segunda-feira, 25 de junho de 2018

Direitos Sociais: os Direitos Trabalhistas na Constituição Federal

Direitos dos trabalhadores urbanos e rurais

Desde a Primeira Guerra Mundial, sempre foi o grande embate de interesses no país os direitos sociais. Expressão maior da luta de classes e de tentativa de conciliação do Estado de Bem-Estar Social entre os interesses da elite capitalista e dos trabalhadores, os direitos sociais são prestações do Estado em frente ao poder econômico.

A história brasileira apresenta em sua identidade, devido à sua formação territorial e forma de exploração desde os primórdios da dominação europeia, a questão fundiária. Em razão da sua grande extensão de terras e da mentalidade semifeudal empregada pela Coroa Portuguesa ao fazer as cartas donatárias, o trabalhador rural sempre foi legado a segundo plano. O urbano, por outro lado, conseguiu se organizar melhor, uma vez que a demanda por mão-de-obra sempre se concentrou nos centros capitalistas de produção, tornando possível a articulação dos interesses da classe. Por essa razão, quando Getúlio Vargas elaborou a CLT, o sujeito dos direitos sociais eram os trabalhadores urbanos. A dignidade demoraria a chegar no campo – no papel, chegaria somente com a Constituição de 1988; materialmente, a mudança tem demorado a chegar e não raramente os movimentos sociais apresentam uma ação real mais progressista que o próprio Estado. 

O dispositivo que enumera não exaustivamente os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais é o art. 7º, que elenca:

I – a relação de emprego protegida contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;

Nesse caso, há a proteção ainda ao empregado eleito para cargo de direção de comissões internas de prevenção de acidentes, desde o registro da candidatura até um ano após o término do mandato e da gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

XXI – aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;

O aviso prévio serve para evitar que alguém perca seu emprego do dia para a noite, evitando com isso todos os transtornos que surgem a partir daí.

II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;

Trata-se de uma quantia em dinheiro paga pelo governo para que o trabalhador dispensado consiga sobreviver até arrumar outro emprego.

III – FGTS – fundo de garantia por tempo de serviço;

Antigamente, o trabalhador que conseguia trabalhar por dez anos na mesma empresa adquiria um direito chamado de “estabilidade decenal”. A partir dessa data, este não poderia ser dispensado sem justa causa. Em 1964, houve o golpe de Estado contra João Goulart e entrou Castelo Branco na Presidência do Brasil. Com um governo voltado mais para os empresários do que para os trabalhadores, em 1966 a estabilidade decenal foi revogada e, para acalmar os ânimos dos trabalhadores, o regime militar criou o FGTS, que trata-se de uma poupança compulsória, bancada pelo empregador, a ser devolvida para o trabalhador em caso de aposentadoria ou desemprego involuntário.

Mas a ideia de fazer o empregador arcar com o fundo não era de forma alguma algo mais voltado para as massas. Na verdade, coadunava-se perfeitamente com o nacional-desenvolvimentismo, tratando-se de utilizar sobretudo do dinheiro da classe média baixa – pequenos empresários – para arcar com as necessidades de financiamento em infraestrutura, demanda voltada para os grandes investidores que precisavam escoar suas mercadorias pelo território. 

Com a Constituição de 1988, o FGTS consolida-se como uma fonte de captação de recursos do setor privado para o público e como uma forma de amparo ao trabalhador, muito embora o dinheiro desvalorize ao longo do tempo. Originariamente, pagar o FGTS aos empregados domésticos era facultativo. Em 2013, o governo petista promoveu a Emenda Constitucional n.º 72/2013, que tornava obrigatório o pagamento de FGTS aos empregados domésticos. No entanto, a EC ainda não foi regulamentada, fazendo com que o recolhimento continue sendo facultativo por parte dos empregadores. Cabe a nós, como brasileiros, nos perguntar genuinamente qual o motivo para encararmos os empregados domésticos como diferentes daqueles que trabalham em empresas. Será que não existe uma ponta de mentalidade escravocrata por parte de nossos legisladores? É uma mera coincidência o fato de que 50% dos parlamentares serem latifundiários?

IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada a sua vinculação para qualquer fim;

Súmula Vinculante n.º 04. Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser utilizado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem pode ser substituído por decisão judicial.

Súmula Vinculante n.º 06. Não viola a Constituição o estabelecimento de remuneração menor ao salário mínimo para as praças prestadoras de serviço militar inicial.

XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;

VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

Se a categoria entender, por exemplo, que é melhor diminuir o salário e conservar os empregos, pode haver redução do salário. Do contrário, o salário tem que ser sempre crescente. A decisão é coletiva, isto é, um trabalhador não pode aceitar por si só a diminuição do seu salário.

O STF entende, e deixou isso escrito em sua Súmula 679, que a fixação dos vencimentos dos servidores públicos não pode ser objeto de convenção coletiva, sendo necessária uma lei para isso. É uma forma de o Executivo não se utilizar do salário do servidor como uma forma de suborno eleitoral.

VIII – décimo terceiro com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;

IX – remuneração do trabalho noturno maior do que do diurno;

XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas por dia e quarenta e quatro horas semanais, facultada a compensação de horas e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

XIV – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% à do normal;

Serviço extraordinário é uma forma bonita de dizer “hora-extra”

XIV – jornada de seis horas para trabalhos realizados em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;

É a famosa escala de serviço.

O intervalo para descanso e alimentação durante a jornada de trabalho não descaracteriza o sistema de turnos ininterruptos de revezamento.

XV – repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos.

V – piso salarial proporcional à extensão e complexidade do trabalho;

X – proteção do salário, na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;

XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;

A participação na gestão da empresa é um direito excepcional, e não uma regra. O Brasil ainda é capitalista.

XII – salário-família, pago em razão de dependente do trabalhador de baixa renda, nos termos da lei;


Ação de créditos trabalhistas

XXIX – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;

O prazo é prescricional e não decadencial, já que o direito de receber o crédito trabalhista nasce independentemente de condição exercida em lapso temporal.


Idades mínimas para o trabalho

XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze;


Isonomia para o trabalhador avulso

XXXIV – igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso;

Cabe ressaltar que o trabalhador avulso difere do trabalhador autônomo. O avulso é filiado a sindicato ou a órgão gestor de mão-de-obra (OGMO); o autônomo é patrão de si mesmo. Um exemplo clássico de trabalhador avulso é o estivador de porto.

XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o trabalho normal;

XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do trabalho, com duração de cento e vinte dias;

XIX – licença-paternidade, nos termos da lei;

XX – proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;

XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

XXIII – adicional de remuneração para atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;

XXIV – aposentadoria (por enquanto...);

XXV – assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até os cinco anos em creches e pré-escolas (EC 53/2006 reduziu a idade de 6 para 5 porque a idade escolar também diminuiu de um ano)

XXVI – reconhecimento dos acordos e convenções coletivas de trabalho;

XXVII – proteção em face da automação, na forma da lei;

XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado quando incorrer em dolo ou culpa;

XXX – proibição de diferenças salariais, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade ou estado civil;

XXXII – proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre profissionais respectivos;

Art. 10. É assegurada a participação dos trabalhadores e empregados nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação.

Hoje em dia esse artigo não é muito bem utilizado, como ficou patente na tentativa de Michel Temer em promover a Reforma Previdenciária.

Art. 11. Nas empresas de mais de 200 empregados, é assegurada a eleição de um representante destes com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores.


Extensão dos direitos aos domésticos.


Com a EC n.º 72/2013, promovida pelo governo Dilma, os trabalhadores domésticos passaram a ter os mesmos direitos que os demais trabalhadores. Deve haver a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, bem como a sua integração à Previdência Social. Pois é, os trabalhadores domésticos não tinham aposentadoria, nem tinham direito de se machucar no emprego, uma vez que o INSS não o remunerava por seu afastamento. OS domésticos eram verdadeiros escravos em pleno século XXI que tinham que se contentar com o salário disponível, quase sempre inversamente proporcional ao nível de seu desespero, e com os “privilégios” da caridade do patrão, que lhe dava pó de café, pacote de arroz, etc, como “prova” de seu bom coração. Não obstante esse pequeno avanço, dependem de autorização os direitos relativos à relação de emprego protegida contra despedidas arbitrárias, seguro-desemprego, FGTS, remuneração do trabalho noturno superior à do diurno, salário-família, assistência gratuita aos filhos e dependentes em creches e pré-escolas, e o seguro contra acidente de trabalho a cargo do empregador.


Extensão dos direitos aos servidores públicos


Devemos lembrar que o servidor público:

1) Tem estabilidade, por isso, não precisa de FGTS, proteção ao emprego, seguro-desemprego, proteção contra automação e aviso prévio. Não obstante, os empregados públicos, contratados sob o regime celetista, arcam com o ônus de todos esses direitos, sem gozar de nenhum deles.

2) Trabalha para o governo: não há o que se falar em participação nos lucros, reconhecimento de acordo coletivo e convenção- uma vez seu vencimento e vantagens são estipulados por lei – e proteção contra a retenção dolosa do salário; na verdade, o governo pode reter o salário de forma dolosa amparado no seu poder hierárquico, em caso dessa figura antropofágica mitológica criada atualmente chamada “decretação de estado de emergência financeira”. É o que está acontecendo no Rio de Janeiro, por exemplo.


Liberdade Sindical

Art. 8º. É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

I – a lei não poderá exigir a autorização do Estado para a fundação do sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao poder público a interferência e a intervenção na organização sindical;

Portanto, o que o Eurico Gaspar Dutra (1946) e os militares fizeram, durante a ditadura militar, em teoria, não pode mais. O sindicato já é assaz fragilizado para ter interferência do Estado.

II – é vedada a criação de mais de uma organização sindical em qualquer grau, representativa da categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser menor à área de um município.

O inciso busca diminuir a fragmentação sindical (que mesmo assim é enorme) e, dessa forma, fortalecer a categoria.

O STF diz que, caso haja mais de um sindicato na mesma base territorial, deve-se utilizar o princípio da anterioridade para decidir quem vai ser extinguido e quem fica. Não ofende a unicidade sindical o desmembramento territorial dos sindicatos, por deliberação dos partícipes, desde que o território de ambos não se reduza à área inferior a de um município e que não haja superposição sindical total. A cisão em federações também não fere o princípio da unicidade sindical quando evidenciar a diferenciação de interesses econômicos entre duas espécies de trabalhadores, mesmo sendo elas conexas.

III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e dos interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;

IV –a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontado em folha, para custeio do sistema confederado da representação sindical respectiva, independente da contribuição prevista em lei.

A contribuição sindical está prevista no art. 149 da Constituição e é um tributo. Já a contribuição prevista neste inciso, que será fixada pela assembleia geral, não é tributo, pois não é instituída por lei, sendo apenas cobrada daqueles trabalhadores que optarem por fazer parte da organização sindical.

Portanto: contribuição confederativa não é tributo. Contribuição corporativa (ou contribuição sindical) é, apesar do nome.

V – ninguém será obrigado a filiar-se ou manter-se filiado a sindicato;

Se você quiser ser pelego, fique à vontade.

VI – é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;

VII – o aposentado filiado tem direito de votar e ser votado nas organizações sindicais;

VIII – é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro de sua candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o fim do mandato, salvo se cometer falta grave, nos termos da lei.

Parágrafo único. As disposições desse artigo aplicam-se às organizações de sindicatos rurais e de colônias de pescadores, atendidas as condições que a lei estabelecer.

Classificação doutrinária dos direitos sindicais

Liberdade de constituição. É vedada a imposição de autorização do Estado para se constituir. É vedada também a sobreposição.

Liberdade de inscrição. Ninguém é obrigado a filiar-se.

Direito de auto-organização. Até porque, se o empregado meter o bedelho no sindicato, de nada este servirá.

Direito ao exercício da atividade sindical na empresa. Participar de negociações coletivas e defender os direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas.

Direito democrático. Dirigentes são escolhidos por eleições periódicas e secretas, com quorum para votações para as assembleias gerais, inclusive para deflagrar greves, controle de contas e responsabilidade dos dirigentes.

Direito de independência e autonomia. Direito de obter fontes de renda independentes do patronato ou do poder público.

Direito de relação ou de filiação em organizações sindicais internacionais. Pode cantar a musiquinha do Pierre de Geyter? Pode. Trata-se do princípio da solidariedade internacional dos interesses dos trabalhadores;

Direito de proteção especial dos dirigentes – estabilidade sindical.


Direito de greve

Assegurado pelo art. 9º, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. Cabe à lei definir quais são os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. A regra para o exercício do direito de greve é basicamente a seguinte: pode fazer, desde que não acarrete muito ônus à ordem social. Portanto, o direito de greve, além de ser constrangido pelo poder econômico do patronato, que pode despedir seus empregados, é constrangido pelo Estado também, que o coloca como norma de eficácia contida. Tudo isso para colocar o trabalhador no seu devido lugar.


Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei. Isso significa que quem irá julgar se uma classe de trabalhadores, em gerais de classe baixa, abusou do direito de greve é um juiz, de classe média alta, que, via de regra, está mais próximo de representar o patronato que quer que a greve acabe, do que o trabalhador. Já com relação a lei, impende dizer que os políticos de carreira carecem de total representatividade da população brasileira. A bem da verdade, estes representam apenas os preconceitos ideológicos incutidos neste através da mídia, que também é um veículo que reflete a ideologia conservadora da classe média.

segunda-feira, 28 de maio de 2018

PERSPECTIVAS APÓS A GREVE-LOCAUTE DOS TRANSPORTES RODOVIÁRIOS



No último domingo, a equipe de Michel Temer se reuniu com representantes das associações de caminhoneiros para traçar um plano para pôr fim à greve-locaute dos caminhoneiros e transportadoras, que entra hoje para o seu 8.º dia. O acordo assinado apresenta o compromisso do governo federal em:

  1. diminuir o preço do diesel em R$ 0,46 por sessenta dias; finda a data, os reajustes do preço final serão mensais, e não mais diários;
  2. isentar eixos suspensos em todas as rodovias do país;
  3. estabelecer um piso nacional para todos os fretes;
  4. reservar 30% do valor dos fretes da Conab para os caminhoneiros autônomos.

Algumas das entidades mais representativas dos caminhoneiros gostaram do novo acordo, principalmente porque ele atende, prioritariamente, os interesses dos empresários de frete. O que esperar daqui para frente? A seguir, faço algumas análises da situação para os caminhoneiros e para o trabalhador em geral

  1. O acordo aprovado não levou em consideração as questões trabalhistas (os caminhoneiros são um dos tipos de proletário urbano mais precarizados do Brasil), portanto, é de se esperar que, embora o movimento perca força, o caráter patronal suma e a greve-locaute se torne uma greve mesmo, somente com pautas trabalhistas e sem o apoio da burguesia;
  2. Outra galera que não vai desmobilizar tão fácil assim é aquele povo que quer um golpe militar no Brasil, pois eles tiveram uma real ascensão no discurso político com a greve-locaute. Estes irão continuar encampando a suposta luta contra a corrupção, instando alguns caminhoneiros a “resistirem” ao acordo para fazer um Brasil “melhor”;
  3. Portanto, haverá um reabastecimento parcial, mas a greve continua por mais alguns dias;
  4. Para o consumidor comum, nada muda; a formação do preço da gasolina continua o mesmo, as altas vão continuar da mesma forma como eram antes, podendo inclusive acontecer diariamente
  5. A tendência de alta para todos os combustíveis, inclusive para o diesel,  vai continuar, pois o mundo caminha para uma enorme insegurança, face às crises da Venezuela, da Síria e da Coreia do Norte (o que puxa o valor do barril para cima) e à política isolacionista de Donald Trump (que faz valorizar o dólar);
  6. O custo do subsídio no óleo diesel vai ser bancado pelo contribuinte, como o próprio governo federal já falou, e pelo industriário. A equipe de Temer vai reonerar a folha de pagamento da Indústria e, como protesto, os barões da FIESP vão mandar vários trabalhadores embora, a pretexto de “readequar” sua folha de pagamento, gerando mais desemprego e aprofundando o processo de pauperização da população;
  7. O setor industriário pode se virar contra o governo de Michel Temer, inclusive fazendo incursões golpistas, tal como fez várias vezes ao longo de nossa história;
  8. A inflação tende a aumentar nessas duas semanas, a começar por hoje, devido aos efeitos do reabastecimento. Em seguida, vai haver uma arbitragem natural dos preços que acontecerá de acordo com a permissividade do consumidor. Certamente, o preço final vai ser maior do que aquele que seria justo, pois o consumidor está traumatizado e tenderá a comprar os bens a um preço injusto, especialmente os perecíveis, gerando uma pressão inflacionária inercial;
  9. Outra pressão inflacionária advirá do aumento dos tributos para bancar o subsídio do diesel e ambas as pressões inflacionárias acontecem sem um aumento real de renda - ou seja, é o pior tipo de inflação possível.
  10. Outra onda de desabastecimento pode acontecer devido à greve de três dias dos petroleiros, mas ela será mais fraca que a dos caminhoneiros, tendo impactos maiores no comércio exterior e no resultado da Balança Comercial
  11. Os setores intervencionistas ganharam ímpeto com a greve. Em reação, Michel Temer tende a aumentar o militarismo de seu governo, fazendo aproximações com um golpe em prol de uma ditadura civil. O movimento de extrema-direita encontra-se rachado em torno do grande (pró-Temer), do médio oficialato (pró-Mourão e autoritarismo judiciário) e da extrema-direita “light”, que quer chegar ao poder através do voto - e depois o que acontece dali por diante é lucro.

terça-feira, 6 de março de 2018

A Síria e a Profecia de Isaías

Um trecho da Bíblia está sendo repassada para dizer que estamos próximos dos finais dos tempos e que o maior símbolo disso é a destruição da Síria, como se fosse algo já premeditado por Deus, inescapável, sobre o qual não há o que se fazer nada a não ser assistir e achar tudo normal. Eis o trecho:



Isaías, Capítulo 17
“Damasco não será mais uma cidade;
ela vai virar um montão de ruínas.
2As cidades da Síria ficarão abandonadas para sempre;
os rebanhos irão até lá para descansar,
e ninguém os espantará dali.
3As fortalezas de Israel serão destruídas,
e a Síria deixará de ser um reino.
Os sírios que não forem mortos
serão como o povo de Israel:
eles viverão na miséria.
Sou eu, o Senhor Todo-Poderoso, quem está falando.

4“Está chegando o dia em que Israel perderá todo o seu poder,
e todas as suas riquezas acabarão.
5Naquele dia, o país ficará parecido com um campo
depois que todo o trigo foi colhido
ou como o vale dos Gigantes
depois de colhidas todas as espigas.
6Mas umas poucas pessoas ficarão vivas,
e Israel será como uma oliveira depois da colheita.

Em primeiro lugar, a profecia diz que as cidades da Síria (na verdade, a maioria das traduções diz "a cidade de Damasco") ficarão abandonadas para sempre. Pois bem, o que está acontecendo na Síria é um massacre unilateral; tem muita gente inocente morrendo, é verdade, mas quem está matando continua lá. Portanto, é uma falácia dizer que as cidades da Síria ficarão abandonadas para sempre. Segundamente, apesar de ser comandada por um ditador, a Síria não é um Reino. A última vez que a Síria teve um monarca foi em 1920 e seu reinado não durou um ano (Reino Árabe da Síria). 

Se a profecia de Isaías estivesse mesmo sendo cumprida, os israelenses deveriam começar a repensar as suas vidas, pois a próxima vítima da ira divina serão eles. Afinal, as fortalezas de Israel serão destruídas e está chegando o dia em que Israel perderá todo o seu poder e todas as suas riquezas acabarão.

Há também um indício fortíssimo de que a profecia sequer fala de uma realidade que nos tange: "Os sírios que não forem mortos serão como o povo de Israel: eles viverão na miséria". De acordo com os dados do PNUD, de 2016, o Índice de Desenvolvimento Humano de Israel é considerado "muito alto" (0,899 pontos). Portanto, não se pode falar mais em miséria do povo israelense. O cronista do livro de Isaías claramente demonstra fazer uma comparação contemporânea entre o caso de Israel e da Síria, portanto, a miséria de um implica na miséria do outro.

Já para quem é cristão, não há motivo nenhum para não acreditar que a profecia já não tenha sido cumprida, pois ela é tratada junto com outro tema importante ao cristianismo: a vinda do Messias. Ora, se a profecia é um requisito para a vinda do Messias, que já veio, significa que ela já foi cumprida. Os próprios teólogos dizem que tal destruição já foi verificada há 2.700 anos. A parte que fala da segunda vinda do Messias encontra-se somente no Novo Testamento e não há nada sobre o fim dos tempos que possa ser extraído do Velho (a não ser que você seja judeu), afinal, Jesus Cristo veio para cumprir as últimas profecias e revogar a lei anterior e propor uma nova: amar uns aos outros como a si mesmo.

A Síria não está sendo destruída por causa da ira divina, mas unicamente por causa da ganância do homem capitalista. O que acontece lá é uma intrincada corrida colonial em busca de matérias-primas mais baratas para bancar o enriquecimento de uma estreitíssima faixa da população mundial. Os Estados Unidos querem controlar a rota da Síria para escoar o petróleo do Oriente em linha reta, passando pelo Mediterrâneo - pelo mesmo motivo invadiu o Afeganistão e o Iraque, além de ter ajudado a Líbia a derrubar Muamar Kaddafi e os ucranianos de extrema-direita a derrubar Vitor Ianukóvich, o presidente ucraniano pró-Rússia. Os movimentos, na Ucrânia, fez ressurgir o furor nazista há muitos anos adormecido na população, bem como arruinou todo o Oriente Médio econômica e socialmente.

Por outro lado, a Rússia também não é a santa da história. Para defender seus interesses capitalistas, ela dá todo o suporte bélico necessário ao governo falido de Bashar Al-Assad, tornando viável a este que dispare contra sua população civil desarmada com o intuito de causar o terror contra os combatentes, ao atacar suas famílias. O Partido Baath certamente teria caído com os levantes promovidos no calor da Primavera Árabe, mas o equilíbrio de forças das potências que lá intervêm trouxe a morte e a miséria para o povo sírio. Mais uma vez, na lógica da Guerra Fria, a Rússia e os Estados Unidos terceirizam as suas contradições para suas colônias e quem morre são os povos explorados pelas grandes potências.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

O Julgamento de Luis Inácio




O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) julgará hoje (24/1) o recurso impetrado pelo ex-presidente Lula contra sua a sentença de Sérgio Moro no caso Tríplex. A questão é emblemática, pois o ex-presidente é o favorito isolado nas pesquisas relacionadas às eleições deste ano e, caso seja condenado, sua candidatura poderá ser cassada. Ainda, caso a condenação não seja unânime (com placar 2 x 1), abre-se a possibilidade do acusado entrar com recurso nas instâncias superiores, STF e STJ, para questionar a decisão, utilizando-se de um instrumento jurídico chamado embargos infringentes. Dessa forma, abre-se a possibilidade de o ex-presidente recorrer sem ter sua candidatura cassada pela Lei Ficha Limpa.

A previsão, segundo o que nos ensina a História do Brasil, é que Lula saia do julgamento impedido de ser candidato, mas em liberdade. A conciliação está presente na vida política brasileira.

Posicionamento do Campo Progressista

A questão foi discutida nos movimentos sindicais, nos coletivos e nos partidos. Os posicionamentos deliberados foram os dos mais diversos possíveis. O PT claramente entende que Lula é a sua estratégia eleitoral única e atrela a sua candidatura à preferência eleitoral do povo e, com isso, amarra o discurso de perseguição à obstrução de sua candidatura, devido ao medo da direita de que este ganhe as eleições novamente. Reedita, com isso, o queremismo de Getúlio Vargas, quando da véspera do golpe que sofrera após a Segunda Guerra Mundial. O PC do B, que apesar de apresentar Manuela d’Ávila como pré-candidata, e o PCO são simpáticos ao posicionamento petista. O PC do B inclusive pode se apresentar como herdeiros do lulismo, caso este venha a ter sua candidatura interrompida no dia de hoje.

Mais à esquerda, encontra-se os partidos revolucionários, como o PCR e o MRT, os quais alertam para a perseguição judicial, acreditam que tudo isso seja uma forma de inviabilizar a candidatura do ex-presidente, mas informou que não irão participar dos atos. Por fim, à direita, declarou-se a Transição Socialista e o PSTU, que acreditam que Lula é culpado, que há provas suficientes para a condenação, que não há nada de extraordinário na exceção que possivelmente poderia ser feito à Lula para condená-lo, uma vez que o sistema judiciário é assim mesmo. Dialoga, dessa forma, com a classe pequeno-burguesa, que encampou o mote contra a corrupção (que é o que tem permitido o avanço do fascismo judicial).

Já o movimento Marias e Joãos de Luta defendem o direito de Lula se candidatar, não por acreditar que ele seja a solução para os problemas da República que envelheceu jovem, mas porque negar-lhe esse direito pode significar negar o mesmo direito ao PSOL, ao PC do B, ao PCB, à Unidade Popular, enfim, a qualquer um que se apresentar como pertencente ao campo progressista. O caso do ex-presidente certamente será um precedente para a existência dos demais partidos institucionais e isso pode gerar um efeito dominó que arraste, inclusive, os setores revolucionários da esquerda.



Solução centrista

O partidos e políticos fisiológicos (inclusive alguns que procuram preencher um espaço dentro do PSDB), procuram a condenação de Lula, simplesmente para conseguir um palanque a mais, esquecendo-se de que isso significa abrir a caixa de Pandora. Alguns, no entanto, procuram ficar quietos, pois apresentam uma mentalidade de classe (de classe política) e sabem que o avanço do fascismo pode ser ruim inclusive para eles. Os únicos que realmente querem a cabeça de Lula a todo custo são aqueles que militam na extrema-direita. Os outros apenas usam o caso por conveniência eleitoral, mas já começam a se preocupar com a repercussão do julgamento.

Agrande questão é, apesar de ser aclamado pela classe trabalhadora, Lula é um candidato de centro, que dialoga com os dois lados da luta classista, apresentando um perfil mediador; o único que, talvez, na atual conjuntura política do país, possa dar uma sobrevida à República Nova e à democracia liberal que vivemos. A grande mídia internacional sabe disso e, por essa razão, o dia amanheceu pleno de editoriais a favor de Lula e contra o avanço conservador no espaço político brasileiro. Os mais importantes deles foram do El País (Por que seria melhor para a direita se Lula fosse absolvido) e do The New York Times (A Democracia Brasileira Sendo Empurrada para o Abismo), sendo que este último salienta a fragilidade das provas e comparou o caso brasileiro, na hipótese de haver uma condenação e afastamento de Lula das eleições, com o hondurenho, nas quais as eleições tiveram pouquíssima legitimidade, o que trouxe o país para uma grave crise social (Honduras foi o pioneiro do modelo parlamentar de golpe de Estado na América Latina).

A narrativa de que condenar um líder político da envergadura de Lula através de ilações pode arrastar o Brasil para um Estado de Exceção parecido com o da ditadura é correto. Pode-se argumentar que o sistema judiciário-policial brasileiro sempre foi de exceção - da burguesa em detrimento dos trabalhadores, dos ricos em detrimento dos pobres, dos brancos em detrimento dos negros, dos homens em detrimento das mulheres - e não vou discordar desse fato. O que muda com a condenação de Lula é o espaço que essa exceção pode ganhar. Nos dias atuais, preocupa-se muito com uma suposta justificativa e com a aceitação da opinião pública em relação a ela. Isso funciona como um freio frente às arbitrariedades. O fascismo opera, nos dias atuais, como um vampiro, que só sai para se alimentar durante a noite; depois de legitimada a perseguição contra o campo da esquerda, sob a figura da condenação de Lula, o sol já não vai ser mais um problema para a perseguição vampiresca.

Quem não lembra da cassação da Aliança Nacional Libertadora por Getúlio Vargas, que abriu espaço para o estado de sítio, a cassação dos direitos políticos, a tortura e a ditadura do Estado Novo? Ou mesmo do “julgamento” sumário que Hitler fez, com relação ao incêndio do Reichstag (provocado pelos próprios nazistas), para legitimar a cassação do KDP e do SPD e instaurar a ditadura nazista? Ou até mesmo do expurgo que Stálin empreendeu durante os Processos de Moscou?


ATOS CONTRA A PERSEGUIÇÃO JUDICIAL DO LULA

Porto Alegre amanheceu tomada por apoiadores de Lula. A manifestação contra a perseguição que o ex-presidente sofre, um dia antes do julgamento, foi de grande porte, apresentou entre 80 e 100 mil pessoas. A avenida estava toda tomada.

A ocasião reuniu boa parte da esquerda, seja da velha, quanto da jovem guarda. Diversas forças políticas estiveram presentes. A percepção nítida que se tem, ao questionar as pessoas nas ruas sobre o porquê estar nas ruas no momento, é a de que o golpe parlamentar, desencadeado contra Dilma Rousseff, tem seu potencial catalisador na ação contra Lula. Estar na rua era uma forma de defender a democracia.

A democracia liberal, longe de ser a ideal para a classe trabalhadora, apresenta-se como a última trincheira frente ao avanço conservador. Defendê-la, num momento como este, pode ser uma posição defensiva, mas certamente significa defender a vida de muitos trabalhadores e trabalhadoras, das minorias, frente ao que pode vir a ser um possível Estado policial.

Muitos jovens, como não se viam há um tempo atrás, mulheres principalmente, estiveram presente, o que significa que o lulismo influenciará mais duas gerações, pelo menos. A vanguarda do PC do B, a UJS, estava muito forte no ato e a velha guarda estava toda presente.

Havia delegações de outros países, tanto do Cone Sul (Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile), quanto do Caribe (Costa Rica). A solidariedade internacional pairava em torno daquilo que significou Lula para a integração dos povos americanos. Vários metalúrgicos, sobretudo de Minas Gerais, servidores públicos e aposentados estiveram presentes; a maioria deles apresentaram uma visão realista, no sentido político, do equilíbrio de forças: para eles, defender Lula era a única alternativa contra as reformas que eram colocadas, ou de diminuir seus danos.

O Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, com a presença de João Pedro Stédile, puxou a frente do ato, como é de praxe. Os Advogados em Defesa da Democracia, grupo político formado por advogados ativistas, que atuam nas manifestações de rua resguardando o direito dos cidadãos de se manifestar livremente, estavam de prontidão. Nenhum incidente foi registrado até o dia do julgamento.


O policiamento era assustador, mas inócuo, porque quando o povo está em grande quantidade, este não teme a força repressiva do Estado.

De acordo com a leitura de Mauro Rogério, que está presente nos atos, a candidatura de Lula escapou de suas mãos, e do próprio partido. O PT jamais colocaria 100 mil pessoas na rua em Porto Alegre, na atual conjuntura de refluxo e com os atuais recursos materiais. O julgamento do ex-presidente tomou um caráter classista, de nós (pobres, trabalhadores, minorias) contra eles (ricos, empresários, maioria). Com a condenação, o queremismo pode transbordar para uma luta de classes (ainda rudimentar, pois as massas ainda são muito crédulas nas soluções por dentro da democracia liberal, mas o que já seria uma certa tomada de consciência, infelizmente ao custo de muita tragédia).

O trabalhador tem o direito de apoiar a candidatura de quem quer que seja, de defender seus companheiros e seus direitos fundamentais, inclusive quando espelhados nos demais. Mesmo que a candidatura apoiada não seja a ideal, o nosso movimento estará junto com a classe trabalhadora, para tentar ao máximo garantir o direito de manifestação e para tomar consciência juntamente com a massa, muito embora, para nós, o ideal seja a auto-organização e a imposição política como classe. Lula representa, para nós, a última chance de estabilização política centrista.




quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Corrupção: Como a Esquerda e a Direita a Enxergam



A destituição de Dilma foi embalada pelo discurso anticorrupção. A polarização ficou clara nessa arena: os partidos de esquerda e centro-esquerda saíram em defesa do mandato da Presidenta, ao passo que a direita votou totalmente a favor de sua queda. Na centro-direita, um ou outro partido vacilante.

A estratégia utilizada pelos verdugos foi a de atribuir crime de responsabilidade a Dilma e, a partir disso, fazer um link com o discurso anticorrupção, aproveitando-se principalmente da situação do ex-presidente Lula perante Sérgio Moro.

Surfando nessa onda, o apoio a candidatos "salvacionistas" crescem de lá para cá, principalmente depois que a Lava Jato abriu a caixa de Pandora da forma burguesa de se fazer política - um alô para Romero Jucá.

A impressão que o senso comum tem ao ver a situação tal como se põe é a seguinte: a direita aposta na moralização, enquanto a esquerda parece "defender vagabundo". Como que os lados veem a questão da corrupção? E o centro, como fica?

Para responder a essas perguntas, devemos nos valer das premissas que fazem gerar o sentido de esquerda e direita, resgatarmos o sentido finalístico de cada uma dessas opções políticas.

A Esquerda é o conjunto de ideologias que acreditam que os seres humanos devem ser socialmente iguais, tendo o mesmo acesso a tudo aquilo que o dignifica, sobretudo educação, saúde e trabalho, enquanto a Direita é o conjunto que entendem que as desigualdades sociais são naturais e, às vezes, até benquistas. A primeira defende a igualdade e a segunda a hierarquização.

Pois bem, a Direita carrega consigo dois tipos principais de militantes: aqueles a favor da defesa do status quo (do estado das coisas), da hierarquia atual - no Brasil, conformam principalmente a gama mais liberal do espectro dos partidos pró-mercado - e aqueles que entendem que a sociedade está em franca decadência e que o status quo deveria voltar a uma época onde a hierarquia era outra, ou a distância hierárquica é entendida como maior - são os grupos conservadores, intervencionistas e até mesmo fascistas da política.

Uma visão há em comum com esses dois grupos: ambos defendem algum status quo. Dessa forma, os dois irão entender que a sociedade estava, em algum momento, no caminho certo, que as leis são boas, que o sistema funciona, e o que estraga a política é a corrupção, que nesse sentido é entendida como a subversão das regras. Para os extremistas, em especial, há a visão de que o progresso (que eles identificam como "degeneração moral") é o que gera a corrupção. Isso explica o porquê de a corrupção ser, para eles, um plano de governo, um motto de campanha eleitoral.

Para a Esquerda, composta por moderados e revolucionários, no entanto, há uma visão de que o sistema não é justo; sua razão de existir é justamente suprimir a hierarquização, visando a igualdade social. O que muda entre os moderados e os revolucionários é o método que deve ser empregado a supressão: os primeiros entendem que, acedendo ao poder pela via democrática, é possível mudar o sistema apenas empreendendo reformas; já os segundos entendem que o confronto é inevitável e que, em alguma altura será necessário empreender alguma derrubada de poder.

Pois bem, seguindo a visão de que o mundo é injusto e de que a missão do ser humano é evoluir nesse sentido, a corrupção surge como consequência dessa injustiça, e não a causa dela.  O acesso fácil pela classe privilegiada (os burgueses) ao poder, em contraposição à dificuldade experimentada pela oprimida (os trabalhadores), faz com que a lei seja um instrumento de manutenção dos privilégios dos burgueses sobre os trabalhadores; como aqueles controlam a execução das leis (via de regra, os juízes, promotores e demais agentes do sistema repressivo do Estado são indicados pelos políticos, que são eleitos pelo impulso dos burgueses), eles ficam livres para não cumpri-la, para corromper (os políticos e trabalhadores) e serem  corrompidos (quando cooperam para superfaturar uma obra pública, por exemplo).

Por essa razão, a Esquerda entende que deve-se acabar com a causa da corrupção, com seu fato gerador, o que torna a pauta da corrupção em si como acessória em seu discurso.

Por fim, temos o centro, que é revisionista, entende que existem desigualdades naturais e desigualdades criadas historicamente, e que estas últimas devem ser suprimidas. Seu discurso vai variar de acordo com a conveniência política. Por exemplo, o Partido dos Trabalhadores, de centro-esquerda, já se valeu do discurso anticorrupção para tentar eleger Lula, nas eleições de 1989 e 1994, mas hoje coloca-se numa posição defensiva. Ao invés de atacar as causas da corrupção, ataca a seletividade dos juízes e parlamentares, individualizando suas condutas, o que demonstra uma postura tipicamente centrista. Já o PSB se dividiu, quando do impeachment de 2016, entre aqueles que encamparam o discurso propalado pela Direita e pela Esquerda.

O cidadão deve fazer um exame de consciência ao escolher o candidato A ou B, afinal, corrupção é o que faz o mundo ser injusto, ou o fato de o mundo ser injusto é o que propicia existir a corrupção? Ao colocarmos um candidato salvacionista na presidência, estaremos realmente resolvendo o problema?

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Renúncia de Tiririca: A Tragédia do Pobre que Não Tem Consciência de Classe


Tiririca foi à tribuna, pela primeira e última vez, para comunicar sua renúncia ao mandato de Deputado Federal. O parlamentar comentou que teve uma desavença com um outro deputado, que era mais "sujo que pau de galinheiro".

Saiu da Casa com o discurso de "estar de cabeça erguida", pediu mais saúde para o povo e menos ego aos parlamentares, denunciando a corrupção.

Muitos dos grupos de esquerda preferiram lançar uma campanha de desgaste ao palhaço, ao invés de olhar a situação com um olhar crítico. O caso de Tiririca nos sibila uma realidade que a "esquerda" (e digo isso entre aspas porque esquerda que não tem autocrítica renuncia ao progressivismo e não pode ser chamada de esquerda) insiste em se cegar; ao invés, preferem berrar na internet "EU ESTAVA CERTO", em busca de proventos políticos.

Pois bem, é inegável que Tiririca tenha uma origem humilde e, pela sua postura ainda como deputado, principalmente depois de sua fala simples na tribuna, que este não renunciou suas raízes. Não obstante, isso não o impediu de votar a favor da destituição de Dilma Rousseff, contra o trabalhador e a favor da entrega do Pré-Sal ao capital financeiro, tudo dentro das linhas de seu partido, o Partido da República.

Seu discurso de estar de cabeça erguida nos diz algo: ele votou assim porque achava que estava fazendo o melhor para o Brasil. Atrelou a vida difícil do pobre à falta de acesso ao serviço público de qualidade, o qual, por sua vez, é ruim porque há ego e corrupção.

Eis a mensagem: o pobre humilde, mesmo quando parlamentar, acredita que o problema da pobreza é a corrupção e que a mudança pode acontecer simplesmente a partir de uma simples moralização!

O problema é que não são os políticos os reais detentores do poder; são eles apenas os gerentes. Quem manda na porra toda é a classe burguesa, que coopta a política de acordo com seus interesses. Por trás de cada mala de dinheiro, há uma empresa comprando influência; por trás das campanhas de marketing eleitoral, há uma corporação doando enormes somas e isso se aplica também aos partidos de esquerda!

Deve-se reconhecer os limites da democracia burguesa. Devemos lidar com ela, mas sempre tendo em mente de que somos um estranho na festa.

Tiririca é o arquétipo do pobre que, mesmo bem intencionado, poderia muito bem votar em um certo candidato fascista do Rio de Janeiro. Tudo isso porque, sem a consciência de classe, acredita que tudo pode ser simplificado a uma mera "moralização" da política.