quarta-feira, 21 de junho de 2017

The Keepers - o que Rafael Braga, Lula e a Irmã Cesnik Têm em Comum?


Muito embora tenha desagradado alguns fãs nos últimos dias, com o cancelamento da série Sense8, nada desabona o fato de que a Netflix é, atualmente, a produtora mais promissora de séries, filmes e documentários da atualidade. Para diferenciar das demais, o streaming tem apostado em produzir conteúdos com viés progressistas e The Keepers é uma docussérie que se enquadra nessa lógica.

A trama gira em torno do assassinato não solucionado de uma freira, Catherine Cesnik, que ministrava aulas em uma escola católica, Seton Keough High School, depois que um grupo de ex-alunas resolve romper o silêncio e investigar o caso por conta própria, décadas depois. Porém, ao contrário da tradição dos unsolved crimes series comuns, a narrativa não se concentra somente no caso do homicídio e vai se imbricando para diversas histórias paralelas, relatando os abuso sexual de menores que aconteceram sob a tutela da Igreja, tendo como perpetrador o padre que administrava  o colégio, Joseph Maskell, e seus amigos - padres, policiais e outros cidadãos de bem.

Aos poucos, The Keepers vai denunciando não só a conduta repugnante dos abusadores, mas também a leniência das estruturas de poder, mormente a Igreja Católica, a Polícia e o Judiciário, bem como, e principalmente, o machismo estrutural da sociedade, o qual atinge seu ponto máximo de expressão, no discurso, quando Jane Doe vai depor contra Maskell no tribunal.

É bom perceber, porém, que a história de Cathy Cesnik está muito mais adjunta de nossa realidade do que supomos à primeira vista. A freira assassinada está muito mais próxima de Lula e Rafael Braga, do que do Papa Francisco. Bem, e o que uma freira, um sem teto e um trabalhador têm em comum? São todos sujeitos passivos do abuso de autoridade, da opressão, do conluio daqueles que detêm o poder do Estado, ou é amigo deste. Entre a Arquidiocese de Baltimore e o Tribunal de Justiça de São Paulo, ou o TRF de Curitiba, há menor distância do que gostaríamos de supor.

A semelhança entre as três figuras reside no símbolo de questionamento do poder puro das elites dominantes. Caso Cathy houvesse denunciado Maskell a tempo, a questão viraria um escândalo e a Igreja iria ter sérios reveses, assim como toda a estrutura política sustentada por ela - não devemos nos esquecer que, nos lugares onde o sentimento religioso é muito forte, é difícil separar a fé institucionalizada da própria política, pois os representantes são escolhidos devido ao atrelamento de suas imagens à vida na comunidade religiosa; um escândalo significaria um abalo nessa estrutura - seria o questionamento dos homens privilegiados pelas mulheres oprimidas. Para Rafael Braga, a relação é mais direta: trata-se de um negro que participou de manifestações as quais questionavam diretamente o poder do Estado (mais de duas mil pessoas foram averiguadas, nenhum branco foi detido). No tocante a Lula, o questionamento de poder toma ares de preferências políticas e de um grau (limitado, diga-se de passagem) de empoderamento de certas classes emergentes, as quais podem causar problemas às elites econômicas e políticas, principalmente no contexto de uma crise econômica - o processamento do ex-presidente, na base de meras convicções, simbolicamente demonstra o questionamento do espaço dos trabalhadores dentro de uma economia capitalista (apesar de que Lula não represente, nem de longe, a negação do capital).

Portanto, para conservar o poder, aqueles que o exercem são capazes de afastar as leis e os direitos, passando por cima dos mais vulneráveis - dos negros, dos trabalhadores e das mulheres - tudo em nome do controle social. Assim aconteceu nos desdobramentos do caso Cesnik: depoentes foram hostilizadas, provas foram suprimidas e sentenças  contra legem prolatadas. A Arquidiocese jogou panos quentes o quanto pôde. O crime pode ter sido cometido por um ou outro, mas toda a estrutura de poder concorreu para a sua impunidade. Para Lula e Rafael Braga, basta uma condenação sem provas, pois um é "ladrão" e o outro é "vândalo". Foi preciso uma união muito contundente e o vazamento para a mídia para que, no caso dos assédios em Keough, alguma atitude fosse tomada.


Moral da história: se você é um fudido, não confie nas estruturas de poder. Associe-se com outros fudidos e faça o máximo de barulho que conseguir. Caso não seja o suficiente, prepare-se para uma revolução.

Enquanto isso, no futebol da tarde, o padre, o promotor, o juiz e o empresário seguem mantendo sua bonita amizade, agindo com o arbítrio que lhes aprouver, tendo a certeza de que permanecerão livres, leves e soltos, pois o capital sustenta as estruturas de poder que lhes garantem a sua imunidade. Eis a face mais escancarada do conservadorismo. Como diria o Capitão Nascimento: O Sistema é foda.

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