errou e muito nesse primeiro turno. Comportou-se mais como advogado de defesa, do que como partido político de trabalhadores; não soube a hora de perceber a realidade da sua falta de potência, não teve a humildade para compor uma aliança secundando o PDT (sou crítico a alianças centristas, mas vivemos tempos extremos: ao menos uma frente desenvolvimentista, na falta de uma de esquerda, para fazer face ao fascismo, era necessário compor e o PT já fez alianças até com o diabo, que atualmente é presidente do Brasil graças a esse vacilo). Chegamos ao segundo turno à sombra do agonizante binômio lulismo/antilulismo, graças à falta de pragmatismo, de senso de realidade e de excesso de orgulho da ainda maior legenda do campo progressista. Este é o triste fado da esquerda brasileira, que não consegue nem compor uma chapa de DCE para fazer o enfrentamento antifascista em épocas sombrias.

O resultado não foi muito diferente do que as pesquisas prenunciavam. O Datafolha indicava Bolsonaro com até 42% e Haddad com até 27%, na vida real ficou 46% a 29%; os votos vieram da velha guarda de direita, Alckmin, Álvaro Dias e da centro-direitista-que-o-povo-acha-que-é-de-esquerda Marina (essa última terminou mais desidratada que Ramsés II mumificado), algo já esperado, pois os eleitores acharam mais seguro tentar eleger os agentes polarizadores logo no primeiro turno. Foi uma tragédia anunciada. Bem anunciada.

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Bolsonaro: Uma Análise da Corrida Eleitoral Após a Entrevista do Roda Viva



Jair Bolsonaro foi a o Roda Viva no dia 30 de julho. A entrevista era aguardada por militantes de direita e de esquerda, uma vez que o candidato tem fugido de debates e entrevistas como estratégia para manter a sua imagem e seu eleitorado conquistado.  

A entrevista aconteceu conforme esperado; o candidato de extrema-direita demonstrou abertamente o tamanho de seu déficit cognitivo. 

Quando inquirido sobre a mortalidade infantil, o deputado afirmou que isso tem a ver com o nascimento de bebês prematuros, negando fatores sociais como, por exemplo, a pobreza e os fatores sanitários. Afirmou que, para combater a mortalidade, portanto, deveria apostar na prevenção, uma vez que as grávidas não escovam os dentes e nem fazem exames de urina. 

Para desafogar o SUS, sua brilhante ideiaé a de aumentar o emprego, pois assim a tendência por procurar hospitais diminui – essa afirmação pode até ser verdadeira, uma vez que o trabalhador é tão explorado que sequer tem o direito de cuidar da sua própria saúde; este terá que conviver com a saúde até que ela o coloque fora do mercado ou ceife a sua vida. Nesse dia, o sistema o substituirá por outra engrenagem de reposição. Nada estranho sob o sol, é assim que Bolsonaro enxerga a vida do trabalhador brasileiro. 

O candidato negou a dívida histórica do Estado para com os negros, dando a entender que os africanos se escravizavam entre si e que os portugueses jamais pisaram no continente africano – claro, até porque Moçambique e Angola aprenderam o português pelo Telecurso 2000. 

Nada na entrevista do capitão de reserva pode ser aproveitado, uma vez que ele se apoiou em dados falsos e na negação sistemática da realidade. Talvez a alcunha "mito" advenha de uma abreviação para "mitômano", a pessoa que tem compulsão por mentir. 

Apesar de seu show particular de ineficiência intelectual, seus seguidores entenderam que Bolsonaro saiu da entrevista fortalecido - a ignorância é o fator pelo qual estes se sentem representados pelo mitômano. O führer brasileiro é um verdadeiro Midas, capaz de transformar merda em voto (e voto em dinheiro). Seus assessores sabem muito bem que sua base não sabe muita coisa de economia, de saúde e educação; sabem também que, no mundo pós-moderno, a relação sujeito-representante eleito volta a ser feuerbachiana - um espelho. Logo, a ignorância assumida cai muito bem a Jair Bolsonaro. 

A entrevista tem o potencial de aumentar, no curto prazo, suas intenções de voto, mas isso será fogo-de-palha; a campanha ainda não começou e a natureza coronelista brasileira se fará mais forte – Bolsonaro nem sequer conseguiu acertar quem será o seu vice e seu partido não apresenta capilaridade. As alianças regionais ainda ditam as regras de boa parte do processo eleitoral e, por isso, a balança eleitoral da classe média e dos trabalhadores desorganizados penderá para Alckmin, que disputa votos diretamente com o candidato do PSL. O tucano já conseguiu a bênção da direita fisiológica, eufemisticamente apelidadda de "centrão" pela imprensa chapa-branca. 

O MDB tenta triangular ao lançar Henrique Meirelles, não por acreditar na viabilidade de sua candidatura, mas para manter uma equidistância entre Bolsonaro e Alckmin, de forma a manter a porta aberta para uma possível aliança pós-eleição, sem maiores ressentimentos, com deputado falastrão, em caso de zebra. Agora, porém, seus dirigentes devem estar pensando no espaço que perderam com essa estratégia dentro da aliança tucana, uma vez que começa a ficar claro que seu nome é o favorito da burguesia nacional e colonial.  

O candidato de extrema-direita, enfraquecido politicamente, provavelmente não sobreviverá também ao rolo compressor que a imprensa já prepara para o período das eleições. Sem alianças locais, sem tempo de televisão, sua vitória dependerá da capacidade de capitalizar apoio nas redes sociais e de fazer colar o seu discurso vitimista de perseguido pelo sistema. Porém, suas intenções estagnaram e isso se explica pelo fato de Bolsonaro ser o anti-Lula; com a prisão de seu arqui-inimigo, sem alguém para polarizar radicalmente, seu discurso perde força. Deve -se levar em consideração ainda  que sua rejeição chega à marca dos 60%, algo que pode o levar a uma fragorosa derrota ainda no primeiro turno, apesar de liderar, no momento, as intenções de voto – sua megalomania pode significar o fim de seu foro privilegiado e, talvez, uma condenação na justiça comum devido aos inúmeros processos de racismo e apologia à tortura que responde. 

Ciente disso, Jair Bolsonaro já aposta no discurso de fraude eleitoral, devido à ausência do voto impresso, com o objetivo de viabilizar um golpe de Estado. 

terça-feira, 24 de julho de 2018

Crivella Aposta na Feudalização do Rio de Janeiro




Na primeira semana de julho, O Globo, que tem uma rixa histórica com o Grupo Record (grupo televisivo que se sustenta da venda da fé alheia ligado à Igreja Universal), vazou um áudio de uma reunião secreta promovida pelo prefeito do Rio de Janeiro com pastores evangélicos, no qual ele prometia favorecimentos como facilidade na contratação de cirurgias de cataratas e soluções para problemas de IPTU de templos religiosos. Aparentemente, para os pastores, o óleo santo que é benzido na frente dos fiéis não é o suficiente para curá-los de um pequeno problema de catarata. 

O fato de a reunião ser secreta viola o princípio da publicidade (art. 37 da nossa morimbunda Constituição); já o fato de ser com um grupo bem específico -- pastores evangélicos --, além de ferir o princípio da impessoalidade (art. 37), é um caso claro de favorecimento ilícito. A oposição pediu a perda de mandato do prefeito, mas a Câmara dos Vereadores votou pela não admissibilidade do processo, que foi arquivado por 29 a 16. Entre os que defenderam o Estado Religioso de Crivella estavam os quadros da direita fisiológica, eufemisticamente apelidada de Centrão. Os partidos que votaram a favor da abertura do processo de impeachment foram o PSol, o PT e o Novo. 

Além disso, o Tribunal de Contas do Município constatou que o primeiro ano do governo Crivella fechou com um rombo de R$ 1,6 bilhão e que o mandatário não adotou nenhuma medida para equilibrar as contas públicas e pediu para que o pastor evangélico se pronunciasse. Caso as contas dele sejam rejeitadas, Crivella poderá responder outro processo de impeachment, por crime de responsabilidade, por violar a Lei de Responsabilidade Fiscal. 

Mas essas não foram as únicas peripécias que o pastor-prefeito andou aprontando em seu primeiro ano como mandatário da Cidade Maravilhosa. O Ministério Público investiga uma série de denúncias contra Crivella por descumprimento do princípio da laicidade do Estado e, por conseguinte, por empoderar sua igreja. 

  1. 1. Há um caso suspeito de exoneração em massa, feito com uma única canetada, para a contratação de pessoas ligadas à Universal. De acordo com a Constituição, é vedado ao município manter com igrejas ou seus representantes aliança política (art. 19, I).; tal postura também atenta contra os princípios da impessoalidade e da eficiência da máquina pública (art. 37, caput); 

  1. 2. Crivella fez das escolas uma extensão da Igreja Universal. Há uma crescente doutrinação evangélica nas instituições educacionais municipais e ações sociais são promovidas pela Universal, contando com "atendimento espiritual". Trata-se de uma flagrante violação do princípio da laicidade do Estado; 

  1. 3. Em novembro, o pastor cedeu o Sambódromo para a realização de um evento da Igreja Universal, "A Vigília do Resgate". A Prefeitura ainda garantiu toda a estrutura, como a Cet-Rio, a Guarda Municipal, além de mobilizar outros órgãos públicos. Com isso, Crivella está ferindo de morte a regra constitucional de o município não poder subvencionar igrejas (art. 19, I); 

  1. 4. Os desfiles deixaram de receber o apoio histórico que recebiam da Prefeitura. A Estação Primeira de Mangueira desfilou com o enredo "com dinheiro ou sem dinheiro eu brinco", fazendo críticas aos cortes de verbas promovidos pelo pastor da Universal; 

  1. 5. Na Guarda Municipal, um dos primeiros atos do prefeito foi promover um censo religioso, o que pode ser entendido como uma forma de coação religiosa, além de haver passar a impressão de haver um ímpeto de loteamento, de uma política de poder no interior dos órgãos públicos por parte da Igreja Universal. Diz o art. 5.º que é inviolável a liberdade de consciência e de crença (VI) e que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa (VIII); 

  1. 6. Para chancelar o tratamento diferenciado, Crivella promoveu cortes de verba para eventos de outras religições, como o tradicional Barco de Iemanjá, que é considerado um Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro. É a primeira vez que a festa não recebe apoio da Prefeitura, o que demonstra a aura de imposição religiosa que paira sobre a capital fluminense. 

Caso Crivella seja condenado pela ação de improbidade administrativa, poderá ter que pagar até R$ 500 mil em multa, ter seu mandato cassado e suspenso os seus direitos políticos. É para glorificar de pé! 

segunda-feira, 25 de junho de 2018

Governo Deodoro da Fonseca


Presidente biito, gente...

A história republicana brasileira começa com um golpe. O governo do primeiro Presidente do Brasil é dividido em duas fases: o governo provisório e o constitucional.

            Durante a fase provisória, Deodoro buscou cancelar as instituições imperiais, governou por decreto, ao mesmo tempo que promoveu eleições para a Assembleia Constituinte, e buscou a laicidade do Estado, separando-o da religião, como ficou patente na criação do casamento civil. O Brasil era um país recém-saído do regime escravocrata; na busca por excluir os negros da economia, a burguesia agrária demandou mão de obra externa, o que foi patrocinado pelo governo com grandes imigrações, com isso, houve um enorme processo de naturalização de estrangeiros.

            A política econômica que marcou o governo Deodoro da Fonseca foi a do encilhamento, que mirava a industrialização a partir da emissão monetária – a solução mais estúpida em economia que já vivemos desde D. Pedro I. Obviamente que esse processo gerou uma grande inflação; essa perda de valor monetário é conhecida como imposto inflacionário. A especulação financeira foi às alturas.

            Constituição de 1891. Foi concebida a República Brasileira como uma federação, com autonomia para os estados. O voto era masculino e universal, excluído os analfabetos, os mendigos, os padres e os soldados (ou seja, a maior parte da população). Além disso, o voto era aberto, o que facilitava aos coronéis impor a sua vontade para a população (voto de cabresto). Era isso ou um balaço na cabeça. As eleições da República Velha foram diretas, exceto a do governo constitucional de Deodoro da Fonseca.

            Com medo de sofrerem um golpe por parte de Deodoro e verem restaurada a monarquia, o militar foi eleito para o seu segundo mandato. Mesmo os líderes da oposição haviam decidido que, caso Prudente de Morais ganhasse, o Congresso lhe daria imediata posse – era tudo para inglês ver. Floriano Peixoto foi eleito o seu vice. Os dois não eram amigos. A bem da verdade, guardando as enormes diferenças entre os projetos políticos de cá e lá, Floriano era para Deodoro o que Temer foi para a Dilma.

            A relação entre o presidente e o parlamento eram tensas. O primeiro era avesso à democracia e à oposição, o segundo também, mas era representantes da burguesia, que demandavam uma excludente democracia burguesa, longe do ideal democrático real.

            Em novembro de 1891,  diante do boicote sistemático e da tentativa do Parlamento em aprovar a Lei de Responsabilidade, que reduzia o poder do Presidente da República, Deodoro decretou o estado de sítio e fechou o Congresso Nacional. O Distrito Federal foi colocado sob censura absoluta. A reação veio de todos os estamentos – da burguesia cafeeira, do Exército, dos trabalhadores (que emplacaram a Greve da Estrada de Ferro da Central do Brasil) e da Marinha (que também entrou em greve). Deodoro teve que renunciar e Floriano subiu ao poder.

            Custódio de Melo, acionado por Floriano Peixoto, a bordo do Encouraçado Riachuelo, ameaçou bombardear o Rio de Janeiro caso Deodoro não renunciasse. Diante de tão doce convite, o marechal deixou o cargo em 23 de novembro de 1891, passando o bastão para Floriano Peixoto.

Teoria Geral dos Direitos Sociais


Os direitos fundamentais guardam íntima relação com o surgimento do fenômeno social, a partir do século XVIII. Ao contrário dos direitos individuais, que surgiram no florescimento do Liberalismo, os direitos sociais aparecem como uma mediação entre os ricos e os interesses dos pobres. Em razão dessa natureza coletiva, em resposta aos problemas gerados pela aplicação absoluta dos direitos individuais (de primeira geração), os direitos sociais são entendidos  como direitos de segunda geração. Prescinde observar que os direitos individuais prescrevem uma “não ação” do Estado, uma necessidade do soberano em respeitar a liberdade individual, enquanto os direitos sociais necessitam de uma ação positiva do Estado (liberdades positivas).

Apesar de haver um espírito progressista na Constituinte de 1988, o Judiciário, ao interpretar as normas (que aparecem de forma mandamental no texto constitucional) entende que tratam-se de normas programáticas, não gerando direitos imediatos aos indivíduos, o que dificulta a aplicação desses direitos e causam grandes transtornos no campo dos direitos humanos no País. De acordo com o STF, para concretizá-los, é necessário não só normas reguladoras, mas uma ação administrativa nesse sentido.  O artigo sexto enuncia esses direitos:

“Art.  6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma dessa Constituição.”

Não obstante revestir esses direitos com caráter programático, o STF entende que essas normas não são utópicas, devem se revestir de caráter mandamental. Por essa razão, em vários julgados concretos, é comum o Judiciário ordenar ao Executivo a entrega de remédios gratuitos a pacientes necessitados. Não obstante, a EC 95/2016, simboliza um grande retrocesso nesse campo, pois os já escassos recursos destinados à garantia desses direitos tornam-se marginalmente inferiores.

Além desses, gesta uma terceira família de direitos fundamentais no ordenamento jurídico internacional e, não diferentemente, no brasileiro. São os direitos trans-individuais, associados à noção de fraternidade, que traduz a existência humana de forma universal. São eles o direito ao meio-ambiente e à previdência pública, o qual o Temer também está querendo revogar.

Reserva do possível e mínimo existencial
Os direitos sociais são normas de eficácia limitada, necessitando de implementação de políticas públicas, isto é, de uma ação positiva do Estado, para poder em ser concretizados. Porém, como pode-se constatar, essa ação do governo é limitada pelos recursos financeiros disponíveis (e também pela orientação ideológica e pressão dos grupos de interesse econômico sobre a distribuição dos recursos orçamentários). De modo a tornar os direitos sociais algo real, o Estado Brasileiro utiliza-se de um critério pragmático para sua aplicação: o princípio do Mínimo Existencial, que nada mais é do que o conjunto de situações materiais indispensáveis a uma existência humana digna. Não se trata de apenas “sobreviver”, mas ter o mínimo para viver com dignidade, com todo o suporte físico e intelectual necessário. Bonito no papel, de pouca utilidade na prática.

Em tese, caso o Estado não concretizar tudo o que deve, pode ser passivo de mandado de segurança ou ação civil pública. Isso, no plano das ideias, garantiria o direito a uma existência digna, mas a composição reacionária do Judiciário e do Ministério Público impede a defesa desta e, às vezes, até legitima a indignidade e a exceção.

Um exemplo de decisão progressista no campo dos direitos sociais prolatado pelo Supremo Tribunal Federal foi o reconhecimento da existência de direito subjetivo das crianças de até 5 (cinco) anos de idade ao atendimento em creches e pré-escolas, o qual deve ser garantido pelo Estado. O Pretório Excelso também consolidou o entendimento de que é possível a intervenção do Judiciário para fazer valer a efetivação daquele direito constitucional, não constituindo violação do princípio da separação dos poderes.

A garantia da dignidade da pessoa humana e do direito à vida depende da garantia do mínimo necessário à existência; por isso, a teoria da reserva do possível propõe que os direitos sociais sejam transformados em direitos subjetivos a prestações positivas.

Princípio da Proibição do Retrocesso
A última Constituição aprovada pelos parlamentares brasileiros apresenta uma intenção claramente voltada à justiça social. Os direitos sociais, em sua natureza programática, são verdadeiros objetivos a serem perseguidos, não aceitando, nesse caso, retrocessos. Muito tem se falado sobre a PEC 241, que limita o teto dos gastos dos poderes públicos por vinte anos. Tal projeto é completamente inconstitucional, uma vez que viola o princípio da proibição do retrocesso em comento. Não obstante, a doutrina conservadora não entende a proibição ao retrocesso como uma cláusula pétrea, o que acarretaria o fato de que pode ser revogada pelo poder constituinte derivado. Ademais, devido ao fato de que os gastos na área de educação, saúde, previdência social, etc, serem limitadas por um teto corrigido anualmente pela inflação supostamente garantiria que não haveria retrocesso, mas apenas um congelamento. Os defensores dessa linha de pensamento, por ignorância ou conveniência insidiosa, ignoram o fato de que, mesmo que os gastos sejam exatamente os mesmos, o crescimento vegetativo faz com que os gastos marginais com os direitos sociais venham a ser diminuídos dia após dia. Dou o seguinte exemplo. Imagine que gastemos 1 bilhão em educação na década de 1990 e que a população brasileira seja em torno de 150 milhões de pessoas. Portanto, cada brasileiro teria o gasto marginal de R$ 6,66 nesse investimento; suponha-se que por vinte anos, para facilitar o cálculo, não tenha havido inflação, portanto o gasto em educação continuaria 1 bilhão; porém, a população brasileira aumentou para 200 milhões, o que faz o gasto marginal cair para  R$ 5,00. No caso da saúde, isso é mais dramático, uma vez que, além de haver aumentado proporcionalmente o número de pacientes, a faixa etária dos mesmos também mudou, o que demandaria mais investimentos. E o pior é que a limitação pela reserva do possível cai por terra quando percebemos que o perfil da dívida foi mantido, as taxas de juros continuam a mesma; em outras palavras, o Estado deixa de investir na área social para pagar uma taxa de juros alta para os bancos, taxa de juros esta que, diga-se de passagem, ele próprio controla.

O princípio da proibição do retrocesso, muito embora não seja considerado cláusula pétrea, dificulta que o poder público venha retirar a regulamentação de algo já concretizado, bem como autoriza a impetração de ADI/ADO e MI e até mesmo MS a fim de se cobrarem providências legislativas ou administrativas para a concretização de tais direitos.

Classificação das constituições


1.       Quanto à forma
a.       Escrita (instrumental). Tem a função de racionalizar, estabilizar, dar segurança jurídica, além de ser instrumento de publicidade e calculabilidade;
b.       Não escrita (costumeira ou consuetudinária). A matéria constitucional está reconhecida pela sociedade em seus usos e costumes, como acontece com o sistema jurídico inglês, por exemplo.
Se a Constituição estiver sistematizada em um documento único, será considerada codificada; já se estiver em textos esparsos, será chamada de legal.
2.       Quanto ao conteúdo
a.       Formal – independentemente do conteúdo, é constitucional tudo aquilo que passa por um processo de criação da lei seja rígido o suficiente para ser considerada constitucional (a falecida Constituição de 1988)
b.       Material – normas constitucionais são apenas aquelas essenciais a uma Constituição. Por exemplo, a Constituição de 1824 era material:
“Art. 178. É só Constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições respectivas dos poderes políticos, e aos direitos políticos e individuais dos cidadãos”. Ou seja, a Constituição de 1824 limitou seu próprio escopo usando como critério o conteúdo, a matéria tratada, e não a forma”

3.       Quanto à origem
a.       Promulgada – é aquela que passa pelo processo democrático, geralmente indireto. É elaborada por uma Assembleia Constituinte formada por representantes eleitos pelo voto popular (ex.: 1891, 1934, 1946 e 1988)
b.       Outorgada – é aquela que é imposta pelo poder centralizado, sem manifestação da vontade popular (1824, 1937, 1967, EC 1/69)
c.       Cesarista (ou Bonapartista) – é outorgada quanto à sua produção, mas submete-se a referendo popular (é uma forma de legitimar o poder centralizado, atrelando-o à vontade do povo)
4.       Quanto à estabilidade (ou alterabilidade)
a.       Imutáveis
b.       Rígidas
c.       Flexíveis
d.       Semirrígidas – parte rígida, parte flexível
5.       Quanto à finalidade
a.       Dirigentes
b.       Garantias
6.       Quanto à extensão
a.       Sintéticas. Normalmente apresentam apenas normas materiais (mesmo que sejam formais), típicas de uma constituição – organização do Estado e direitos fundamentais.
b.       Analíticas. É a tendência das constituições atuais. São mais prolixas. Entendem-se hoje em dia que o Estado não pode ser limitado a garantir a liberdade individual do povo, mas deve agir ativamente para assegurar seus direitos (o liberalismo político perdeu o cartaz para o Estado de Bem-Estar Social)
7.       Quanto à elaboração:
a.       Dogmática – elaborada por um órgão. O poder constituinte consolida o pensamento que uma sociedade (pfff) possui naquele determinado momento, por isso deve ser necessariamente escrita. Sistematiza as ideias da teoria política e do direito dominante naquele determinado momento histórico do Estado.
b.       Histórica – surge ao longo do tempo. Não precisa ser escrita.
Constituição semântica é aquela que serve apenas para justificar a dominação daqueles que exercem o poder político (ou seja, todas as constituições capitalistas que acenam para o “povo” como detentor do poder...); são meros simulacros de constituição.
Não existe normas destituídas de rigidez no corpo da Constituição Federal.
A rigidez está atrelada tão somente ao aspecto formal. O aspecto material trata somente do conteúdo das normas, independentemente de qualquer status hierárquico.
Nada impede que uma matéria seja material e formalmente constitucional.
Normas constitucionais são todos os dispositivos inseridos na constituição. Elas podem ser classificadas em formalmente constitucionais, quando obedece a uma estrutura legislativa de produção de normas de status superior, ou materialmente constitucionais, quando o diploma legal vai dispor sobre  conteúdos que, sociologicamente, deveriam ser de status constitucional, tal como a organização do Estado e a limitação dos poderes. [Tal classificação obedece a uma ótica liberalista do Estado e da sociedade. Em uma sociedade socialista, por exemplo, pode ser que se entenda que os direitos coletivos e individuais fazem parte da razão de ser do Estado, isto é, o motivo deste se constituir]
No Brasil, todas as normas constitucionais são formais. Algumas são também materiais