"Estou em um país capitalista". Foi assim que Bolsonaro se referiu à maior potência comunista do mundo. A declaração veio para desfazer um imbróglio: durante toda a sua campanha eleitoral, para polarizar, o pesselista atacou o país oriental e, ao início do mandato, evitou o contato a todo custo, gerando protestos inclusive da burguesia brasileira, que depende da China para escoar parte de seus produtos primários.
Ao longo desses dez meses que está no poder, Bolsonaro procurou se aproximar dos Estados Unidos, escolhendo este país como um dos seus primeiros destinos para uma visita de Estado; nada mais estava fazendo do que batendo continência ao seu pavilhão, como fizera de maneira explícita antes de tomar posse. Lá, abriu as portas brasileiras aos americanos sem contrapartida, anunciou a entrega da base militar de Alcântara e prometeu engajamento a um problema geopolítico que não é seu, a questão venezuelana. Em troca, ganhou um tapinha nas costas e uma promessa de entrar na OCDE.
Trump, que quer uma "América para os americanos" (traduza-se isso em intervir em todos os países da América Latina), jamais teve o interesse em se alinhar com um Brasil falido diplomaticamente; apenas estimulou o seu fã a exercer a sua subserviência colonial. Em virtude disso, é forçoso até para os setores que se diziam nacionalista acreditar que algum provento viria dessa "troca" entre metrópole e colônia, uma vez que a missão brasileira foi ao continente norte-americano sem nenhum poder de barganha e prestígio. Com o tempo, Bolsonaro foi se tornando um ativo tóxico ao redor do mundo (sim, a terra é arredondada) e Trump viu a necessidade de se descolar de seu homólogo brasileiro, ainda mais depois que se viu em um processo de impeachment que, ao contrário do que pensavam os estrategistas da alt-right, queimou o seu capital político. O divórcio veio com a declaração de amor não correspondido de Bolsonaro e com o seu patético discurso na abertura da Assembleia-Geral da ONU deste ano. A promessa de fiar a candidatura brasileira a OCDE não veio. Não que essa entrada fosse boa para nós, mas ainda sim se tratou de uma humilhação para o governo brasileiro no exeterior.
Internamente, a rede bolsonarista de desinformação arrefeceu diante da desagregação do PSL, numa briga mal-calculada entre os Bolsonari e os setores bivaristas do partido pelo gordo fundo partidário que começará a ser utilizado nas eleições de 2020. Todos erros do próprio bolsonarismo na consecução de seu projeto de poder. Paralelamente a isso, o parceiro numero um do fascismo brasileiro, Benjamin Netanyahu, perdeu o posto de primeiro-ministro em Israel, a extrema-direita húngara perdeu espaço, a direita corre sérios riscos de ser rechaçada eleitoralmente na Argentina, países latino-americanos como o Chile, o Equador e o Peru, reacenderam a chama da luta de classes e Evo Morales foi reeleito na Bolívia, vacinando-se contra uma tentativa de golpe de estado patrocinada pelos americanos que tentam fazer de Carlos Mesa uma espécie de Guaidó austral. E agora, José? Sem parlamento, sem partido e sem apoio internacional, o que resta a Jair Bolsonaro fazer na cadeira presidencial?
A resposta parece ser fazer algo inusitado no repertório bolsonarista: fazer política. Com o rabo entre as pernas, o presidente cítrico foi até Pequim buscar alguma relevância escorando-se na figura de Xi Jinping, que o recebeu de braços abertos, de olho que está na privatização de estatais estratégicas brasileiras (lembremos que, há um ano atrás, Jair reclamava que os chineses queriam comprar o Brasil). Essa política, porém, se dará na única linguagem internacional que o mandatário conhece: a da subserviência.
Enquanto o governo federal vai se acuando, as medidas neoliberais vão se aprofundando pelas mãos de Rodrigo Maia. O povo brasileiro ainda não esboça nenhuma reação a esta destruição do tecido social - mas, por quanto tempo?