Este artigo foi encaminhado pela nossa colaboradora Patrícia Reis.
Imagem: R7
Este é um trecho do livro que escrevi, mas ainda não o publiquei. Eu o trouxe aqui com um objetivo, mostrar àqueles que defender regime militar (golpe), terra plana, que o impeachment não foi golpe, entre outras sandices o que foi um regime autoritário. Faço isso porque está impossível a convivência humana no país. Outro dia fui chamada de retrógrada por um policial que quer que voltemos há 50 anos, sendo que eu quero avançar 100. Não vejo coerência, então, abaixo trarei apenas o relato de uma criança, que viveu num regime, que era horrível em todos os aspectos, e, mesmo eu não sabendo, eu sofri as consequências. Os nomes são fictícios, os fatos reais. Segue o texto:
Cabular aula “ao contrário”
...
Um dia cabulamos aula e pulamos o muro do clube mais chique da cidade, chamado Itaguará. Ficamos lá o dia todo, jogamos, fizemos piquenique, roubamos coquinho. Juntaram-se a nós nossos amigos da sala de aula, Leo, César, Luis, Rose e Raquel.
Os dias estavam tumultuados naquele período. Eram tantos afazeres para uma pessoa só, eu aceitava todas as incumbências que me davam, todos os convites sociais, e era difícil atender a tudo. Além da comissão de formatura, as aulas e as provas para as quais eu nunca estudava, ainda ensinava música para os alunos de piano, fazia aula de datilografia, estudava a música para a apresentação da Audição, organizava a apresentação de fim de ano, que seria uma dança de foxtrote, com chapéu e bengala a roupa era toda em preto e branco. Envolvi até a minha mãe nas tarefas de confeccionar as saias de todas as participantes e bordando as gravatas.
A minha agenda era bastante apertada. Certo dia minha aula de datilografia se alongou mais do que o costumeiro e após aquela aula eu teria prova de matemática na primeira aula, mas aconteceu um pequeno problema de ordem fisiológica, que acontece mensalmente para as mulheres, e por mais rápida que eu tenha sido no banho que anteriormente não estava planejado, não foi suficiente para evitar que os portões do colégio estivessem fechados quando finalmente cheguei à escola.
Desesperei-me, perder a prova bimestral era fatal, seria a primeira vez na vida que ficaria com uma nota vermelha, minha mãe comeria meu fígado, no desespero tentei ser honesta, fui até a diretoria e expus a situação e disse que precisava entrar, mas a resposta da inspetoria foi incisivamente negativa, e ainda me expulsou do colégio, entrei em pânico novamente.
Do lado de fora do colégio, sentindo-me injustiçada, com raiva, receosa por perder a prova, e irremediavelmente indesejada pela Diretoria, sentei-me na calçada de frente para o colégio de onde avistava o portão frontal, pensei que seria uma boa idéia pular aquele portão que inclusive era bastante fácil de fazê-lo, contudo era muito próximo à sala do Diretor, pensei que pelos fundos embora fosse mais difícil era mais seguro, juntei minha mochila e pus-me a caminho.
Era um muro razoavelmente grande, de chapisco e com uns pregos pequenos em cima, que para minha sorte não estavam uniformemente distribuídos. Retirei da minha mochila o agasalho embrulhei-o nas mãos, coloquei um paralelepípedo que estava meio esquecido e sem utilidade no terreno baldio ao lado, subi em cima dele e tentei escalar o muro. Algumas tentativas foram em vão, perseverei e tentei até conseguir chegar ao topo do muro, lancei minha perna direita para o outro lado, fazendo um ângulo maior do que costumava fazer para caminhar e, nesse momento, senti que o tecido de minha calça se rompeu, fio a fio, lentamente, não dava para voltar a perna para a posição anterior primeiro porque era um fato quase consumado não havia meios do tecido se costurar com o retorno de minha perna a posição anterior, depois porque se eu desistisse perderia a prova. Então pensei comigo:
— Azar, depois penso nisso.
E joguei-me para o outro lado do muro sem restrição, o que fatalmente aumentou a proporção do rasgo inicial. Enfim estava do outro lado, apesar dos arranhões no chapisco e a sensação de frescor no bumbum, já em terra firme sã e salva, iniciei minha tarefa de esconder o desastre causado antes de ir a famigerada prova.
O mesmo agasalho que protegeu minhas mãos agora estava sendo amarrado na cintura para tampar o desagradável buraco que ficou na calça, quando atrás de mim surgiu uma voz – a inspetora.
Dona Creuza era como a chamávamos, todos tinham muito respeito a ela, sabia ser dócil e decisiva ao mesmo tempo, nunca desobedecíamos suas ordens, até mesmo muito mais pela consideração do que outra coisa.
— Muito bem, Dona Jaqueline, você conseguiu dar um jeito de entrar... se você voltar pelo mesmo caminho eu vou fingir que não te vi e não vou te dar uma suspensão.
— Mas Dona Creuza eu preciso fazer a prova, não é justo. Todo mundo pula o muro de dentro para fora para fugir daqui, você deveria se orgulhar que eu estou pulando de fora pra dentro, porque eu adoro a escola.
— Última palavra Jak, vou falar para o Professor dar outra prova para você, mas agora vá embora.
-- Dona Creuza, posso pedir só uma coisinha? Abre o portão da frente pra mim? Eu rasquei a calça, será uma visão esquisita para quem estiver na rua se eu tiver que despular novamente.
— Tá bom, Tá bom.
Após esse evento, eu percebi algumas semanas depois, que o muro foi aumentado com uma tela grossa imensa, intransponível, lembrei-me do portãozinho de minha antiga casa quando era menor e dei uma gargalhada pensando, é só eu crescer que consigo novamente.
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E era assim, meritocracia, zero, pois no boletim só havia notas máximas, mas, eu era pobre, portanto, não recebia elogios e presentinhos.
Minhas idéias eram boicotadas, pois os louvores eram sempre destinados aos filhos dos vereadores, do prefeito, do capitão da Aeronáutica.
Meritocracia é o nome que se dá para a palavra apadrinhamento.
Obrigada por ler até o fim
Patricia Reis
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