segunda-feira, 25 de junho de 2018

Teoria Geral dos Direitos Sociais


Os direitos fundamentais guardam íntima relação com o surgimento do fenômeno social, a partir do século XVIII. Ao contrário dos direitos individuais, que surgiram no florescimento do Liberalismo, os direitos sociais aparecem como uma mediação entre os ricos e os interesses dos pobres. Em razão dessa natureza coletiva, em resposta aos problemas gerados pela aplicação absoluta dos direitos individuais (de primeira geração), os direitos sociais são entendidos  como direitos de segunda geração. Prescinde observar que os direitos individuais prescrevem uma “não ação” do Estado, uma necessidade do soberano em respeitar a liberdade individual, enquanto os direitos sociais necessitam de uma ação positiva do Estado (liberdades positivas).

Apesar de haver um espírito progressista na Constituinte de 1988, o Judiciário, ao interpretar as normas (que aparecem de forma mandamental no texto constitucional) entende que tratam-se de normas programáticas, não gerando direitos imediatos aos indivíduos, o que dificulta a aplicação desses direitos e causam grandes transtornos no campo dos direitos humanos no País. De acordo com o STF, para concretizá-los, é necessário não só normas reguladoras, mas uma ação administrativa nesse sentido.  O artigo sexto enuncia esses direitos:

“Art.  6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma dessa Constituição.”

Não obstante revestir esses direitos com caráter programático, o STF entende que essas normas não são utópicas, devem se revestir de caráter mandamental. Por essa razão, em vários julgados concretos, é comum o Judiciário ordenar ao Executivo a entrega de remédios gratuitos a pacientes necessitados. Não obstante, a EC 95/2016, simboliza um grande retrocesso nesse campo, pois os já escassos recursos destinados à garantia desses direitos tornam-se marginalmente inferiores.

Além desses, gesta uma terceira família de direitos fundamentais no ordenamento jurídico internacional e, não diferentemente, no brasileiro. São os direitos trans-individuais, associados à noção de fraternidade, que traduz a existência humana de forma universal. São eles o direito ao meio-ambiente e à previdência pública, o qual o Temer também está querendo revogar.

Reserva do possível e mínimo existencial
Os direitos sociais são normas de eficácia limitada, necessitando de implementação de políticas públicas, isto é, de uma ação positiva do Estado, para poder em ser concretizados. Porém, como pode-se constatar, essa ação do governo é limitada pelos recursos financeiros disponíveis (e também pela orientação ideológica e pressão dos grupos de interesse econômico sobre a distribuição dos recursos orçamentários). De modo a tornar os direitos sociais algo real, o Estado Brasileiro utiliza-se de um critério pragmático para sua aplicação: o princípio do Mínimo Existencial, que nada mais é do que o conjunto de situações materiais indispensáveis a uma existência humana digna. Não se trata de apenas “sobreviver”, mas ter o mínimo para viver com dignidade, com todo o suporte físico e intelectual necessário. Bonito no papel, de pouca utilidade na prática.

Em tese, caso o Estado não concretizar tudo o que deve, pode ser passivo de mandado de segurança ou ação civil pública. Isso, no plano das ideias, garantiria o direito a uma existência digna, mas a composição reacionária do Judiciário e do Ministério Público impede a defesa desta e, às vezes, até legitima a indignidade e a exceção.

Um exemplo de decisão progressista no campo dos direitos sociais prolatado pelo Supremo Tribunal Federal foi o reconhecimento da existência de direito subjetivo das crianças de até 5 (cinco) anos de idade ao atendimento em creches e pré-escolas, o qual deve ser garantido pelo Estado. O Pretório Excelso também consolidou o entendimento de que é possível a intervenção do Judiciário para fazer valer a efetivação daquele direito constitucional, não constituindo violação do princípio da separação dos poderes.

A garantia da dignidade da pessoa humana e do direito à vida depende da garantia do mínimo necessário à existência; por isso, a teoria da reserva do possível propõe que os direitos sociais sejam transformados em direitos subjetivos a prestações positivas.

Princípio da Proibição do Retrocesso
A última Constituição aprovada pelos parlamentares brasileiros apresenta uma intenção claramente voltada à justiça social. Os direitos sociais, em sua natureza programática, são verdadeiros objetivos a serem perseguidos, não aceitando, nesse caso, retrocessos. Muito tem se falado sobre a PEC 241, que limita o teto dos gastos dos poderes públicos por vinte anos. Tal projeto é completamente inconstitucional, uma vez que viola o princípio da proibição do retrocesso em comento. Não obstante, a doutrina conservadora não entende a proibição ao retrocesso como uma cláusula pétrea, o que acarretaria o fato de que pode ser revogada pelo poder constituinte derivado. Ademais, devido ao fato de que os gastos na área de educação, saúde, previdência social, etc, serem limitadas por um teto corrigido anualmente pela inflação supostamente garantiria que não haveria retrocesso, mas apenas um congelamento. Os defensores dessa linha de pensamento, por ignorância ou conveniência insidiosa, ignoram o fato de que, mesmo que os gastos sejam exatamente os mesmos, o crescimento vegetativo faz com que os gastos marginais com os direitos sociais venham a ser diminuídos dia após dia. Dou o seguinte exemplo. Imagine que gastemos 1 bilhão em educação na década de 1990 e que a população brasileira seja em torno de 150 milhões de pessoas. Portanto, cada brasileiro teria o gasto marginal de R$ 6,66 nesse investimento; suponha-se que por vinte anos, para facilitar o cálculo, não tenha havido inflação, portanto o gasto em educação continuaria 1 bilhão; porém, a população brasileira aumentou para 200 milhões, o que faz o gasto marginal cair para  R$ 5,00. No caso da saúde, isso é mais dramático, uma vez que, além de haver aumentado proporcionalmente o número de pacientes, a faixa etária dos mesmos também mudou, o que demandaria mais investimentos. E o pior é que a limitação pela reserva do possível cai por terra quando percebemos que o perfil da dívida foi mantido, as taxas de juros continuam a mesma; em outras palavras, o Estado deixa de investir na área social para pagar uma taxa de juros alta para os bancos, taxa de juros esta que, diga-se de passagem, ele próprio controla.

O princípio da proibição do retrocesso, muito embora não seja considerado cláusula pétrea, dificulta que o poder público venha retirar a regulamentação de algo já concretizado, bem como autoriza a impetração de ADI/ADO e MI e até mesmo MS a fim de se cobrarem providências legislativas ou administrativas para a concretização de tais direitos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário