Direitos dos trabalhadores urbanos e rurais
Desde a Primeira Guerra Mundial, sempre foi o grande embate de interesses no país os direitos sociais. Expressão maior da luta de classes e de tentativa de conciliação do Estado de Bem-Estar Social entre os interesses da elite capitalista e dos trabalhadores, os direitos sociais são prestações do Estado em frente ao poder econômico.
A história brasileira apresenta em sua identidade, devido à sua formação territorial e forma de exploração desde os primórdios da dominação europeia, a questão fundiária. Em razão da sua grande extensão de terras e da mentalidade semifeudal empregada pela Coroa Portuguesa ao fazer as cartas donatárias, o trabalhador rural sempre foi legado a segundo plano. O urbano, por outro lado, conseguiu se organizar melhor, uma vez que a demanda por mão-de-obra sempre se concentrou nos centros capitalistas de produção, tornando possível a articulação dos interesses da classe. Por essa razão, quando Getúlio Vargas elaborou a CLT, o sujeito dos direitos sociais eram os trabalhadores urbanos. A dignidade demoraria a chegar no campo – no papel, chegaria somente com a Constituição de 1988; materialmente, a mudança tem demorado a chegar e não raramente os movimentos sociais apresentam uma ação real mais progressista que o próprio Estado.
O dispositivo que enumera não exaustivamente os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais é o art. 7º, que elenca:
I – a relação de emprego protegida contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
Nesse caso, há a proteção ainda ao empregado eleito para cargo de direção de comissões internas de prevenção de acidentes, desde o registro da candidatura até um ano após o término do mandato e da gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
XXI – aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;
O aviso prévio serve para evitar que alguém perca seu emprego do dia para a noite, evitando com isso todos os transtornos que surgem a partir daí.
II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
Trata-se de uma quantia em dinheiro paga pelo governo para que o trabalhador dispensado consiga sobreviver até arrumar outro emprego.
III – FGTS – fundo de garantia por tempo de serviço;
Antigamente, o trabalhador que conseguia trabalhar por dez anos na mesma empresa adquiria um direito chamado de “estabilidade decenal”. A partir dessa data, este não poderia ser dispensado sem justa causa. Em 1964, houve o golpe de Estado contra João Goulart e entrou Castelo Branco na Presidência do Brasil. Com um governo voltado mais para os empresários do que para os trabalhadores, em 1966 a estabilidade decenal foi revogada e, para acalmar os ânimos dos trabalhadores, o regime militar criou o FGTS, que trata-se de uma poupança compulsória, bancada pelo empregador, a ser devolvida para o trabalhador em caso de aposentadoria ou desemprego involuntário.
Mas a ideia de fazer o empregador arcar com o fundo não era de forma alguma algo mais voltado para as massas. Na verdade, coadunava-se perfeitamente com o nacional-desenvolvimentismo, tratando-se de utilizar sobretudo do dinheiro da classe média baixa – pequenos empresários – para arcar com as necessidades de financiamento em infraestrutura, demanda voltada para os grandes investidores que precisavam escoar suas mercadorias pelo território.
Com a Constituição de 1988, o FGTS consolida-se como uma fonte de captação de recursos do setor privado para o público e como uma forma de amparo ao trabalhador, muito embora o dinheiro desvalorize ao longo do tempo. Originariamente, pagar o FGTS aos empregados domésticos era facultativo. Em 2013, o governo petista promoveu a Emenda Constitucional n.º 72/2013, que tornava obrigatório o pagamento de FGTS aos empregados domésticos. No entanto, a EC ainda não foi regulamentada, fazendo com que o recolhimento continue sendo facultativo por parte dos empregadores. Cabe a nós, como brasileiros, nos perguntar genuinamente qual o motivo para encararmos os empregados domésticos como diferentes daqueles que trabalham em empresas. Será que não existe uma ponta de mentalidade escravocrata por parte de nossos legisladores? É uma mera coincidência o fato de que 50% dos parlamentares serem latifundiários?
IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada a sua vinculação para qualquer fim;
Súmula Vinculante n.º 04. Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser utilizado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem pode ser substituído por decisão judicial.
Súmula Vinculante n.º 06. Não viola a Constituição o estabelecimento de remuneração menor ao salário mínimo para as praças prestadoras de serviço militar inicial.
XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;
VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
Se a categoria entender, por exemplo, que é melhor diminuir o salário e conservar os empregos, pode haver redução do salário. Do contrário, o salário tem que ser sempre crescente. A decisão é coletiva, isto é, um trabalhador não pode aceitar por si só a diminuição do seu salário.
O STF entende, e deixou isso escrito em sua Súmula 679, que a fixação dos vencimentos dos servidores públicos não pode ser objeto de convenção coletiva, sendo necessária uma lei para isso. É uma forma de o Executivo não se utilizar do salário do servidor como uma forma de suborno eleitoral.
VIII – décimo terceiro com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;
IX – remuneração do trabalho noturno maior do que do diurno;
XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas por dia e quarenta e quatro horas semanais, facultada a compensação de horas e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
XIV – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% à do normal;
Serviço extraordinário é uma forma bonita de dizer “hora-extra”
XIV – jornada de seis horas para trabalhos realizados em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;
É a famosa escala de serviço.
O intervalo para descanso e alimentação durante a jornada de trabalho não descaracteriza o sistema de turnos ininterruptos de revezamento.
XV – repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos.
V – piso salarial proporcional à extensão e complexidade do trabalho;
X – proteção do salário, na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;
A participação na gestão da empresa é um direito excepcional, e não uma regra. O Brasil ainda é capitalista.
XII – salário-família, pago em razão de dependente do trabalhador de baixa renda, nos termos da lei;
Ação de créditos trabalhistas
XXIX – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;
O prazo é prescricional e não decadencial, já que o direito de receber o crédito trabalhista nasce independentemente de condição exercida em lapso temporal.
Idades mínimas para o trabalho
XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze;
Isonomia para o trabalhador avulso
XXXIV – igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso;
Cabe ressaltar que o trabalhador avulso difere do trabalhador autônomo. O avulso é filiado a sindicato ou a órgão gestor de mão-de-obra (OGMO); o autônomo é patrão de si mesmo. Um exemplo clássico de trabalhador avulso é o estivador de porto.
XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o trabalho normal;
XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do trabalho, com duração de cento e vinte dias;
XIX – licença-paternidade, nos termos da lei;
XX – proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;
XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
XXIII – adicional de remuneração para atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;
XXIV – aposentadoria (por enquanto...);
XXV – assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até os cinco anos em creches e pré-escolas (EC 53/2006 reduziu a idade de 6 para 5 porque a idade escolar também diminuiu de um ano)
XXVI – reconhecimento dos acordos e convenções coletivas de trabalho;
XXVII – proteção em face da automação, na forma da lei;
XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado quando incorrer em dolo ou culpa;
XXX – proibição de diferenças salariais, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade ou estado civil;
XXXII – proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre profissionais respectivos;
Art. 10. É assegurada a participação dos trabalhadores e empregados nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação.
Hoje em dia esse artigo não é muito bem utilizado, como ficou patente na tentativa de Michel Temer em promover a Reforma Previdenciária.
Art. 11. Nas empresas de mais de 200 empregados, é assegurada a eleição de um representante destes com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores.
Extensão dos direitos aos domésticos.
Com a EC n.º 72/2013, promovida pelo governo Dilma, os trabalhadores domésticos passaram a ter os mesmos direitos que os demais trabalhadores. Deve haver a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, bem como a sua integração à Previdência Social. Pois é, os trabalhadores domésticos não tinham aposentadoria, nem tinham direito de se machucar no emprego, uma vez que o INSS não o remunerava por seu afastamento. OS domésticos eram verdadeiros escravos em pleno século XXI que tinham que se contentar com o salário disponível, quase sempre inversamente proporcional ao nível de seu desespero, e com os “privilégios” da caridade do patrão, que lhe dava pó de café, pacote de arroz, etc, como “prova” de seu bom coração. Não obstante esse pequeno avanço, dependem de autorização os direitos relativos à relação de emprego protegida contra despedidas arbitrárias, seguro-desemprego, FGTS, remuneração do trabalho noturno superior à do diurno, salário-família, assistência gratuita aos filhos e dependentes em creches e pré-escolas, e o seguro contra acidente de trabalho a cargo do empregador.
Extensão dos direitos aos servidores públicos
Devemos lembrar que o servidor público:
1) Tem estabilidade, por isso, não precisa de FGTS, proteção ao emprego, seguro-desemprego, proteção contra automação e aviso prévio. Não obstante, os empregados públicos, contratados sob o regime celetista, arcam com o ônus de todos esses direitos, sem gozar de nenhum deles.
2) Trabalha para o governo: não há o que se falar em participação nos lucros, reconhecimento de acordo coletivo e convenção- uma vez seu vencimento e vantagens são estipulados por lei – e proteção contra a retenção dolosa do salário; na verdade, o governo pode reter o salário de forma dolosa amparado no seu poder hierárquico, em caso dessa figura antropofágica mitológica criada atualmente chamada “decretação de estado de emergência financeira”. É o que está acontecendo no Rio de Janeiro, por exemplo.
Liberdade Sindical
Art. 8º. É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
I – a lei não poderá exigir a autorização do Estado para a fundação do sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao poder público a interferência e a intervenção na organização sindical;
Portanto, o que o Eurico Gaspar Dutra (1946) e os militares fizeram, durante a ditadura militar, em teoria, não pode mais. O sindicato já é assaz fragilizado para ter interferência do Estado.
II – é vedada a criação de mais de uma organização sindical em qualquer grau, representativa da categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser menor à área de um município.
O inciso busca diminuir a fragmentação sindical (que mesmo assim é enorme) e, dessa forma, fortalecer a categoria.
O STF diz que, caso haja mais de um sindicato na mesma base territorial, deve-se utilizar o princípio da anterioridade para decidir quem vai ser extinguido e quem fica. Não ofende a unicidade sindical o desmembramento territorial dos sindicatos, por deliberação dos partícipes, desde que o território de ambos não se reduza à área inferior a de um município e que não haja superposição sindical total. A cisão em federações também não fere o princípio da unicidade sindical quando evidenciar a diferenciação de interesses econômicos entre duas espécies de trabalhadores, mesmo sendo elas conexas.
III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e dos interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;
IV –a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontado em folha, para custeio do sistema confederado da representação sindical respectiva, independente da contribuição prevista em lei.
A contribuição sindical está prevista no art. 149 da Constituição e é um tributo. Já a contribuição prevista neste inciso, que será fixada pela assembleia geral, não é tributo, pois não é instituída por lei, sendo apenas cobrada daqueles trabalhadores que optarem por fazer parte da organização sindical.
Portanto: contribuição confederativa não é tributo. Contribuição corporativa (ou contribuição sindical) é, apesar do nome.
V – ninguém será obrigado a filiar-se ou manter-se filiado a sindicato;
Se você quiser ser pelego, fique à vontade.
VI – é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;
VII – o aposentado filiado tem direito de votar e ser votado nas organizações sindicais;
VIII – é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro de sua candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o fim do mandato, salvo se cometer falta grave, nos termos da lei.
Parágrafo único. As disposições desse artigo aplicam-se às organizações de sindicatos rurais e de colônias de pescadores, atendidas as condições que a lei estabelecer.
Classificação doutrinária dos direitos sindicais
Liberdade de constituição. É vedada a imposição de autorização do Estado para se constituir. É vedada também a sobreposição.
Liberdade de inscrição. Ninguém é obrigado a filiar-se.
Direito de auto-organização. Até porque, se o empregado meter o bedelho no sindicato, de nada este servirá.
Direito ao exercício da atividade sindical na empresa. Participar de negociações coletivas e defender os direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas.
Direito democrático. Dirigentes são escolhidos por eleições periódicas e secretas, com quorum para votações para as assembleias gerais, inclusive para deflagrar greves, controle de contas e responsabilidade dos dirigentes.
Direito de independência e autonomia. Direito de obter fontes de renda independentes do patronato ou do poder público.
Direito de relação ou de filiação em organizações sindicais internacionais. Pode cantar a musiquinha do Pierre de Geyter? Pode. Trata-se do princípio da solidariedade internacional dos interesses dos trabalhadores;
Direito de proteção especial dos dirigentes – estabilidade sindical.
Direito de greve.
Assegurado pelo art. 9º, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. Cabe à lei definir quais são os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. A regra para o exercício do direito de greve é basicamente a seguinte: pode fazer, desde que não acarrete muito ônus à ordem social. Portanto, o direito de greve, além de ser constrangido pelo poder econômico do patronato, que pode despedir seus empregados, é constrangido pelo Estado também, que o coloca como norma de eficácia contida. Tudo isso para colocar o trabalhador no seu devido lugar.
Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei. Isso significa que quem irá julgar se uma classe de trabalhadores, em gerais de classe baixa, abusou do direito de greve é um juiz, de classe média alta, que, via de regra, está mais próximo de representar o patronato que quer que a greve acabe, do que o trabalhador. Já com relação a lei, impende dizer que os políticos de carreira carecem de total representatividade da população brasileira. A bem da verdade, estes representam apenas os preconceitos ideológicos incutidos neste através da mídia, que também é um veículo que reflete a ideologia conservadora da classe média.