Os direitos fundamentais guardam íntima relação com o surgimento do
fenômeno social, a partir do século XVIII. Ao contrário dos direitos
individuais, que surgiram no florescimento do Liberalismo, os direitos sociais
aparecem como uma mediação entre os ricos e os interesses dos pobres. Em razão
dessa natureza coletiva, em resposta aos problemas gerados pela aplicação
absoluta dos direitos individuais (de primeira geração), os direitos sociais
são entendidos como direitos de segunda
geração. Prescinde observar que os direitos individuais prescrevem uma “não
ação” do Estado, uma necessidade do soberano em respeitar a liberdade
individual, enquanto os direitos sociais necessitam de uma ação positiva do
Estado (liberdades positivas).
Apesar de haver um espírito progressista na Constituinte de 1988, o
Judiciário, ao interpretar as normas (que aparecem de forma mandamental no
texto constitucional) entende que tratam-se de normas programáticas, não
gerando direitos imediatos aos indivíduos, o que dificulta a aplicação desses
direitos e causam grandes transtornos no campo dos direitos humanos no País. De
acordo com o STF, para concretizá-los, é necessário não só normas reguladoras,
mas uma ação administrativa nesse sentido.
O artigo sexto enuncia esses direitos:
“Art. 6º São direitos sociais a
educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança,
a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma dessa Constituição.”
Não obstante revestir esses direitos com caráter programático, o STF
entende que essas normas não são utópicas, devem se revestir de caráter
mandamental. Por essa razão, em vários julgados concretos, é comum o Judiciário
ordenar ao Executivo a entrega de remédios gratuitos a pacientes necessitados.
Não obstante, a EC 95/2016, simboliza um grande retrocesso nesse campo, pois os
já escassos recursos destinados à garantia desses direitos tornam-se
marginalmente inferiores.
Além desses, gesta uma terceira família de direitos fundamentais no
ordenamento jurídico internacional e, não diferentemente, no brasileiro. São os
direitos trans-individuais, associados à noção de fraternidade, que traduz a
existência humana de forma universal. São eles o direito ao meio-ambiente e à
previdência pública, o qual o Temer também está querendo revogar.
Reserva do possível e mínimo
existencial
Os direitos sociais são normas de eficácia limitada, necessitando de
implementação de políticas públicas, isto é, de uma ação positiva do Estado,
para poder em ser concretizados. Porém, como pode-se constatar, essa ação do
governo é limitada pelos recursos financeiros disponíveis (e também pela
orientação ideológica e pressão dos grupos de interesse econômico sobre a
distribuição dos recursos orçamentários). De modo a tornar os direitos sociais
algo real, o Estado Brasileiro utiliza-se de um critério pragmático para sua
aplicação: o princípio do Mínimo Existencial, que nada mais é do que o conjunto
de situações materiais indispensáveis a uma existência humana digna. Não se
trata de apenas “sobreviver”, mas ter o mínimo para viver com dignidade, com
todo o suporte físico e intelectual necessário. Bonito no papel, de pouca
utilidade na prática.
Em tese, caso o Estado não concretizar tudo o que deve, pode ser passivo
de mandado de segurança ou ação civil pública. Isso, no plano das ideias,
garantiria o direito a uma existência digna, mas a composição reacionária do
Judiciário e do Ministério Público impede a defesa desta e, às vezes, até
legitima a indignidade e a exceção.
Um exemplo de decisão progressista no campo dos direitos sociais
prolatado pelo Supremo Tribunal Federal foi o reconhecimento da existência de
direito subjetivo das crianças de até 5 (cinco) anos de idade ao atendimento em
creches e pré-escolas, o qual deve ser garantido pelo Estado. O Pretório
Excelso também consolidou o entendimento de que é possível a intervenção do
Judiciário para fazer valer a efetivação daquele direito constitucional, não
constituindo violação do princípio da separação dos poderes.
A garantia da dignidade da pessoa humana e do direito à vida depende da
garantia do mínimo necessário à existência; por isso, a teoria da reserva do
possível propõe que os direitos sociais sejam transformados em direitos
subjetivos a prestações positivas.
Princípio da Proibição do
Retrocesso
A última Constituição aprovada pelos parlamentares brasileiros apresenta
uma intenção claramente voltada à justiça social. Os direitos sociais, em sua
natureza programática, são verdadeiros objetivos a serem perseguidos, não
aceitando, nesse caso, retrocessos. Muito tem se falado sobre a PEC 241, que
limita o teto dos gastos dos poderes públicos por vinte anos. Tal projeto é
completamente inconstitucional, uma vez que viola o princípio da proibição do
retrocesso em comento. Não obstante, a doutrina conservadora não entende a
proibição ao retrocesso como uma cláusula pétrea, o que acarretaria o fato de
que pode ser revogada pelo poder constituinte derivado. Ademais, devido ao fato
de que os gastos na área de educação, saúde, previdência social, etc, serem
limitadas por um teto corrigido anualmente pela inflação supostamente
garantiria que não haveria retrocesso, mas apenas um congelamento. Os
defensores dessa linha de pensamento, por ignorância ou conveniência insidiosa,
ignoram o fato de que, mesmo que os gastos sejam exatamente os mesmos, o
crescimento vegetativo faz com que os gastos
marginais com os direitos sociais venham a ser diminuídos dia após dia. Dou
o seguinte exemplo. Imagine que gastemos 1 bilhão em educação na década de 1990
e que a população brasileira seja em torno de 150 milhões de pessoas. Portanto,
cada brasileiro teria o gasto marginal de R$ 6,66 nesse investimento;
suponha-se que por vinte anos, para facilitar o cálculo, não tenha havido
inflação, portanto o gasto em educação continuaria 1 bilhão; porém, a população
brasileira aumentou para 200 milhões, o que faz o gasto marginal cair para R$ 5,00. No caso da saúde, isso é mais
dramático, uma vez que, além de haver aumentado proporcionalmente o número de
pacientes, a faixa etária dos mesmos também mudou, o que demandaria mais
investimentos. E o pior é que a limitação pela reserva do possível cai por
terra quando percebemos que o perfil da dívida foi mantido, as taxas de juros
continuam a mesma; em outras palavras, o Estado deixa de investir na área
social para pagar uma taxa de juros alta para os bancos, taxa de juros esta
que, diga-se de passagem, ele próprio controla.
O princípio da proibição do retrocesso, muito embora não seja
considerado cláusula pétrea, dificulta que o poder público venha retirar a
regulamentação de algo já concretizado, bem como autoriza a impetração de
ADI/ADO e MI e até mesmo MS a fim de se cobrarem providências legislativas ou
administrativas para a concretização de tais direitos.
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