segunda-feira, 21 de março de 2016

Ainda sobre a seletividade da imprensa e do Judiciário

Alguns amigos, indignados com a seletividade da imprensa e com o tratamento desumano dispensado por um juiz de primeira instância ao senhor Lula, encaminharam esta escuta de uma conversa do acusado. Infelizmente, não vi nenhum dos jornais criticados veicularem este áudio.



Neste áudio, o senhor Alberto Carlos de Almeida dá uma aula sobre o funcionamento autoritário e inquisitório da justiça e o senhor Lula afirma, em foro privado, que é inocente (a partir dos 03:53). Alguns da oposição dizem que o senhor Lula sabia da escuta, porém, dificilmente uma pessoa falaria sobre aceitar ministérios para ter foro por prerrogativa de função tendo a ciência de estar sendo escutado.

sábado, 19 de março de 2016

Suspensão da Casa Civil e Carta Aberta de Lula


A ebulição política não para. Ontem (17), saiu na imprensa que o ex-ministro Lula havia falado, em conversa com a presidenta Dilma, que o Judiciário encontrava-se acovardado. Eu nem sei se tal afirmação merece comentário, uma vez que se tratava de uma conversa particular, de cunho político e etc. Se os federais grampeassem meu telefone, afirmo que eles ouviriam coisas muito piores sobre o Judiciário do que o senhor Lula falou e isso não tem valor processual nenhum.

Ao mesmo tempo, uma coisa realmente séria vazou: o senhor Lula pediu para que conversassem com ministros do Supremo, o que pode ser considerado uma forma de influenciar o futuro julgamento. Quanto à isso, entendo que a melhor conduta a se tomar é deixar o inquérito sob responsabilidade do STF mesmo, pois assim até eles podem contradizer e se defenderem da gravação (a que ponto chegamos, a 3ª parte, os juízes, fazendo uso do contraditório e da ampla defesa) e eles são a última instância do Judiciário – vai rolar uma economia processual imensa. E penso que o argumento da violação do princípio do juiz natural não cabe, infelizmente, no caso do STF, pois eles são aqueles que guardam a Constituição, em última instância – se não forem eles a guardar, quem seria o substituto?

Uma chuva de ações foram parar nos juízes federais, pedindo uma liminar para suspender o mandato do ex-ministro Lula. Dois deles foram providos, um no DF e outro no Rio de Janeiro. Sobre o juiz federal do DF que deferiu a liminar, internautas tiraram prints de seu perfil no Facebook, e deu para perceber que ele não era nada imparcial (isso sim é violar o princípio do juiz natural)
(Fonte: Sensacionalista, que lamentavelmente está menos isento de verdade do que alguns juízes por aí. Matéria em: http://www.sensacionalista.com.br/2016/03/17/10-momentos-do-facebook-do-juiz-que-anulou-a-posse-de-lula/ )
      
A liminar desse juiz de imparcialidade duvidosa já caiu mediante recurso ao TRF-1, mas a posse continua suspensa, uma vez que há outro deferimento no Rio de Janeiro pela juiza Regina Coeli Formisano; tentei entrar em seu perfil no Facebook, mas “não foi possível se conectar” naquele momento (para outros perfis, conectava-se normalmente). No Rio Grande do Sul, o pedido foi indeferido.

A defesa entrou com vários recursos e um pedido de suspender todas esses pedidos de liminar, de forma difusa, com eficácia em todo o Brasil.
Os ministros do Supremo reagiram às conversas do senhor Lula, defendendo a instituição. Alguns mais exaltados, como o senhor Gilmar Mendes (que uma vez foi xingado de coronel pelo ex-ministro Joaquim Barbosa), foram além da defesa institucional e fizeram um pronunciamento politizado, o que me causa certa estranheza, principalmente pelo fato de que a divulgação de tal conversa do senhor Lula é inteiramente questionável e ele estava falando do Judiciário em foro privado.

Devido a tais vazamentos e à cerimônia de posse, uma meia dúzia de gato pingado fechou a Paulista. Após 39 horas, o choque resolveu tirá-los de lá com bombas de efeito moral. É engraçada a eficiência da polícia nesses casos, porque para tirarem professores não demora dez minutos. Enquanto isso, os apoiadores da situação colocaram fogo em pneus eescreveram frases do tipo “não vai ter golpe” nas rodovias do Estado de São Paulo. A BR-116 foi fechada em alguns pontos.
  
Por volta das 22 horas, o senhor Lula encaminhou uma carta aberta para se esclarecer sobre a situação e pedir justiça. A carta segue na íntegra:

“Creio nas instituições democráticas, na relação independente e harmônica entre os Poderes da República, conforme estabelecido na Constituição Federal.
Dos membros do Poder Judiciário espero, como todos os brasileiros, isenção e firmeza para distribuir a Justiça, garantir o cumprimento da lei  e o respeito inarredável ao estado de direito.

Creio também nos critérios de impessoalidade, imparcialidade e equilíbrio que norteiam os magistrados incumbidos desta nobre missão.
Por acreditar nas instituições e nas pessoas que as encarnam, recorri ao Supremo Tribunal Federal sempre que necessário, e especialmente nestas últimas semanas, para garantir direitos e prerrogativas que não me  alcançam exclusivamente, mas a cada cidadão e a toda a sociedade.

Nos oito anos em que exerci a presidência da República, por decisão soberana do povo – fonte primeira e insubstituível do exercício do poder na democracia – tive oportunidade de demonstrar apreço e respeito pelo Judiciário.

Não o fiz apenas por palavras, mas mantendo uma relação cotidiana de respeito, diálogo e cooperação; na prática, que é o critério mais justo da verdade.

Em meu governo, quando o Supremo Tribunal Federal considerou-se afrontado pela suspeita de que seu então presidente teria sido vítima de escuta telefônica, não me perdi em considerações sobre a origem ou a veracidade das evidências apresentadas.
Naquela ocasião, apresentei de pleno a resposta que me pareceu adequada para preservar a dignidade da Suprema Corte e para que as suspeitas fossem livremente investigadas e se chegasse à verdade dos fatos.

Agi daquela forma não apenas porque teriam sido expostas a intimidade e as opiniões dos interlocutores.

Agi por respeito à instituição do Judiciário e porque me pareceu também a atitude adequada diante das responsabilidades que me haviam sido confiadas pelo povo brasileiro.

Nas últimas semanas, como todos sabem, é a minha intimidade, de minha esposa e meus filhos, dos meus companheiros de trabalho que tem sido violentada por meio de vazamentos ilegais de informações que deveriam estar sob a guarda da Justiça.

Sob o manto de processos conhecidos primeiro pela imprensa e só depois pelos direta e legalmente interessados, foram praticados atos injustificáveis de violência contra minha pessoa e e minha família.

Nesta situação extrema, em que me foram subtraídos direitos fundamentais por agentes do estado, externei minha inconformidade em conversas pessoais, que jamais teriam ultrapassado os limites da confidencialidade, se não fossem expostas publicamente por uma decisão judicial que ofende a lei e o direito.

Não espero que ministros e ministras da Suprema Corte compartilhem minhas posições pessoais e políticas.
Mas não me conformo que, neste episódio, palavras extraídas ilegalmente de conversas pessoais, protegidas pelo Artigo 5o. da Constituição, tornem-se objeto de juízos derrogatórios sobre meu caráter.

Não me conformo que palavras ditas em particular sejam tratadas como ofensa pública, antes de se proceder a um exame imparcial, isento e corajoso do levantamento ilegal do sigilo das informações. Não me conformo que o juízo personalíssimo de valor se sobreponha ao direito.

Não tive acesso a grandes estudos formais, como sabem os brasileiros. Não sou doutor, letrado, jurisconsulto. Mas sei, como todo ser humano, distinguir o certo do errado; o justo do injusto.
Os tristes e vergonhosos episódios das últimas semanas não me farão descrer da instituição do Poder Judiciário. Nem me farão perder a esperança no discernimento, no equilíbrio e no senso de proporção de ministros e ministras da Suprema Corte.

Justiça, simplesmente justiça, é o que espero, para mim e para todos, na vigência plena do estado de direito democrático”.

O ex-presidente uruguaio Mujica afirmou que “Dá a impressão de que existe uma espécie de cabaré jurídico no Brasil, isso também acontece em outros países. Tem gente na Justiça que cria denúncias muito espalhafatosas, feitas sob medida para ter repercussão na imprensa. Me disseram que estão tão desesperados por encontrar qualquer coisa que desacredite o Lula, que quando o interrogaram, as perguntas foram absurdas, sobre as garrafas de vinho que tinha em casa, algo bem estranho. (...) E se alguém o prende [Lula], eu irei visitá-lo, já visitei vários amigos".

Emenda: a juiza do Rio de Janeiro que concedeu a liminar é apoiadora do impeachment e gostava de bater panelas.
http://www.sensacionalista.com.br/2016/03/18/10-noticias-da-semana-que-parecem-mas-nao-sao-do-sensacionalista/

quinta-feira, 17 de março de 2016

Revisão dos últimos acontecimentos no país - o gigante acordou meio zonzo


Pela legalidade.

      Uma nuvem densa encontra-se sob o céu que outrora fora anil do nosso Brasil. Os escândalos de corrupção, as seletividades de imprensa , a crise econômica, o clima político e o inconformismo polariza nosso povo e faz com que o gigante, o povo, levante-se meio perdido, esbravejando como uma criança sem saber ao certo o que se deve ser atacado. Para melhor situá-los e como registro histórico, relato aqui os acontecimentos desse ano de 2016 e as contradições que elas suscitam.

     É impossível saber desse sonambulismo do gigante sem se remeter a alguns antecedentes históricos. O primeiro deles não acontece em solo nacional, mas em um país longínquo que poucos brasileiros sequer ouviram falar: Tunísia, 2011. Inconformado com a situação política de seu país, um quitandeiro ateia fogo em seu próprio corpo e isso deflagra a chamada Primavera Árabe. Esse movimento se espalhou pelos países vizinhos e chegou até as portas da Síria, sendo majoritariamente um movimento protagonizado por jovens.

     A Primavera Árabe virou combustível para o inconformismo contra o Estado, influenciando movimentos como o Euromaidan, na Ucrânia, o qual, a exemplo do caso extremo da Síria, também culminou em uma guerra civil – e em um dos contenciosos mais perigosos para a segurança internacional no contexto pós-moderno. A mesma ideologia foi recepcionada pela juventude brasileira em 2013, no âmbito dos Protestos de Junho. O gatilho foi o aumento de R$ 0,19 no preço público do transporte urbano e logo se espraiou para as mais diversificadas pautas, sem lideranças, tais como a corrupção, tanto dos governos federativos de direita, quanto de esquerda. Todos se juntaram àqueles movimentos, tanto a classe média, os jovens direitistas, quanto a juventude esquerdista dos diversos partidos; e os anarquistas (que, em minha visão, são uma forma de extrema-direita, por pregarem a liberdade em detrimento da igualdade material – ou justiça social, a qual só pode ser garantida pelo Estado) entraram em cena.

     Surge a figura dos Black Blocs e dos quebra-quebras generalizados. A repressão é desencadeada e a opinião pública brasileira afugenta-se das reivindicações, uma vez que está no DNA tupiniquim a aversão à desordem, influência positivista de Comte, que jaz em nossa bandeira de maneira não leviana. O esvaziamento de tais movimentos cria a polarização, e a direita percebe que não é viável protestar ao lado da esquerda. Apesar de haver figuras proeminentes no âmbito de cada ideologia, tais como a do Estado Mínimo do Kim Kataguiri, a de Sininho, no âmbito dos Black Blocs, e ainda a de artistas e “intelectuais” irracionalistas decadentes, como Olavo de Carvalho e Lobão, tais atores figuraram apenas como formadores de opinião, mas não conseguiram alçar a liderança de tais movimentos. Porém, o inconformismo permaneceu.

     A polarização atingiu níveis preocupantes quando do resultado das eleições, nas quais a senhora Rousseff conseguiu vitória por uma margem estreitíssima, em segundo turno, sobre o senhor Aécio Neves. O país ficou literalmente dividido em dois, o norte apoiando o PT e o sul apoiando o PSDB. São Paulo ganhou o apelido de Tucanistão e alguns paulistas de ânimos mais exaltados pediam a separação do Estado com relação ao nordeste. O senador Aécio tentou uma vitória “em terceiro turno”, questionando os resultados da urna, mas o TSE indeferiu a auditoria. O país viu-se dividido entre coxinhas e petralhas e, se você não fosse um deles, pela lógica dicotômica, era do outro time. Era a volta do maniqueísmo que inviabiliza o processo de Conciliação Nacional. A guerra entre as duas potências eleitorais foi declarada unilateralmente. No âmbito do inquérito, estava deflagrada a Operação Lava Jato, que começava a ganhar a fama por investigar o maior escândalo de corrupção de nosso país. O Ministro de Justiça senhor Eduardo Cardozo manteve a postura desejável de não interferir nas investigações, sob o aval presidencial, mesmo que custasse a prisão de membros da ala governista.

     Parcela da população voltou às ruas em março de 2015, quando as dificuldades econômicas nacionais tornaram-se patentes, alguns pedindo impeachment e outros pedindo intervenção militar “constitucional”, mas nenhum desses movimentos propondo soluções efetivas que sanassem o objeto. O senhor Eduardo Cunha, presidente da Câmara, rompeu com o governo, e começou a patrocinar o processo de impeachment. Num golpe abusivo de seu poder, procurou nomear uma Comissão Especial sem respeitar o princípio da proporcionalidade, que encontra-se consignada no Regimento de ambas as Casas Legislativas. O STF foi provocado e negou tais nomeações, exigindo eleições que respeitassem o princípio em comento.

     Prenderam o senador Delcídio Amaral e foi quando a casa caiu. Em suas delações premiadas, citou a senhora Dilma, o senhor Lula, vários empreiteiros, o senador Cunha, o senador Aécio, entre outros. Parecia que a República havia vindo abaixo e assim parece até os dias de hoje. De alguma forma, sua delação foi parar na imprensa. Hoje, suspeita-se que os vazamentos dos documentos seja feito pelo próprio “Japonês da Federal” que havia sido ovacionado pelos grupos anticorrupção, famoso por conduzir os políticos indiciados. A imprensa utilizava-se e utiliza-se de tais documentos como bem entende. Entra em cena o senhor Sérgio Moro, juiz federal de uma das varas do Paraná, que acaba por dando um tratamento “especial” para o ex-presidente Lula, no mal sentido.

     O senhor Lula foi denunciado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, uma confusão processual, uma vez que o mesmo objeto já era investigado pela Polícia Federal. O juiz Moro emitiu uma Carta Precatória que voltou cumprida sem documento comprobatório de intimação, comprometendo a legalidade do ato. Chegamos em 2016. No começo de março, mesmo sem haver documentos comprobatórios de intimação, o senhor Lula é conduzido coercitivamente, sob o aval do juiz Moro, a prestar Depoimento à Polícia Federal. Um grupo de manifestantes pró-governo cercou o aeroporto de Congonhas com o objetivo de proteger o ex-presidente de eventuais reprimendas, além de prestar-lhe apoio. Aqui, cabe uma explicação jurídica.

     O MPSP investiga se há crimes de ocultação de patrimônio – o ex-presidente é acusado de não declarar um sítio em Atibaia e um tríplex no Guarujá. A Polícia Federal, cujo processo acontece sob a tutela do senhor Moro, tem como objeto principal o crime de lavagem de dinheiro durante e após o mandato do senhor Lula e os bens ocultos – sítio e tríplex – são investigados apenas como sendo o destino desses recursos desviados. Durante o depoimento, o senhor Lula afirmou que o sítio foi comprado por seus companheiros para seu usufruto, porém a disposição do bem não lhe compete. Quanto ao tríplex, afirmou que chegou a tentar comprar, mas não finalizou a compra e os vendedores até hoje não lhes devolveram o dinheiro: e não havia crime nenhum nisso, uma vez que a propriedade era compatível com os seus rendimentos. Afirmou que contratou a empresa de seu filho Fábio pelo Instituto Lula para fazer mídias e promover a imagem e disse não haver nenhuma irregularidade quanto a isso. Apresentou documentos comprobatórios da situação do sítio de Atibaia e do tríplex. Com relação à Petrobrás, devido à natureza das perguntas, deu para perceber que a Polícia Federal não faz ideia sobre como o ex-presidente pode ter atuado no desfalque. O ex-presidete saira juridicamente fortalecido do depoimento.

     Após o cumprimento da condução coercitiva, houve manifestações bem gordas por todo o Brasil. O Ministério Público de São Paulo pediu a prisão preventiva do ex-presidente. Acontece que ele ainda não figura como réu no processo e o pedido é descabido. Foi para a mão de uma juíza de São Paulo e esta lavou as mãos como Pilatos, mandando o processo para o juiz Moro. Antes que houvesse tempo hábil de o pedido ser apreciado, o senhor Lula foi nomeado ministro-chefe da Casa Civil e passou a ter foro por prerrogativa de função (e não foro privilegiado, como dizem – não é privilégio nenhum ser julgado sem direito de recurso).

      No dia 16 de março, o senhor Moro, que claramente atua de maneira política, ao realizar o processo saindo de suas mãos, levantou o sigilo das conversas telefônicas gravadas pelo ex-presidente, um dia antes da cerimônia de posse. Dentre as conversas, algumas ficaram famosas: uma na qual o prefeito do Rio de Janeiro senhor Eduardo Paes pede para Lula parar com a mania de pobre de ficar comprando sitiozinho e barquinho, o qual seria indício de que ele havia comprado o sítio mesmo. Provavelmente, o senhor Eduardo Paes será intimado a prestar esclarecimentos sobre o conhecimento de o sítio ser do ex-presidente ou não – é o mínimo que esperamos. O mesmo prefeito ainda desmerece uma cidade do interior do Rio de Janeiro, enfurecendo sua população.

      Dentre as conversas, há comentários de tom misógino do ex-presidente, os quais não guardam motivos nenhum para serem tornados públicos, uma vez que não tem ligação material com as razões fáticas da Operação Lava Jato. Mas o mais preocupante foi um telefonema da senhora Rousseff sobre o termo de posse do senhor Lula, em fevereiro, no qual ela pede para o senhor Lula usar o termo somente em caso de necessidade. De acordo com o juiz federal, isto seria uma forma de o senhor Lula obstruir a justiça, de forma premeditada, e por isso deveria ser combatida. No entanto, meus senhores, não existe obstrução de justiça quando o citado ainda não é réu no processo. Foi uma forma de incitar mais ainda a violência e instabilidade no nosso país. E o povo, altamente receptivo a essas manipulações, sem senso crítico e apreciadores de brigas de torcida, acata sem maiores meditações. Ademais, não cabe ao juiz opinar sobre a situação política e jurídica de ninguém depois que o processo saiu de suas mãos. Ele mostrou-se totalmente suspeito para atuar no processo e isso só tem um nome: corrupção. Em sentido ético.

     No mesmo dia, tornou-se pública a parte da delação do senador Delcídio sobre as relações do senador Aécio no caso Furnas e cita sua conta offshore em Liechtenstein. O povo brasileiro aprendeu algumas palavras novas nisso tudo. O caso pode reabrir a famosa “pasta amarela”, que apresenta extratos de contas no exterior em nome de sua família e documentos sobre fundações também offshores abertas para serem beneficiárias desse dinheiro. Em 2010, quando essa pasta chegou as mãos do Ministério Público, este órgão não teve a mesma “sede de justiça” que está tendo contra o senhor Lula, e mandou arquivar por “falta de evidência de irregularidades”. O acontecimento ganhou uma pequena manchete na página do G1, bem abaixo dos protestos em letras garrafais que estavam acontecendo de manfeira espontânea, pela primeira vez, em partes do Brasil. O telefonema vago da presidente teve um tratamento muito mais, digamos, relevante que a materialidade da acusação contra o senador Aécio.

     O dia 16 foi quente. Além desses fatos, foi impetrado no Supremo Tribunal Federal um mandado de segurança contra a posse do senhor Lula no ministério de Dilma. O ministro Celso de Mello indeferiu o pedido, alegando que não havia obstrução de justiça quando o indivíduo em comento ainda não é réu em nenhum processo. Manifestantes seguiram para a frente da casa do ex-presidente com o intuito de impedir sua saída para Brasília, mas a CUT estava lá e promoveu um cordão de isolamento com o intuito expresso de proteger a propriedade do mesmo. Houve confrontação, gás lacrimogênio, spray de pimenta. Aconteceram protestos contra Lula,majoritários, epró, minoritários, em todo o país e pela primeira vez, até protestantes de direita foram reprimidos pela força policial. Trata-se de uma escalada de violência. Enquanto isso, na sessão plenária do Supremo, discutia-se sobre a alteração do rito do processo de impeachment, solicitado pelo presidente da Câmara. O pedido foi indeferido.Estudantes ocuparam a Pontífice Universidade Católica em um ato contra o golpe, pela legalidade.

     É o dia 17 de março, dia da posse. Manifestantes da CUT, MST, PT e simpatizantes de esquerda ocuparam a frente do Palácio do Planalto para viabilizar a posse dos novos ministros da senhora Dilma, entre eles, Lula. Protestantes inconformistas, os “amarelos”, bem como a Tropa de Choque, cercaram a primeira manifestação, a dos “vermelhos”, deixando-os ilhados e sem rota de fuga. Dentro do Salão Nobre, a senhora Rousseff criticou a seletividade dos jornais e prometeu tomar as providências administrativas e judiciais contra o juiz Moro. Salientou que não seria tolerável vazar conversas telefônicas da presidente, que isso cabia ao Supremo. O evento era televisionado ao vivo pela Rede Globo. Os parlamentares e representantes da sociedade civil que estavam presentes à solenidade gritaram palavras de ordem que foram televisionadas para todo o Brasil: “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”, “Não Vai ter Golpe!”. Lula foi empossado, porém sua alegria duraria pouco: uma ação popular impetrada na justiça federal do Distrito Federal foi deferido. A causa de pedir: obstrução da justiça. Em razão disso, o ex-presidente foi apelidado de “Ministro Miojo”. Cabe recurso.

quarta-feira, 16 de março de 2016

Depoimento de Lula à Polícia Federal na Operação Lava Jato

Highlights do Depoimento do Ex-Presidente Lula à Polícia Federal – Parte 1 e 2

O ex-presidente Lula foi conduzido coercitivamente para depor à Polícia Federal no dia 04 de março de 2016 a partir de mandado expedido pelo juiz federal Sérgio Moro. A transcrição do áudio foi disponibilizada pelos veículos de imprensa e não me pergunte sobre a legalidade da disponibilidade de tal documento, uma vez que o processo corre em sigilo de justiça.
A seguir, vou resumir alguns dos pontos importantes e outros cômicos, para que os senhores entendam o porquê esse documento é o mais porreta dos últimos anos da história brasileira. Com vocês, Luiz Inácio Lula da Silva e o Delegado de Polícia.

Instituto Lula

Primeiramente, o sr. Lula foi questionado sobre a fundação e a natureza do Instituto. Ficou patente que a matemática não é o forte tanto do sr. Lula quanto do delegado de polícia, os quais afirmaram que 15% da população havia saído da pobreza absoluta, “ou seja, ¼ da população total do Brasil”.
Afora esse pequeno pormenor, o ex-presidente informou que o Instituto se mantinha por doações sem contrapartida. Ressaltou que era apenas o presidente de honra e que não autorizava as despesas da fundação, que isso ficava a cargo do sr. Paulo Okamotto e da diretoria.

O homem foi acordado às 6 horas e precisa de café

O sr. Lula se sentiu à vontade para pegar um cafezinho por conta.
Declarante:Vou pegar um café aqui, deixa eu pegar um café.
Delegado da Polícia Federal:Isso. Se o senhor quiser, vamos ajudar, vamos colocar o cafezinho aqui mais perto da gente, para a gente também poder se servir.
Declarante:Qual era a pergunta?

Algumas vezes as declarações foram um tanto complexas de se entender...

Delegado da Polícia Federal:Há 5 anos atrás, quem tinha essa função de pedir doações a empresas em nome do Instituto Lula?
Declarante:Sempre o diretor financeiro.
Delegado da Polícia Federal:Cinco?
Declarante:Sempre o diretor financeiro.
Delegado da Polícia Federal:Quem foram os diretores financeiros nos últimos 8 anos?
Declarante:Nos últimos 8 anos, não tinha diretor financeiro nos últimos 8 anos.

Depois ele deu uma aula sobre dízimo

Delegado da Polícia Federal:É comum as empresas procurarem espontaneamente o Instituto Lula para oferecer doações?
Declarante:Não. Aliás, eu não conheço ninguém que procura ninguém espontaneamente para dar dinheiro, nem o dízimo da igreja é espontâneo, se o padre ou o pastor não pedir, meu caro, o cristão vai embora, vira as costas e não dá o dinheiro(...)

Sobre as doações ao Instituto Lula

O ex-presidente afirmou que não mexe com a parte financeira do Instituto e que, aliás, nunca tinha mexido. Aliás, se houver uma auditoria sobre quem gastou o dinheiro do supermercado, ele também fará questão de não saber quem foi:

Declarante:Nem no instituto e nem em casa eu cuido disso, em casa tem uma mulher chamada dona Marisa que cuida e no instituto tem pessoas que cuidam.
Delegado da Polícia Federal:O senhor não faz nem ideia?
Declarante:Não faço ideia.
Delegado da Polícia Federal:De quanto entra em dinheiro?
Declarante:E faço questão de não fazer ideia.

Só sei que nada sei

Vários questionamentos foram feitos pelo delegado sobre o emprego desse dinheiro e sobre as doações. Lula foi categoricamente socrático:

Delegado da Polícia Federal:Como são destinadas e aplicadas essas doações?
Declarante: Não sei.

“Aquela região do crack lá...”

Delegado da Polícia Federal:Existe algum museu sendo construído, reformado?
Declarante:Teria se o Ministério Público tivesse deixado, porque nós entramos com o pedido, o Kassab nos deu um terreno ali próximo à região da Estação da Luz, onde está fazendo... Aquela região do crack lá, a cracolândia, o Kassab nos deu o terreno que a gente queria fazer o Memorial da Democracia, o Ministério Público de São Paulo entrou com um processo e está suspenso até agora, então não tem; eu pensei em levar para a universidade, mas aí resolvi deixar lá.

G4 Entretenimentos

O senhor Lula admitiu saber que seu filho Fábio era sócio da G4 Entretenimentos, mas disse não saber como funcionava: “cada um cuida do seu nesse país”. É interessante notar que, durante todos os interrogatórios e pronunciamentos a que foi obrigado a se posicionar sobre os negócios escusos de outrem, o ex-presidente sempre procurou demonstrar apatia sobre o funcionamento dos meios da coisa, demonstrando que dá ampla autonomia a quem executa, importando-se somente com os fins. Escusou-se também no caso do  mensalão. Com relação à corrupção alheia, o seu posicionamento sempre foi o mesmo, sempre foi o do “cada um cuida do seu nesse país”. Com relação à empresa de seu filho, Lula foi novamente socrático.

Declarante:Não sei, querido.

Flex BR Tecnologia

Sobre a empresa acima citada, o presidente demonstrou pela primeira vez indignação no depoimento:

Delegado da Polícia Federal:O senhor conhece a empresa Flex BR Tecnologia Ltda.?
Declarante:Essa eu faço questão que você conheça.
Delegado da Polícia Federal:Eu não conheço.
Declarante:Eu não conheço, quero que você conheça, eu não conheço, quero que você vá conhecer.
Delegado da Polícia Federal:Por quê?
Declarante:Porque é uma peça de ficção, eu não conheço, não sei onde fica, eu sei que vocês estão investigando ela porque eu vi no relatório, Deus queira que vá muita gente da Polícia Federal lá para ver, e ver o que ela já produziu na vida.
Delegado da Polícia Federal:O senhor acha que é positivo ou negativo o que ela produz?

E ainda pediu um atestado de boa-fé

Declarante:Não, deixa vocês investigarem que é melhor. Eu só espero que depois que investigarem me deem um atestado de estar dizendo a verdade sobre cada coisa, só isso.

(...)

Declarante:Você perguntou da, da...
Delegado da Polícia Federal:Camargo Correa...
Declarante:Da Camargo Correa, eu disse que a imprensa já deu que a Camargo Correa tinha doado dinheiro para o instituto e disse que ela doou metade do que doou para o Fernando Henrique Cardoso, o restante...

Ou seja, se o Lula tem rabo preso com a Camargo Correa, o FHC também tem. É bom guardar esse fato para lembrar-nos conforme for a apuração.

Lula se preocupa com o sono de seu advogado

Declarante:[Ao delegado] Não entendi a pergunta. [Ao advogado] Dormiu pouco essa noite?
Defesa:Não, dormi bem.

E em seguida, a larica bate

E eles estavam tratando sobre as doações duvidosas de empresas para o Instituto Lula.

Declarante:O que vocês têm aqui para comer?
Delegado da Polícia Federal:Não, pode dar uma olhadinha aí, pode abrir, o que achar que é bom...
Defesa:O pior é que tem os outros todos olhando aí...
Delegado da Polícia Federal:Não, a gente tomou café, o expresidenten o fim saiu sem café e tem todo o direito aí de se alimentar.
Defesa:E pode parar se quiser.
Declarante:Eu não[,] quero só um pãozinho.
Delegado da Polícia Federal:Então vou aproveitar para pegar um cafezinho também.
Declarante:Então eu vou escolher o misto quente.
Defesa:Deveria ter pego outro.
Declarante:Não, é a mesma coisa, vou comer um misto quente... O senhor quer?
Defesa:Não, obrigado.

Mais uma vez, o senhor Lula se importa com a saúde do seu advogado. E ainda ofereceu pão de queijo pra geral.

Declarante:O senhor tomou café em casa?
Defesa:Comi alguma coisinha no caminho.
Declarante:Tem pão de queijo aqui, olha, quem quiser pão de queijo.
Delegado da Polícia Federal:Acho que trouxeram para todos.
Declarante:Não, foi para todos, não foi só pra mim.

E ainda avisou que sabe falar de boca cheia

Defesa:Está desligada, né?
Delegado da Polícia Federal:Não.
Defesa:Mas só lembrar o seguinte, continua ligado isso daqui. [advogado esperto]
Declarante:Se quiser continuar, pode continuar, eu sei falar de boca cheia.
Delegado da Polícia Federal:Não, não, eu só não quero atrapalhar o
seu café.
Declarante:Na fábrica a gente trabalhava em horário corrido, você tinha meia hora para comer, então era uma desgraça, você comia falando, então...
Defesa:Quem tirou tanta gente da miséria tem direito a comer também.
Delegado da Polícia Federal:É verdade.

Paremos para ver a última afirmação do Delegado. Ele poderia estar concordando para criar vínculos com o acusado e assim conseguir alguma declaração reveladora. No entanto, ao longo da entrevista, o delegado demonstra uma ligeira empatia com o ex-presidente, não representando tal afirmação um evento pontual. Voltarei a salientar as outras manifestações do Delegado, quando for tempestivo.

Durante o café, o advogado pergunta sobre a carta precatória do juiz Moro, que nunca chegou às mãos do senhor Lula. Caso realmente não tenha havido expedido essa precatória, a condução coercitiva do senhor Lula foi completamente desproporcional e todo o interrogatório pode ser anulado, pois meios ilícitos geram provas ilícitas (teoria da árvore dos frutos podres, ou algo do tipo), beneficiando o réu. O delegado afirmou desconhecer tal precatória, e mostrou que somente tinha o mandado de intimação encaminhado a ele, por e-mail. O Ministério Público faz uma intervenção para explicar sobre a intimação do senhor Lula, mas o advogado levanta a lebre que a precatória já havia sido cumprida, sem conhecimento do réu, o que levantava certas suspeitas na defesa.

José de Filippi Junior

O ex-presidente Lula confirmou que tinha uma relação partidária e uma boa relação pessoal com o senhor José de Filippi Junior. Confirmou que ele foi o responsável pelas doações à campanha presidencial e que havia sido diretor, podendo inclusive ter pedido doações ao Instituto Lula ao longo do ano de 2006. Afirmou que o senhor José nunca teve relação com a LILS palestras.

99% certeza. Mas aqueles 1%...

Delegado da Polícia Federal:Isso o senhor afirma com certeza?
Declarante:Tem 99% de possibilidade que ele nunca tratou disso.
Delegado da Polícia Federal:Pelo menos com a sua autorização?
Declarante:É.
Delegado da Polícia Federal:Em relação à LILS?
Declarante:Nunca, eu nunca fui fazer uma palestra a convite do Fillipi.
E ainda explicou de forma realista como funciona uma candidatura à presidência

Declarante:Deixa eu lhe falar uma coisa, um Presidente da República que se preze não discute dinheiro de campanha, se ele quiser ser presidente de fato ede direito ele não discute dinheiro de campanha.

Se é taxi ou uber, o que eu tenho a ver com isso???

Delegado da Polícia Federal:O senhor sabe se o José Fillipi costuma usar um serviço de táxi com o mesmo taxista?
Declarante:Serviço de que?
Delegado da Polícia Federal:Táxi, táxi...
Declarante:Eu não sei, querido.
Delegado da Polícia Federal:Não sabe se ele anda de táxi?
Declarante:Não sei.
Delegado da Polícia Federal:Sabe se tem algum taxista que é amigo dele?
Declarante:Não sei, não sei.
Delegado da Polícia Federal:Não?
Declarante:A nossa amizade não chega a tanto.
Delegado da Polícia Federal:Por isso que eu perguntei qual era a sua relação com ele, o senhor disse que era uma relação boa...
Declarante:Como é que eu vou saber como ele anda?

Rogério Aurélio Pimentel

O senhor Lula confirmou que o senhor Rogério era segurança da presidência, mas negou ter conhecimento de qualquer envolvimento dele com o Instituto Lula.

Paulo Cangussú André

O ex-mandatário da república confirmou que existia um menino que trabalhava com Okamotto com esse nome, que seria o responsável  para viabilizar as viagens do declarante em suas palestras. Explicou que as palestras que ficavam a cargo do Instituto Lula eram gerenciadas por ela e que a LILS se responsabilizava apenas pelo serviço em si. Em seguida, demonstra certa beligerância contra a Lava Jato e a Polícia Federal:

Delegado da Polícia Federal:E a receita dessas palestras vai para o instituto ou para a LILS?
Declarante:Ela fica na LILS e vai ser utilizada quando todas as empresas que vocês estão destruindo nesse país não puderem contribuir mais financeiramente, o dinheiro vai ser utilizado para manter o instituto.

Declarou que a senhora Clara Ant era a secretária de seus negócios, melhor dizendo, sua assessora, e que o senhor Paulo André cuidava apenas da infraestrutura.

domingo, 13 de março de 2016

Movimento pró-corrupção


Hoje é o dia que a direita e uns perdidos vão às ruas pedir para acabar a corrupção do PT. Diversos movimentos engrossam os “batalhões”, deixando várias nuances de reivindicações, desde aqueles exigindo a saída da sr.ª Rousseff, outros a saída dela e do vice e novas eleições e alguns, mais exaltados e nostálgicos, pede a volta das Forças Armadas para “acabar” com a corrupção. Porém, o que será que está por trás da cabeça desse povo todo que se revolta?
As motivações são o descontrole econômico e os escândalos desencadeados pela Operação Lava Jato, a qual comprometeu politicamente nomes importantes da cúpula do Partido dos Trabalhadores; no entanto, a mesma Operação citou diversos membros da oposição. Nomes importantes como o do sr. Aécio Neves, senador pelo PSDB, e o do sr. Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, foram citados diversas vezes, porém, não tiveram a mesma atenção pela mídia do que o nome dos outros envolvidos; mesmo assim, tais nomes foram parar nos ouvidos da Opinião Pública e foram sumariamente ignorados.
Quando tais cartazes pedem a saída da Presidenta, sem pedir a saída dos membros da oposição, uma coisa fica bem claro: não se trata de um movimento anticorrupção pura e simplesmente, mas de um movimento contra a corrupção do PT. Quando se pede a volta dos ditadores, isso significa o controle de todas as coisas que influenciam o povo, tais como as instituições que são supostamente independentes – Ministério Público, Polícia Federal, Tribunais de Contas – e a mídia. Controlar essas entidades significa controlar a percepção da Opinião Pública sobre a corrupção. Alguns dizem que, na época da ditadura, não se ouvia falar de escândalos. E não se ouvia mesmo, por um motivo bem óbvio: os mandatários tinham o controle da comunicação e do vazamento desses esquemas perante a população e, como o regime não era democrático, é até válido se questionar se essa corrupção não era sistemática demais para poder criar a mentalidade de que era “legal”. Com a democracia, os valores mudam, e negócios por baixo dos panos não são mais aceitos. Democracia significa transparência. Não é com falta de transparência que se combate a corrupção.
Levantar um cartaz a favor do impeachment sem levantar outro exigindo, de forma difusa, o mesmo tratamento que teve o sr. Lula por parte do MP com relação às investigações para os srs. Aécio Neves, FHC, Eduardo Cunha, significa dizer que o que incomoda é a corrupção do PT e não a corrupção generalizada. “Mas, para limpar a casa, tem que começar com alguém” – essa é a maior falácia que os políticos passa para que a Opinião Pública engula essa história. Para os amigos, tudo; para os inimigos, a lei. As coisas não podem ser assim. Levantar placa em prol da saída da presidente por causa da corrupção, na situação que se encontra o país, onde TODOS parecem ter o rabo preso, não é um movimento anticorrupção, mas uma forma de legitimar obliquamente a corrupção dos outros. O certo a se fazer, se a população quisesse mesmo tirar os corruptos do poder, era combater a todos e, durante a manifestação, assegurar-se de que, enquanto as operações fossem lançadas, a lei fosse cumprida a cada momento e a todos sem distinção. Fazer a lei valer apenas para alguns, às vezes indo além-da-lei (praeter legem), como aconteceu com a condução coercitiva e a prisão preventiva do sr. Lula, é uma forma de corrupção; e as pessoas que vão para as ruas ratificar tais atos não são menos corruptos que os políticos que estão sendo preso. A voz do povo nem sempre é a voz de deus.

sexta-feira, 4 de março de 2016

A clivagem das classes medias brasileiras e sua implicação política


É inegável que durante o governo Lula e Dilma boa parte da população tenha aumentado a renda e o número de pessoas na classe média subiu sensivelmente. Em pronunciamento, a sr.ª Rousseff declarou sua intenção de fazer do país uma nação de classe média. No entanto, com a ascenção da classe C e D ao status de classe média, houve uma clivagem social entre a “classe média tradicional”, formada por burocratas estatais, liberais e empresários que operam no mercado, sobretudo no comércio, já há algum tempo, e a “nova classe média”. Essa clivagem pode ser analisada sobre vários aspectos, alguns dos quais: a subversão do sistema opressivo da classe média sobre os indivíduos da classe pobre que ascenderam (frases como “se eu soubesse que ser empregada doméstica daria tanto dinheiro não teria estudado “ ilustram esse pensamento de “poder de opressão perdido”); numa abordagem realista, a perda de espaço e de importância marginal que um indivíduo tradicionalista galgou, uma vez que terá que compartilhar o poder com os novistas que agora fazem parte de seu “estamento” (uma visão de poder tipicamente de sistemas de indivíduos que não cooperam entre si, num jogo de soma zero); e um choque de valores, uma vez que a classe média tradicional é fundamentalmente conservadora e a ascendente tende a ser tipicamente consumista e ostensiva, bem como mais ‘liberal’ no sentido social e jurídico da palavra.
Ao mesmo tempo que o governo adotou uma política expansiva da economia, cresceu-se o déficit fiscal, fazendo valer a velha fórmula econômica de que é impossível ter uma política expansiva e ela se sustentar por longo tempo e, a seu tempo, o Estado teve que adotar políticas de controle que não são muito agradáveis à opinião pública. A classe média tradicional, conservadora e, por isso, reacionária, a qual não estava satisfeita com a ascenção da nova, logo teve um motivo mais do que meramente reclamatório para poder alegar que o governo era culpado pelas mazelas do país. E, sim, os detentores do poder são sim responsáveis pela crise que agora desponta, mas devemos tomar essa responsabilidade com cautela, pois, conforme a história explica, sem jogadas expasionistas, o ciclo de dependência externa nunca se rompe, e o Brasil seria sempre um país subserviente. Basta vermos as políticas de industralização de Dom Pedro II, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e até mesmo da repugnante Ditadura Militar, todas expansivas, todas acarretando déficits fiscais e descontrole nas contas públicas e todas contribuindo decisivamente para o crescimento econômico do país e sua reinserção política no mundo, quer as pessoas gostem dessa ideia ou não. Porém, o que diferencia a política do sr. Lula e de sua herdeira sr.ª Rousseff das demais é justamente o seu caráter redistributivo de renda, o que é um crime para a opinião pública brasileira. Devemos lembrar que a opinião pública de um país é formada sobretudo pela classe média, uma vez que o pobre não consegue, em boa parte dos casos, mobilizar-se suficientemente ou até mesmo formar uma opinião de massas homogênea, devido a inúmeros fatores – problemas em sua formação educacional, falta de tempo devido à natureza de seu serviço (mais operacional que o da classe média), falta de acesso aos canais de comunicação para que façam valer suas opiniões e até mesmo a inclinação em negar a sua condição de pobre e querer alinhar sua opinião com a dos médios. Já os ricos manipulam a opinião da segunda classe, pois, como são em tremenda minoria, por si só, não constituem uma opinião classista definida.
A nova classe média se solidificou ao longo da década e um grupo passou a não se identificar com os pobres, até porque o sonho desses é justamente ter os mesmos privilégios dos ricos, uma vez que seus indivíduos, em certa medida, são voltados ao consumo e à ostentação desse consumo nas mídias sociais. E grupo acabou rachando em duas porções: aqueles que começaram a se alinhar aos valores da classe média tradicional, adaptando a questão da ostentação, mas compartilhando suas opiniões sobre os direitos sociais e individuais; e aqueles que voltaram-se à “esquerda reacionária”, reagindo à reação dos conservadores e à ameaça real que isso gerou de se acabar com a redistribuição de renda. A crise catalisou essa divisão e o resultado das eleições prenunciou o que estaria por vir: praticamente um empate técnico das duas vertentes. A inflação subiu e o pobre começou a sentir no bolso o peso da crise e boa parte deles passou a não mais apoiar o governo. A ideia de corrupção foi instrumentalizada para poder justificar a polarização – aqueles cidadãos que não são ingênuos, no seu íntimo, sabem que a corrupção é generalizada e também mora nos setores da direita – e as classes média e baixa começaram  a pedir por mais liberalismo. Mas a quais interesses atende a abertura do mercado?
O liberalismo e seu filho, o neoliberalismo, criam um ambiente de competição sem contrapesos; um sistema de anarquia comercial onde só os mais fortes sobrevivem. E os mais fortes não estão na classe média, mas, sim, na elite do país. Eu sei que os liberalistas não gostam da palavra “anarquia”, tão apegados que são aos valores da ordem e dos bons costumes, mas não existe outra palavra para outro sistema de livre competição onde o Estado não influencia. E, num sistema anárquico, o mais forte se sente livre para predar o mais fraco. Com a abertura de mercado, as grandes empresas instaladas no país podem injetar capitais o suficiente para criar uma economia de escala impossível de se competir para aqueles que tem uma produção local, às vezes quase manufatureira, sem muito know-how, e os grandes conseguem baixar seus preços a níveis suficientes para quebrar o pequeno e  o médio. Aqueles que percebem que isso vai acontecer, logo vendem suas franquias para as empresas maiores e tentam abrir outro negócio com o dinheiro da venda. Outros quebram. E com os bailouts, há uma diminuição no número de pequenas e médias firmas, e consequentemente diminui-se  a demanda de mão de obra. Os ex-empresários falidos não conseguem nem abrir outros negócios, nem arrumar um emprego como mão de obra assalariada. O número de desempregados cresce. Estes vão recorrer ao Estado uma solução e uma nova política expansionista é executada. Desssa forma, a classe média está sempre fadada a nunca atingir o seu objetivo maior de ser rica. E muitos deles não são menos capazes que quem já detém o dinheiro. Triste vida a da “meritocracia” enganosa.
Talvez se estes indivíduos se identificassem como classe média, de uma forma geral, sem cismas, e entendessem que quem obstrui o seu crescimento é a própria elite dominante, os empresários que “deram certo”, a situação fosse diferente. Primeiramente, é preciso sim um empoderamento das classes mais baixas, pois serão estes que irão demandar seus produtos e eles precisam ter renda disponível para gastar, uma vez que as pequenas e médias empresas apresentam produtos com valor agregado bem menor do que o das grandes empresas, quer seja por problemas de dominar as técnicas mais evoluídas, por falta de economia de escala competitiva ou simplesmente pela natureza de produtos que as empresas menores podem fornecer (raramente uma pequena empresa consegue fornecer produtos de luxo, bens de Giffen, por exemplo). E é sempre bom lembrar que quem consome, em larga escala, produtos de baixo valor agregado são os pobres. Em segundo lugar, o pequeno e médio empresário deveriam pressionar o governo a adotar políticas fiscais e econômicas restritivas aos ricos e que privilegiassem a classe média e essa pressão teria que ser aplicada de forma concertada, não da maneira difusa como se hoje vê. A mentalidade de competição, do querer “chegar lá”, chegou a tal ponto que os pequenos e médios empresários não conseguem se aliar entre si para poder abocanhar a renda dos mais ricos – a mentalidade é sempre de que eles estão competindo uns contra os outros e os grandes são exemplos a serem seguidos. Dessarte, não se verifica a formação de uma frente unida e esses indivíduos acabam sendo um grupo volante de pessoas, os quais ora compõem a classe média e ora compõem a classe baixa. A parte que sobra, que acaba componto o grupo realmente “tradicional” da classe média, são os funcionários públicos, os liberais classistas e aqueles que já conseguiram dominar e consolidar uma parcela do mercado – mas, mesmo estes últimos, não conseguem mais renda do que já estão acostumados e, se aparece alguma novidade produtiva, correm o risco de também eles perderem seus status.

Feminicídio


Quem acompanha os comentários nas redes sociais por vezes se surpreende com a reação de certos indivíduos da sociedade com relação à determinados temas. E um que me chamou a atenção esses últimos dias foi o assunto Feminicídio.

A tipificação do crime foi incluída pela Lei 13.104 a qual, além de incluí-la no Código Penal, caracteriza-a como crime hediondo. O fato de ser um homicídio qualificado faz a pena aumentar de 6 a 12 anos para 12 a 30 e a inclusão no rol de crimes hediondos acarreta um tratamento mais severo pela justiça: o feminicídio, a partir da nova lei, é inafiançável e não pode ter a pena reduzida. Tal iniciativa surgiu como resposta aos altos níveis de violência doméstica verificados no país, sendo que a esmagadora maioria (mais de 90%) tem como vítima a mulher. O crime é caracterizado quando verifica-se que a razão do homicídio tenha íntima relação com a condição de ser do gênero feminino (algumas evidências que podem ajudar a tipificar o assassinato assim qualificado é a mutilação de partes do corpo, como seios e genitálias, bem como assassinatos cometidos por parceiros, dentro de casa ou por razão discriminatória). A lei prescreveu ainda agravantes que aumentam a pena em 1/3: quando o crime é cometido durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto; contra menor de 14, maior de 60 ou pessoa deficiente; ou quando é cometido na frente de ascendente ou descendente da vítima. A proteção diferenciada advém do fato de que muitas mulheres são mais vulneráveis à violência.

A divulgação do sancionamento da lei e de sua vigência causou certa indignação em alguns internautas, alguns deles alegando que feria a Constituição, outros que seria uma especialização exacerbada da lei penal e havendo ainda um terceiro grupo que diziam que a lei já qualificava o homicídio de forma genérica, não havendo necessidade de criar uma distinção para o caso do assassinato de mulheres. Tratemos então de cada argumentação separadamente.

Violação da Constituição. O artigo 5º da Constituição prescreve que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (...), nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. Fazendo uma leitura liberal do dispositivo, sem ler o resto da Constituição, aparenta-se sim o feminicídio violaria o dispositivo citado. No entanto, a mesma Constituição prescreve em seu art. 4º, II, a prevalência dos direitos humanos na ordem social brasileira e é direito reconhecido, ao menos no mundo ocidental, que a mulher deverá receber proteção especial em virtude de sua condição de vulnerabilidade; e o artigo 226, §8º, mais especificamente, diz que o Estado assegurará a assistência à família, na pessoa de cada um dos que integram, criando mecanismos para coibir a violência doméstica no âmbito de suas relações. Só esse dispositivo já cai por terra o argumento. Interpretando melhor o inciso I do art. 5º, podemos perceber que são os direitos e obrigações que serão outorgadas de forma igualitária, e não a forma de assegurar tais direitos e obrigações. O direito que um tem a vida, o outro também tem; a obrigação decorrente de não matar também é igual; mas as diferenças de vulnerabilidade deverão de ser observadas – o princípio da igualdade que rege o Brasil é o da igualdade material (equidade) e não o da meramente formal. Em outras palavras, os deveres são iguais, mas a responsabilidade é diferenciada (como diria o tio do Homem-Aranha, “com grandes poderes surgem grandes responsabilidades”).

Especialização exacerbada da lei. De acordo com os facebookers que defendem essa tese, já que existe feminicídio, deveria de existir o machicídio etc. Esse é um argumento bastante ad hoc, pois não se leva em consideração o motivo pelo qual a lei se especializou – pela proteção ao lado pretensamente mais frágil. A pretensão é um instituto do direito que estabiliza a ordem jurídica, dando previsibilidade ao sistema, que surge de um fato verificado de forma frequente na sociedade. Por exemplo: o nepotismo é a pretensão de que um funcionário público está empregando um parente para favorecê-lo e não por sua capacidade profissional de exercer aquele cargo; um juiz não pode atuar em determinado processo cuja parte é parente seu porque pretensamente terá sua imparcialidade comprometida. No caso do feminicídio, o comportamento levado em consideração é que a maioria dos assassinatos domésticos são cometidos de autoria masculina e contra a mulher; com isso, a mulher é considerada, aos olhos do Estado, como mais vulnerável a priori. O “machicídio” não é justificável pois não se verifica um comportamento reiterado que possa torná-lo como um fenômeno criminal relevante: trata-se portanto de um homicídio simples ou outra espécie de qualificado. Enquanto houver violações do direito à vida ou da dignidade da pessoa humana em razão de uma característica uniforme que torne a vítima oprimida pelo agressor, a lei irá se especializar até que aquele fenômeno desapareça.

“Já existe qualificadores de homicídio por motivo torpe, não haveria a necessidade de qualificar o feminicídio”. O art. 121, §2º, I, do Código Penal caracteriza como qualificado o homicídio por motivo torpe. De acordo com a doutrina, o homicídio por motivo torpe é aquele cometido de forma desprezível, repugnante, que demonstra falta de moral, podendo o assassinato por preconceito ser classificado como tal. Nesses casos, a pena varia de 12 a 30 anos, tal qual o feminicídio, no entanto, o crime não é considerado hediondo, o que demonstra uma diferença formal entre os dois casos: o homicídio por motivo torpe é menos grave que o feminicídio. No campo material, a interpretação de que a vítima foi morta em razão de sua condição de mulher como motivo torpe ficaria a cargo dos juízes e tribunais, podendo haver diferenças de tratamento de um fórum para o outro; criar um tipificador especial deixa bem claro a gravidade do crime. No plano político e sociológico, esse fenômeno denota que o feminicídio não é um motivo torpe qualquer e demonstra também que há uma mudança de consciência do Estado e da sociedade, deixando evidente que começa a se criar a mentalidade que é necessário proteger e reinserir a mulher de uma forma mais independente no contexto político e social. Por isso, a criação do feminicídio extrapola o plano jurídico e irradia para o social.

Porém, o que mais me chama a atenção é o motivo por trás das reclamações contra a tipificação do novo crime. Percebe-se que muitos dos que reclamam dela são conservadores e defendem a manutenção da ordem e daí fica o meu questionamento: qual é o problema de se criar outra tipificação “inútil” se a pessoa não é criminosa? A nova tipificação não é a favor da manutenção da ordem? Em outras palavras, é por estar preocupado em se ver como réu um dia que se queixa da nova lei ou é por que justamente por saber tais atos extrapolam o âmbito jurídico e denotam uma nova mentalidade, onde o “direito de opressão” encontra-se ameaçado, que as pessoas reclamam? A preocupação com o tratamento “diferenciado” só demonstra o quanto ainda existe uma parcela genuinamente machista da nossa sociedade e que essa galera está com medo de perder a importância: é quando o conservadorismo se torna reacionário.