quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

O Julgamento de Luis Inácio




O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) julgará hoje (24/1) o recurso impetrado pelo ex-presidente Lula contra sua a sentença de Sérgio Moro no caso Tríplex. A questão é emblemática, pois o ex-presidente é o favorito isolado nas pesquisas relacionadas às eleições deste ano e, caso seja condenado, sua candidatura poderá ser cassada. Ainda, caso a condenação não seja unânime (com placar 2 x 1), abre-se a possibilidade do acusado entrar com recurso nas instâncias superiores, STF e STJ, para questionar a decisão, utilizando-se de um instrumento jurídico chamado embargos infringentes. Dessa forma, abre-se a possibilidade de o ex-presidente recorrer sem ter sua candidatura cassada pela Lei Ficha Limpa.

A previsão, segundo o que nos ensina a História do Brasil, é que Lula saia do julgamento impedido de ser candidato, mas em liberdade. A conciliação está presente na vida política brasileira.

Posicionamento do Campo Progressista

A questão foi discutida nos movimentos sindicais, nos coletivos e nos partidos. Os posicionamentos deliberados foram os dos mais diversos possíveis. O PT claramente entende que Lula é a sua estratégia eleitoral única e atrela a sua candidatura à preferência eleitoral do povo e, com isso, amarra o discurso de perseguição à obstrução de sua candidatura, devido ao medo da direita de que este ganhe as eleições novamente. Reedita, com isso, o queremismo de Getúlio Vargas, quando da véspera do golpe que sofrera após a Segunda Guerra Mundial. O PC do B, que apesar de apresentar Manuela d’Ávila como pré-candidata, e o PCO são simpáticos ao posicionamento petista. O PC do B inclusive pode se apresentar como herdeiros do lulismo, caso este venha a ter sua candidatura interrompida no dia de hoje.

Mais à esquerda, encontra-se os partidos revolucionários, como o PCR e o MRT, os quais alertam para a perseguição judicial, acreditam que tudo isso seja uma forma de inviabilizar a candidatura do ex-presidente, mas informou que não irão participar dos atos. Por fim, à direita, declarou-se a Transição Socialista e o PSTU, que acreditam que Lula é culpado, que há provas suficientes para a condenação, que não há nada de extraordinário na exceção que possivelmente poderia ser feito à Lula para condená-lo, uma vez que o sistema judiciário é assim mesmo. Dialoga, dessa forma, com a classe pequeno-burguesa, que encampou o mote contra a corrupção (que é o que tem permitido o avanço do fascismo judicial).

Já o movimento Marias e Joãos de Luta defendem o direito de Lula se candidatar, não por acreditar que ele seja a solução para os problemas da República que envelheceu jovem, mas porque negar-lhe esse direito pode significar negar o mesmo direito ao PSOL, ao PC do B, ao PCB, à Unidade Popular, enfim, a qualquer um que se apresentar como pertencente ao campo progressista. O caso do ex-presidente certamente será um precedente para a existência dos demais partidos institucionais e isso pode gerar um efeito dominó que arraste, inclusive, os setores revolucionários da esquerda.



Solução centrista

O partidos e políticos fisiológicos (inclusive alguns que procuram preencher um espaço dentro do PSDB), procuram a condenação de Lula, simplesmente para conseguir um palanque a mais, esquecendo-se de que isso significa abrir a caixa de Pandora. Alguns, no entanto, procuram ficar quietos, pois apresentam uma mentalidade de classe (de classe política) e sabem que o avanço do fascismo pode ser ruim inclusive para eles. Os únicos que realmente querem a cabeça de Lula a todo custo são aqueles que militam na extrema-direita. Os outros apenas usam o caso por conveniência eleitoral, mas já começam a se preocupar com a repercussão do julgamento.

Agrande questão é, apesar de ser aclamado pela classe trabalhadora, Lula é um candidato de centro, que dialoga com os dois lados da luta classista, apresentando um perfil mediador; o único que, talvez, na atual conjuntura política do país, possa dar uma sobrevida à República Nova e à democracia liberal que vivemos. A grande mídia internacional sabe disso e, por essa razão, o dia amanheceu pleno de editoriais a favor de Lula e contra o avanço conservador no espaço político brasileiro. Os mais importantes deles foram do El País (Por que seria melhor para a direita se Lula fosse absolvido) e do The New York Times (A Democracia Brasileira Sendo Empurrada para o Abismo), sendo que este último salienta a fragilidade das provas e comparou o caso brasileiro, na hipótese de haver uma condenação e afastamento de Lula das eleições, com o hondurenho, nas quais as eleições tiveram pouquíssima legitimidade, o que trouxe o país para uma grave crise social (Honduras foi o pioneiro do modelo parlamentar de golpe de Estado na América Latina).

A narrativa de que condenar um líder político da envergadura de Lula através de ilações pode arrastar o Brasil para um Estado de Exceção parecido com o da ditadura é correto. Pode-se argumentar que o sistema judiciário-policial brasileiro sempre foi de exceção - da burguesa em detrimento dos trabalhadores, dos ricos em detrimento dos pobres, dos brancos em detrimento dos negros, dos homens em detrimento das mulheres - e não vou discordar desse fato. O que muda com a condenação de Lula é o espaço que essa exceção pode ganhar. Nos dias atuais, preocupa-se muito com uma suposta justificativa e com a aceitação da opinião pública em relação a ela. Isso funciona como um freio frente às arbitrariedades. O fascismo opera, nos dias atuais, como um vampiro, que só sai para se alimentar durante a noite; depois de legitimada a perseguição contra o campo da esquerda, sob a figura da condenação de Lula, o sol já não vai ser mais um problema para a perseguição vampiresca.

Quem não lembra da cassação da Aliança Nacional Libertadora por Getúlio Vargas, que abriu espaço para o estado de sítio, a cassação dos direitos políticos, a tortura e a ditadura do Estado Novo? Ou mesmo do “julgamento” sumário que Hitler fez, com relação ao incêndio do Reichstag (provocado pelos próprios nazistas), para legitimar a cassação do KDP e do SPD e instaurar a ditadura nazista? Ou até mesmo do expurgo que Stálin empreendeu durante os Processos de Moscou?


ATOS CONTRA A PERSEGUIÇÃO JUDICIAL DO LULA

Porto Alegre amanheceu tomada por apoiadores de Lula. A manifestação contra a perseguição que o ex-presidente sofre, um dia antes do julgamento, foi de grande porte, apresentou entre 80 e 100 mil pessoas. A avenida estava toda tomada.

A ocasião reuniu boa parte da esquerda, seja da velha, quanto da jovem guarda. Diversas forças políticas estiveram presentes. A percepção nítida que se tem, ao questionar as pessoas nas ruas sobre o porquê estar nas ruas no momento, é a de que o golpe parlamentar, desencadeado contra Dilma Rousseff, tem seu potencial catalisador na ação contra Lula. Estar na rua era uma forma de defender a democracia.

A democracia liberal, longe de ser a ideal para a classe trabalhadora, apresenta-se como a última trincheira frente ao avanço conservador. Defendê-la, num momento como este, pode ser uma posição defensiva, mas certamente significa defender a vida de muitos trabalhadores e trabalhadoras, das minorias, frente ao que pode vir a ser um possível Estado policial.

Muitos jovens, como não se viam há um tempo atrás, mulheres principalmente, estiveram presente, o que significa que o lulismo influenciará mais duas gerações, pelo menos. A vanguarda do PC do B, a UJS, estava muito forte no ato e a velha guarda estava toda presente.

Havia delegações de outros países, tanto do Cone Sul (Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile), quanto do Caribe (Costa Rica). A solidariedade internacional pairava em torno daquilo que significou Lula para a integração dos povos americanos. Vários metalúrgicos, sobretudo de Minas Gerais, servidores públicos e aposentados estiveram presentes; a maioria deles apresentaram uma visão realista, no sentido político, do equilíbrio de forças: para eles, defender Lula era a única alternativa contra as reformas que eram colocadas, ou de diminuir seus danos.

O Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, com a presença de João Pedro Stédile, puxou a frente do ato, como é de praxe. Os Advogados em Defesa da Democracia, grupo político formado por advogados ativistas, que atuam nas manifestações de rua resguardando o direito dos cidadãos de se manifestar livremente, estavam de prontidão. Nenhum incidente foi registrado até o dia do julgamento.


O policiamento era assustador, mas inócuo, porque quando o povo está em grande quantidade, este não teme a força repressiva do Estado.

De acordo com a leitura de Mauro Rogério, que está presente nos atos, a candidatura de Lula escapou de suas mãos, e do próprio partido. O PT jamais colocaria 100 mil pessoas na rua em Porto Alegre, na atual conjuntura de refluxo e com os atuais recursos materiais. O julgamento do ex-presidente tomou um caráter classista, de nós (pobres, trabalhadores, minorias) contra eles (ricos, empresários, maioria). Com a condenação, o queremismo pode transbordar para uma luta de classes (ainda rudimentar, pois as massas ainda são muito crédulas nas soluções por dentro da democracia liberal, mas o que já seria uma certa tomada de consciência, infelizmente ao custo de muita tragédia).

O trabalhador tem o direito de apoiar a candidatura de quem quer que seja, de defender seus companheiros e seus direitos fundamentais, inclusive quando espelhados nos demais. Mesmo que a candidatura apoiada não seja a ideal, o nosso movimento estará junto com a classe trabalhadora, para tentar ao máximo garantir o direito de manifestação e para tomar consciência juntamente com a massa, muito embora, para nós, o ideal seja a auto-organização e a imposição política como classe. Lula representa, para nós, a última chance de estabilização política centrista.




quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Corrupção: Como a Esquerda e a Direita a Enxergam



A destituição de Dilma foi embalada pelo discurso anticorrupção. A polarização ficou clara nessa arena: os partidos de esquerda e centro-esquerda saíram em defesa do mandato da Presidenta, ao passo que a direita votou totalmente a favor de sua queda. Na centro-direita, um ou outro partido vacilante.

A estratégia utilizada pelos verdugos foi a de atribuir crime de responsabilidade a Dilma e, a partir disso, fazer um link com o discurso anticorrupção, aproveitando-se principalmente da situação do ex-presidente Lula perante Sérgio Moro.

Surfando nessa onda, o apoio a candidatos "salvacionistas" crescem de lá para cá, principalmente depois que a Lava Jato abriu a caixa de Pandora da forma burguesa de se fazer política - um alô para Romero Jucá.

A impressão que o senso comum tem ao ver a situação tal como se põe é a seguinte: a direita aposta na moralização, enquanto a esquerda parece "defender vagabundo". Como que os lados veem a questão da corrupção? E o centro, como fica?

Para responder a essas perguntas, devemos nos valer das premissas que fazem gerar o sentido de esquerda e direita, resgatarmos o sentido finalístico de cada uma dessas opções políticas.

A Esquerda é o conjunto de ideologias que acreditam que os seres humanos devem ser socialmente iguais, tendo o mesmo acesso a tudo aquilo que o dignifica, sobretudo educação, saúde e trabalho, enquanto a Direita é o conjunto que entendem que as desigualdades sociais são naturais e, às vezes, até benquistas. A primeira defende a igualdade e a segunda a hierarquização.

Pois bem, a Direita carrega consigo dois tipos principais de militantes: aqueles a favor da defesa do status quo (do estado das coisas), da hierarquia atual - no Brasil, conformam principalmente a gama mais liberal do espectro dos partidos pró-mercado - e aqueles que entendem que a sociedade está em franca decadência e que o status quo deveria voltar a uma época onde a hierarquia era outra, ou a distância hierárquica é entendida como maior - são os grupos conservadores, intervencionistas e até mesmo fascistas da política.

Uma visão há em comum com esses dois grupos: ambos defendem algum status quo. Dessa forma, os dois irão entender que a sociedade estava, em algum momento, no caminho certo, que as leis são boas, que o sistema funciona, e o que estraga a política é a corrupção, que nesse sentido é entendida como a subversão das regras. Para os extremistas, em especial, há a visão de que o progresso (que eles identificam como "degeneração moral") é o que gera a corrupção. Isso explica o porquê de a corrupção ser, para eles, um plano de governo, um motto de campanha eleitoral.

Para a Esquerda, composta por moderados e revolucionários, no entanto, há uma visão de que o sistema não é justo; sua razão de existir é justamente suprimir a hierarquização, visando a igualdade social. O que muda entre os moderados e os revolucionários é o método que deve ser empregado a supressão: os primeiros entendem que, acedendo ao poder pela via democrática, é possível mudar o sistema apenas empreendendo reformas; já os segundos entendem que o confronto é inevitável e que, em alguma altura será necessário empreender alguma derrubada de poder.

Pois bem, seguindo a visão de que o mundo é injusto e de que a missão do ser humano é evoluir nesse sentido, a corrupção surge como consequência dessa injustiça, e não a causa dela.  O acesso fácil pela classe privilegiada (os burgueses) ao poder, em contraposição à dificuldade experimentada pela oprimida (os trabalhadores), faz com que a lei seja um instrumento de manutenção dos privilégios dos burgueses sobre os trabalhadores; como aqueles controlam a execução das leis (via de regra, os juízes, promotores e demais agentes do sistema repressivo do Estado são indicados pelos políticos, que são eleitos pelo impulso dos burgueses), eles ficam livres para não cumpri-la, para corromper (os políticos e trabalhadores) e serem  corrompidos (quando cooperam para superfaturar uma obra pública, por exemplo).

Por essa razão, a Esquerda entende que deve-se acabar com a causa da corrupção, com seu fato gerador, o que torna a pauta da corrupção em si como acessória em seu discurso.

Por fim, temos o centro, que é revisionista, entende que existem desigualdades naturais e desigualdades criadas historicamente, e que estas últimas devem ser suprimidas. Seu discurso vai variar de acordo com a conveniência política. Por exemplo, o Partido dos Trabalhadores, de centro-esquerda, já se valeu do discurso anticorrupção para tentar eleger Lula, nas eleições de 1989 e 1994, mas hoje coloca-se numa posição defensiva. Ao invés de atacar as causas da corrupção, ataca a seletividade dos juízes e parlamentares, individualizando suas condutas, o que demonstra uma postura tipicamente centrista. Já o PSB se dividiu, quando do impeachment de 2016, entre aqueles que encamparam o discurso propalado pela Direita e pela Esquerda.

O cidadão deve fazer um exame de consciência ao escolher o candidato A ou B, afinal, corrupção é o que faz o mundo ser injusto, ou o fato de o mundo ser injusto é o que propicia existir a corrupção? Ao colocarmos um candidato salvacionista na presidência, estaremos realmente resolvendo o problema?