Editorial
No último dia 10 de novembro, Evo Morales renunciou ao mandato de Presidente da República Plurinacional da Bolívia, após violentos protestos patrocinados pela direita e um “pedido” das Forças Armadas. Um sujeito oportunista que surgiu com o golpe é Luis Fernando Camacho, uma espécie de Bolsonaro da Bolívia, membro do “Comitê Cívico pró-Santa Cruz”, que é uma organização fascista que surgiu em Santa Cruz de la Sierra para conservar o espírito colonizador do branco boliviano, que se acha herdeiro direto do europeu, em contraposição aos povos andinos.
A clivagem entre brancos e indígenas existe nos países que foram invadidos pela Espanha através de uma lógica própria, que difere um pouco da cultura brasileira, uma vez que os indígenas participam de maneira mais direta na política dessas nações, tanto que conseguiram emplacar um presidente da República. Lá, os indígenas são franca maioria, compondo 55% da população, ao passo que os brancos são apenas 15%; o que faz a Bolívia ser tão explosiva, no entanto, é o fato que a minoria branca é a detentora da riqueza, enquanto a maioria vive na pobreza ou em uma vida modesta.
A Bolívia apresenta um enorme histórico de golpes e mandatos inconclusos (o fato do nome do prédio presidencial se chamar Palácio Quemado não é à toa). Evo foi o presidente que mais tempo conseguiu ficar no poder - a média de ocupação no cargo da presidência na história pós-Segunda Guerra da Bolívia é de dois anos e meio; Evo conseguiu se manter por treze anos, superando, inclusive, o nazista e ditador Hugo Banzer, sendo que este último, por muito tempo governou sem precisar se eleger e com forte aparato repressivo.
Evo renunciou após grupos financiados pelos Estados Unidos insuflar a população a se insurgir, devido a denúncias de supostas fraudes nas eleições que deram a vitória em primeiro turno ao presidente bolivariano; a Polícia foi a primeira organização a aderir ao golpe, enquanto as Forças Armadas se negavam a prestar apoio a Evo. Casas de políticos ligados ao Movimento al Socialismo foram incendiadas; a prefeita da cidade de Vinto, Patricia Arce Guzmán, foi agredida e humilhada em público, sendo pintada de vermelho, obrigada a andar descalça por horas e tendo seu cabelo cortado. Eventos como este demonstram o caráter fascista do levante. Camacho, quando adentrou ao Palácio Quemado, estendeu a Bíblia sobre a bandeira boliviana e começou a invocar Jesus Cristo! (lembremos que a maioria da população não é cristã!). Os presidentes do Tribunal Superior Eleitoral foram feitos reféns por homens encapuzados com o uniforme da polícia boliviana.
O interessante deste golpe é que ele vem durante uma época de maresia na economia boliviana. Duas semanas antes do acontecido, a BBC publicou um artigo, que foi reciclado após a renúncia, intitulado “O que está por trás do sucesso econômico da Bolívia da era Evo Morales?”. O conflito social emergiu por puro reacionarismo de setores da extrema-direita diante de uma “desculpa”, uma acusação de fraudar mais de 10% dos votos válidos nas eleições gerais. A Organização dos Estados Americanos, quintal oficial dos Estados Unidos, teve um importante papel na escalada dos protestos, quando decidiu adiantar o resultado de seu parecer, mesmo antes de haver concluído a auditoria, ainda que a Bolívia estivesse caminhando para um clima de pacificação, como se importasse com o timing de quem promovia os protestos. É interessante a nota à imprensa do organismo do dia 11, onde conclama a Assembleia Nacional a organizar novas eleições e, ao mesmo tempo, e mesmo com os inúmeros casos de violência contra os indígenas, coloca mais lenha na fogueira, pedindo a continuidade da investigação das fraudes, por parte da justiça boliviana, “até as últimas consequências”, adotando uma postura pouco diplomática e até mesmo intervencionista.
Grupos que apoiam Evo Morales deram um ultimato de quarenta e oito horas aos golpistas, enquanto organizavam uma marcha para La Paz. Durante o caminho, ouvia-se o brado da multidão “Ahora sí, guerra civil”, “Evo no está suelo” e “Evo vencerá”. No percurso, tropas passaram a atirar à chumbo na população, matando ao menos três pessoas, entre elas uma criança.
Os governos do México, da Rússia, da China e do Uruguai denunciaram o golpe de Estado na Bolívia; no Brasil, mesmo com a quartelada, com o ultimato das Forças Armadas e com a barbárie tomando as ruas, os jornais evitam usar a palavra “golpe” e preferem amenizar com “renúncia”. Evo Morales seguiu para o asilo político após o México lhe oferecer seu território. A Rússia mandou um recado ao Brasil através de uma nota diplomática pedindo encarecidamente para ele não se intrometer nas questões internas da Bolívia, em resposta aos vazamentos de áudio nos quais grupos camachistas e religiosos evangélicos diziam ter apoio estadunidense e de “uma pessoa muito próxima a Bolsonaro”.
O levante na Bolívia certamente inspirará grupos fascistas brasileiros a tomarem atitudes mais radicais, muito embora o apoio ao governo Bolsonaro esteja minando dia após dia. É importante ficarmos vigilantes para as pretensões autoritárias de certos “líderes” políticos e, também, vigiarmos as pretensões das lideranças evangélicas; podemos estar sob a lógica de uma nova “Cruzada” por parte deles.
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