O Século XX foi marcado por grandes paradoxos e
contrastes para a humanidade. Até o final de sua primeira metade, o mundo
vivenciou um período de difusão do ódio, o que desencadeou guerras terríveis e
consequências lastimáveis. Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, a
Sociedade Internacional fundou a Organização das Nações Unidas com a promessa
de zelar pela paz, lançando suas bases no entendimento mútuo e no respeito ao
Direito Internacional, sobretudo no tocante à defesa dos direitos humanos.
Não obstante, mal as estruturas de governança
global haviam sido instituídas e o confronto entre o mundo capitalista e
socialista se deflagrou, perdurando por quarenta anos. Ambas as ideologias
pretendiam ser o vetor para a organização de um mundo mais justo e sem guerra, entretanto,
o que se assistiu foi a emergência da violência sistemática generalizada,
sintoma de uma ordem mundial em perpétua bipolaridade que separava a humanidade
através do discurso de “nós” e os “outros”, constituindo para cada uma das
superpotências seus próprios “vilões” e “heróis”.
Com o débâcle
da União Soviética, o mundo parecia ter entrado finalmente em uma época de
entendimento e de paz. A vitória do capitalismo enquanto projeto global de
Sociedade Internacional, e de sua expressão maior, a globalização, parecia dar
lugar a um mundo sem fronteiras, tanto para as transações comerciais, quanto
para as trocas culturais. A revolução científico-tecnológica ajudou imensamente
para construir a utopia de irmandade entre as nações, sendo que a própria
superpotência restante afirmava seu ímpeto de construção de uma nova ordem
mundial que abarcasse tais valores, os quais, somados à ideia de democracia,
tornaria possível a paz.
Para conformar tais ideais, no plano econômico,
o neoliberalismo era a ideologia vigente. O entendimento era de que se deveria
diminuir o Estado, pois este era ineficaz e constrangia a liberdade individual,
cuja vivência seria uma premissa básica para a felicidade. Ao ator global
fundamental, deveria ser legado somente as funções básicas, tais como a
administração da justiça e segurança, bem como a regulação do sistema
financeiro, de forma a criar um ambiente propício para que a economia se
desenvolvesse, beneficiando a todos os indivíduos.
Paradoxalmente, apesar de se universalizar os
padrões de consumo e liberalizar parte considerável dos fluxos de capitais e
comércio, não se verificou a esperada abertura das fronteiras, o que tornou a
mão-de-obra cativa da conjuntura de seu Estado Nacional, causando consequências
catastróficas para os países da periferia e a concentração do poder nos grandes
centros hegemônicos. A ideia de concertação global não vingou e o que se
verifica é o aprofundamento das desigualdades regionais e entre as classes
trabalhadoras e empresárias.
Portanto, o discurso globalista-universalista
somente serviu para as elites dominantes consolidarem seu poder, debilitando o
Estado de poder prover quaisquer mudanças substanciais nesse quadro. Um pequeno
refluxo neste processo aconteceu durante os anos 2000, nos quais setores
progressistas lograram alcançar o governo, no entanto, a utopia havia dado
lugar ao realismo político, o que, após alguns anos de tentativa de implantar
um Estado de Bem-Estar Social, transmudou em cálculo geopolítico para as
grandes potências e para um regresso conservador na periferia, acelerando a
acentuação das diferenças sociais.
O resultado deste processo tem sido a
universalização dos padrões de consumo, o agravamento das diferenças de acesso
a esses padrões, o amplo acesso do capital nos mercados emergentes e
periféricos, sem uma contrapartida social proporcional, a precarização do
mercado de trabalho, em contraste com a apropriação cada vez maiores de lucros
por parte dos grandes conglomerados, e a circunscrição da miséria.
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