sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Desmitificando a Imigração em Portugal: Dados, Fatos e a Necessidade de Esclarecimento Político

No contexto das eleições autárquicas de 2025 em Portugal, o debate sobre imigração tornou-se especialmente acalorado. Muitas pessoas bem-intencionadas, sem identificação direta com a extrema-direita, acabam sendo atraídas por discursos populistas devido à insatisfação social e preocupações reais. Movidas por inseguranças quanto ao futuro do país, e expostas a explicações simplistas, podem direcionar seu voto para partidos como o CHEGA acreditando que a imigração está “descontrolada” e que prejudica emprego e bem-estar nacional.

Esta perspectiva, ainda que compreensível no clima de incerteza, colide com todos os dados oficiais. O artigo abaixo desmistifica crenças comuns, apoiando-se em fontes como o INE, Observatório das Migrações e Segurança Social portuguesa.

O Desafio Demográfico Português: Imigração Como Solução, Não Problema

O Encolhimento Populacional

Projeções do INE (2025) indicam que Portugal terá 8,3 milhões de habitantes até 2100 — menos 2,4 milhões face a hoje. O drama é triplo: baixa natalidade (1,4 filhos por mulher), envelhecimento acelerado e emigração de nacionais.


  • Jovens (0-15 anos): cairão de 1,4 milhão para menos de 1 milhão.

  • População ativa (15-64): de 6,8 milhões para 4,2 milhões.

  • Idosos (65+): de 2,6 para 3,1 milhões.


O índice de dependência de idosos aumentará drasticamente, tornando o sistema de Segurança Social insustentável sem a entrada de migrantes. Num cenário sem migração, Portugal teria apenas 6,5 milhões de habitantes em 2080, demograficamente inviável.

Mito 1: "Os Imigrantes Sobrecarregam a Segurança Social"

Os números oficiais refutam o mito:

Os dados oficiais destroem completamente este mito. Segundo o Observatório das Migrações e dados da Segurança Social:

Em 2022: Os imigrantes contribuíram com 1.861 milhões de euros para a Segurança Social, enquanto receberam apenas 257 milhões de euros em prestações sociais, resultando num saldo positivo de 1.604 milhões de euros.

Em 2023: As contribuições dos imigrantes atingiram o máximo histórico de 2.677 milhões de euros, com prestações de 484 milhões de euros, mantendo um saldo líquido amplamente positivo.

Os imigrantes são cerca de 7,5% da população, mas representam 13,5% dos contribuintes. Contribuem quase sete vezes mais do que recebem.​

Como afirma Catarina Reis Oliveira, diretora do Observatório das Migrações, os dados revelam que os estrangeiros são essenciais para a sustentabilidade do sistema. Sem sua participação, o colapso da Segurança Social seria acelerado.

Mito 2: "Os Imigrantes Roubam Empregos aos Portugueses"

Complementaridade, Não Competição

É comum ouvir que “os imigrantes tomam os empregos dos nacionais”. Na realidade, os dados mostram que:


  • Imigrantes suprem carências em setores como restauração, hotelaria, agricultura, construção civil, limpeza, cuidados a idosos — áreas com escassez de mão-de-obra nacional.

  • Na saúde, há falta crônica de médicos, dentistas e farmacêuticos, o que leva o SNS a depender de profissionais estrangeiros para garantir acesso a cuidados essenciais.


Criação de Emprego Indireto


A imigração também cria empregos indiretos. Cada imigrante que se estabelece em Portugal consome bens e serviços, paga impostos, arrenda habitação e contribui para a atividade económica local. Estudos internacionais mostram que, a médio prazo, a imigração tende a aumentar o número total de empregos disponíveis numa economia.

Mito 3: "Portugal Tem Que Caminhar Com as Próprias Pernas" - A Fragilidade Económica Portuguesa

Dependência do Turismo


A economia portuguesa está estruturalmente dependente de setores vulneráveis, sendo o turismo o exemplo mais evidente. Em 2024, o turismo contribuiu com 34 mil milhões de euros para a economia, equivalente a 12% do PIB e responsável por mais de 400 mil empregos.

Limitações estruturais do modelo turístico:

  • Sazonalidade: Embora tenha havido progressos na redução da sazonalidade, o peso dos meses de junho a setembro ainda representa 44,1% das pernoitações anuais.

  • Vulnerabilidade externa: O setor é altamente sensível a crises internacionais, pandemias e instabilidade geopolítica

  • Salários baixos: As remunerações no setor turístico correspondem a apenas 91,1% da remuneração média nacional

Fraqueza Industrial

Portugal tem uma base industrial limitada. O PIB da indústria manufactureira atingiu 7.060 milhões de euros no segundo trimestre de 2025, representando uma fatia relativamente pequena da economia nacional comparada a outros países europeus. Esta fragilidade industrial torna o país dependente de:

  • Importações de bens manufacturados

  • Investimento direto estrangeiro

  • Transferências da União Europeia

  • Remessas de emigrantes portugueses

Necessidade de Cooperação Internacional

A ideia de que "Portugal tem que caminhar com as próprias pernas" ignora a realidade da economia globalizada. Países pequenos como Portugal dependem estruturalmente de:


  • Comércio internacional

  • Turismo estrangeiro

  • Investimento externo

  • Cooperação europeia

  • Mão de obra imigrante para setores estratégicos

A Manipulação Política da Extrema Direita

Capitalização da Insatisfação


Partidos como o CHEGA usam estratégias bem documentadas para capitalizar a insatisfação legítima da população. Estas táticas incluem:

  • Simplificação excessiva de problemas complexos

  • Criação de bode expiatórios (imigrantes, minorias)

  • Discurso "anti-sistema" que apela ao ressentimento

  • Uso de dados manipulados ou estudos inventados

O livro "Na cabeça de Ventura", do jornalista Vítor Matos, revela que a notoriedade política de André Ventura foi construída "a partir de um estudo inventado ou manipulado" sobre a insegurança em Loures, usado para culpar a comunidade cigana. Este padrão de manipulação de dados é recorrente na extrema direita.

Desinformação Coordenada

Estudos recentes da empresa Cyabra revelaram que as contas oficiais do CHEGA e de André Ventura "mostraram os níveis mais altos de manipulação coordenada no discurso político", com 58% dos perfis que comentavam identificados como falsos. Estas contas amplificaram 494 comentários promovendo o partido e reforçando "temas de nacionalismo e preservação cultural".

O Contexto Europeu

A ascensão da extrema direita não é exclusiva de Portugal. Como documenta o working paper "A Ascensão da Extrema-Direita na Europa", publicado pelo Observatório Político, estes movimentos capitalizam "queixas econômicas e uma reação cultural" resultantes de crises financeiras e mudanças sociais.

A estratégia é consistente: usar a insatisfação legítima para promover agendas autoritárias que, paradoxalmente, agravam os problemas que dizem resolver.

A Ingenuidade da População e a Necessidade de Literacia Política

O Papel da Desinformação

Conversas com “pessoas comuns” nas ruas ilustram um fenómeno mais amplo: pessoas trabalhadoras e honestas sendo influenciadas por narrativas que contradizem os seus próprios interesses. Isto resulta de falta de acesso a informação oficial fidedigna, prevalência de narrativas simplistas nas redes sociais, ausência de educação cívica sobre política migratória e desconfiança generalizada nas instituições.


Conclusão: A Imigração Como Necessidade Estratégica

O objetivo aqui não é apenas defender a imigração — os números já o fazem. O verdadeiro propósito é denunciar como a extrema direita explora cinicamente a ignorância populacional para implantar sua agenda fascista, escondendo-se atrás do pretexto de "mudança".

A tática é sempre a mesma:

  • Explorar medos legítimos da população sobre emprego, segurança e identidade nacional

  • Criar inimigos fictícios (imigrantes, minorias, "o sistema") para canalizar a raiva social

  • Apresentar-se como "solução" enquanto oferece respostas simplistas para problemas complexos

  • Disseminar desinformação através de estudos falsos, dados manipulados e campanhas coordenadas

  • Perpetuar a ignorância atacando instituições, especialistas e fontes de informação credíveis

O resultado desta manipulação é devastador para a sociedade: em vez de resolver os problemas reais que afetam as pessoas (habitação, salários, serviços públicos), a extrema direita semeia o ódio, a hostilidade e a divisão social. Transforma vizinhos em inimigos, trabalhadores portugueses contra trabalhadores imigrantes, criando conflitos artificiais que apenas beneficiam aqueles que lucram com o caos social.

A "mudança" prometida pela extrema direita é, na realidade, um retrocesso civilizacional: o abandono da razão em favor do preconceito, a substituição do debate democrático pela violência verbal, a rejeição da cooperação internacional em favor do isolacionismo autodestrutivo.

E não se iludam: esta não é uma realidade exclusiva de Portugal. O onda fascista se manifesta em diversas partes do mundo atualmente. Além disso, a História demonstra como os movimentos populistas instrumentalizam sistematicamente a insatisfação social para seus próprios fins.

Os dados apresentados neste artigo revelam uma verdade inconveniente para os populistas: Portugal precisa de cooperação, de abertura ao mundo, de políticas baseadas em evidência — não de muros, ódio ou autoisolamento. A imigração não é o problema; o problema é a exploração política da ignorância.

É responsabilidade de todos os cidadãos democratas — independentemente da sua posição política — combater esta manipulação através da educação, do acesso à informação credível e da defesa dos valores democráticos. Porque quando a ignorância se torna arma política, a democracia está em perigo.

A verdadeira mudança não vem do ódio — vem do conhecimento, da solidariedade e da construção coletiva de um futuro mais justo e próspero para todos.

Fontes

CNN Portugal (29/09/2025): "População de Portugal vai cair de 10,7 para 8,3 milhões em 2100"
ECO (29/09/2025): "População em Portugal vai cair para oito milhões no final do século"
CNN Portugal (17/12/2023): "Imigrantes deram à Segurança Social sete vezes mais do que receberam"
Jornal de Negócios (23/05/2024): "Contribuições dos imigrantes deram mais de 1.600 milhões de lucro à Segurança Social"
ECO (30/09/2025): "Portugal é dos países onde imigrantes mais ajudam a reduzir fardo fiscal do envelhecimento"
RTP (02/02/2025): "Contribuições aumentaram em 2024. Imigrantes 'seguram' a Segurança Social"
Artigo original: "Encolhimento demográfico: até 2080 Portugal terá sua população reduzida em 2%"
Observador (31/07/2025): "Turismo contribuiu com 12% para o PIB português em 2024"
Jornal SOL (01/10/2025): "Turismo. Tábua de salvação da economia portuguesa"
ECO (07/10/2025): "Novos destinos e menos sazonalidade. Turistas procuram mais que sol e praia em Portugal"
Trading Economics: "PIB de Portugal a partir da Produção Industrial | 1995-2025"
Socialistas e Democratas (22/09/2025): "Lutar contra o fascismo e a extrema-direita"
Observatório Político: "A Ascensão da Extrema-Direita na Europa"
Observador (29/01/2024): "Livro. Ventura ganhou notoriedade com dados falsos"
CNN Portugal (15/05/2025): "Perfis falsos espalham desinformação na conta oficial do CHEGA no X"
CNN Brasil (22/07/2023): "Por que os partidos de extrema direita estão em marcha pela Europa"