quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Antes cair das nuvens, que de um terceiro andar

O Século XX foi marcado por grandes paradoxos e contrastes para a humanidade. Até o final de sua primeira metade, o mundo vivenciou um período de difusão do ódio, o que desencadeou guerras terríveis e consequências lastimáveis. Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, a Sociedade Internacional fundou a Organização das Nações Unidas com a promessa de zelar pela paz, lançando suas bases no entendimento mútuo e no respeito ao Direito Internacional, sobretudo no tocante à defesa dos direitos humanos.
Não obstante, mal as estruturas de governança global haviam sido instituídas e o confronto entre o mundo capitalista e socialista se deflagrou, perdurando por quarenta anos. Ambas as ideologias pretendiam ser o vetor para a organização de um mundo mais justo e sem guerra, entretanto, o que se assistiu foi a emergência da violência sistemática generalizada, sintoma de uma ordem mundial em perpétua bipolaridade que separava a humanidade através do discurso de “nós” e os “outros”, constituindo para cada uma das superpotências seus próprios “vilões” e “heróis”.
Com o débâcle da União Soviética, o mundo parecia ter entrado finalmente em uma época de entendimento e de paz. A vitória do capitalismo enquanto projeto global de Sociedade Internacional, e de sua expressão maior, a globalização, parecia dar lugar a um mundo sem fronteiras, tanto para as transações comerciais, quanto para as trocas culturais. A revolução científico-tecnológica ajudou imensamente para construir a utopia de irmandade entre as nações, sendo que a própria superpotência restante afirmava seu ímpeto de construção de uma nova ordem mundial que abarcasse tais valores, os quais, somados à ideia de democracia, tornaria possível a paz.
Para conformar tais ideais, no plano econômico, o neoliberalismo era a ideologia vigente. O entendimento era de que se deveria diminuir o Estado, pois este era ineficaz e constrangia a liberdade individual, cuja vivência seria uma premissa básica para a felicidade. Ao ator global fundamental, deveria ser legado somente as funções básicas, tais como a administração da justiça e segurança, bem como a regulação do sistema financeiro, de forma a criar um ambiente propício para que a economia se desenvolvesse, beneficiando a todos os indivíduos.
Paradoxalmente, apesar de se universalizar os padrões de consumo e liberalizar parte considerável dos fluxos de capitais e comércio, não se verificou a esperada abertura das fronteiras, o que tornou a mão-de-obra cativa da conjuntura de seu Estado Nacional, causando consequências catastróficas para os países da periferia e a concentração do poder nos grandes centros hegemônicos. A ideia de concertação global não vingou e o que se verifica é o aprofundamento das desigualdades regionais e entre as classes trabalhadoras e empresárias.
Portanto, o discurso globalista-universalista somente serviu para as elites dominantes consolidarem seu poder, debilitando o Estado de poder prover quaisquer mudanças substanciais nesse quadro. Um pequeno refluxo neste processo aconteceu durante os anos 2000, nos quais setores progressistas lograram alcançar o governo, no entanto, a utopia havia dado lugar ao realismo político, o que, após alguns anos de tentativa de implantar um Estado de Bem-Estar Social, transmudou em cálculo geopolítico para as grandes potências e para um regresso conservador na periferia, acelerando a acentuação das diferenças sociais.

O resultado deste processo tem sido a universalização dos padrões de consumo, o agravamento das diferenças de acesso a esses padrões, o amplo acesso do capital nos mercados emergentes e periféricos, sem uma contrapartida social proporcional, a precarização do mercado de trabalho, em contraste com a apropriação cada vez maiores de lucros por parte dos grandes conglomerados, e a circunscrição da miséria.

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