sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

O FEUDALISMO





Apesar do senso comum, nem sempre o mundo foi capitalista. Na verdade, esse modo de produção tem aproximadamente 250 anos apenas.Um dos sistemas que vigorou anteriormente, foi o feudalismo, um sistema social-econômico que se tornou dominante na Europa entre o século XI e XIII. 

A economia feudal tinha por base uma produção agrária, praticamente autossuficiente. O proprietários de terra eram os senhores feudais, o alto clero e os chefes tribais - a elite da sociedade da época. Ou seja, quando vemos alguma representação gráfica daqueles príncipes todo empavonados, estamos, na verdade, diante de um fazendeiro que gosta de rezar bastante.

A unidade econômica de produção, era o feudo, que se dividia em três partes: as terras arrendadas aos camponeses (manso servil), as terras do nobre, que continha o castelo fortificado (manso senhorial) e as terras coletivas (manso comunal), nas quais os animais e homens podiam circular livremente - pastos e florestas.


A aristocracia era financiada pelo imposto, que muitas vezes era pago em alimentos ou trabalho, e a igreja pelo dízimo. O feudalismo declina com as Cruzadas, que reanimam a rota de comércio do Mediterrâneo, o que logo traz pestes, êxodo rural, fome, distúrbios e repressão. Logo, os inúmeros feudos europeus vão começar a guerrear entre si e a Europa vai sofrer uma enorme transformação social. #historiamundial #diplomatasdesealand

O ANTIGO REGIME

 

Conforme o comércio foi crescendo durante a Baixa Idade Média, os burgueses foram se aproximando dos reis em busca de uma centralização burocrática que facilitasse os negócios. O rei, antes uma figura quase decorativa, agora garantia a unicidade da moeda, a simplificação tributária e a padronização dos pesos e medidas. Os nobres enfraquecidos pela escassez de mão de obra no campo, empobrecimento e aumento da violência se viram obrigados a procurar o monarca para garantir a segurança de seu feudo, que então contava com um exército profissional, quando nao entravam em um conflito direto com esse - e perdiam - resultando num regime político chamado Absolutismo.
Para garantir todo esse crescimento, logo os grandes reinados se viram à procura de ouro e matérias-primas no mundo exoeuropeu, primeiro nos principados da Índia e da China. Logo os Otomanos buscaram confrontar o Império Habsburgo na Europa Central e começou a controlar boa parte das rotas de comércio entre Oriente e Ocidente; isso gerou uma pressão por aventuras para fora da Europa e por rotas alternativas de comércio: começam as grandes navegações e os primeiros impérios coloniais, principalmente Portugal e Espanha.
A América foi invadida, conquistada, saqueada e dominada pelos impérios europeus; na África, inúmeros entrepostos e feitorias foram fundados pelos lusitanos, enquanto a reorganização de poder no continente eurasiano descambava para intermináveis guerras sangrentas. Em pouco tempo, essa onda de globalização resultaria em mais fome e revoluções que mudariam o mundo inteiro.

A REFORMA PROTESTANTE



O movimento cristão protestante teve seu início na França, ao longo do século XIII. O início dos questionamentos à autoridade católica começou quando Pedro Valdo encomendou a tradução da Bíblia para o francês e passou a fazer pregações por conta própria, sem o sacerdócio.

Valdo era rico, de origem burguesa, e sua fortuna veio do comércio de roupas em Lyon; porém, quando da sua epifania cristã, o comerciante francês distribuiu sua riqueza, mantendo somente o suficiente para a subsistência de sua família. Amparava sua teologia a partir do Evangelho, onde se lê: "Ninguém poderá servir a dois senhores: Deus e o dinheiro" (Mt 6:24). Tentou fundar uma ordem na Igreja Católica, mas foi rechaçado, de forma que continuou a pregar por conta própria. Assim, viria a ser excomungado anos mais tarde, o que não o impediu de dar prosseguimento a sua interpretação da Bíblia. Uma ordem não católica se formou, os valdenses, que seriam perseguidos pela Igreja por três séculos.

Vários acontecimentos importantes mudaram a sorte dos valdenses e da Igreja Católica: o cativeiro do papa em Avignon, no reinado francês e o Grande Cisma do Oriente. O debate da fé atingiu as classes mais baixas. Passou-se a questionar a opulência da Igreja e seus dogmas e a demandar um retorno ao cristianismo primitivo, no qual a igreja era pobre e mais próxima de seus seguidores.

 

O marco inicial da reforma aconteceu quando Martinho Lutero afixou nos portões de Wittenberg as suas 95 teses, que são o apanhado geral de todos os questionamentos que haviam sido feitos pelos protestantes desde Valdo. Interessante, porém, é notar a mais polêmica: a doutrina do sola fides, na qual o homem poderia ser salvo somente por acreditar em Deus, independente de realizar obras boas na Terra.

Mas, afora todo o debate da fé, algo mais essencial estava ligado ao surgimento da reforma cristã: o mundo estava mudando desde as Cruzadas. O comércio havia ressurgido e a prática da usura (acumulação de riqueza) era condenada pela Igreja, apesar de ela própria, como instituição, poder praticá-la. A burguesia se incomodava das críticas ideológicas que limitavam seus vultuosos lucros e demandavam uma nova religião - uma na qual não seria pecado enriquecer além da necessidade humana. Por outro lado, a aristocracia tinha suas razões econômicas para apoiar o movimento: queria se livrar dos pesados tributos devidos ao clero e se apossar de suas terras; alguns nobres, inclusive, dependiam dessa surrupiação, ameaçados que estavam de serem extirpados com o Renascimento Comercial e a centralização absolutista.

Por essa razão, principalmente no Império Romano Germânico (atual Alemanha) a nobreza iria se apropriar das 95 teses de Lutero para apoiar e organizar os anticatólicos.

Lutero destratava dos pobres; condenava as rebeliões camponesas e apoiava a aristocracia. Sobre os famintos que se insurgiram contra os nobres, Lutero escreveu: "Contra as hordas de camponeses (...), quem puder que bata, mate ou fira, secreta ou abertamente, relembrando que não há nada mais peçonhento, prejudicial e demoníaco que um rebelde". Super cristão, não?

Mais do que uma reforma de fé, a Reforma Protestante se tornou o alicerce da ideologia burguesa: uma visão de mundo que não se importava mais com o amor ao próximo, com a justiça social, uma visão com forte teor antipopular. Ironicamente, o movimento que se iniciou com Pedro Valdo, que pregava a pobreza e a caridade, iria evoluir mais tarde para o calvinismo, fundada sobre a doutrina da prosperidade, a pedra angular da ideologia burguesa e do capitalismo moderno

A Paz de Vestfália




A Reforma Protestante influenciou burgueses e aristocratas a se sublevarem contra nobres católicos e o clero, tomando-lhes as terras. Logo, um intenso conflito se deu dentro do Sacro Império Romano Germânico, que, na época, era dividida em 224 países, constituída desde grandes reinados, até cidades livres e abadias.

A Paz de Augsburgo viria a promover um cessar-fogo temporário, mas, conforme o calvinismo se espalhava pela Alemanha, logo as hostilidades voltaram à reacender a chama da guerra, principalmente pelo fato de os termos de paz serem acertados somente entre luteranos e católicos, deixando os calvinistas de fora. As grandes potências da época estavam interessadas no que acontecia no interior do Império Germânico, por inúmeros motivos: a França (católica e anti-Habsburgo) via-se cercada pelo Reino Habsburgo; a Espanha tinha (católica) colônias limítrofes com estados alemães e a Suécia (luterana) e a Dinamarca-Noruega (luterana) estavam de olho nos territórios do norte. Desenrolou-se então uma das guerras mais sangrentas da história da humanidade até então: a Guerra dos Trinta Anos. Além disso, nos Países Baixos, revoltosos holandeses iniciaram sua longa campanha de independência contra os espanhóis (Guerra dos Oitenta Anos), também opondo luteranos e católicos. A Paz de Vestfália, um conjunto de tratados assinados em Münster, Osnabrück e Pirineus, encerrou os conflitos e lançou as bases do moderno sistema internacional. A partir dele, princípios importantes até hoje para o direito internacional foram lançados: 1. Soberania estatal - cada príncipe só é soberano em seu próprio território e o direito interno e internacional devem ser separados. 2. Estado-nação - Estado é um governo, sobre um povo, em um território delimitado. 3. Equilíbrio de poder - só se pode haver uma paz duradoura se os Estados de um sistema não forem, em sua soma, menos poderosos que um estado específico. 4. Não intervenção - um Estado não poderia interferir nos assuntos internos de outro Estado. Surge da negociação desses tratados as bases da diplomacia moderna! #historiamundial #cacd #diplomacia #diplomatasdesealand #alemanha

A REVOLUÇÃO INGLESA


Até o reinado de Carlos I, a Inglaterra se regia pelo sistema monárquico absolutista, no qual o rei era considerado infalível e sua conduta inquestionável. O Parlamento era um órgão temporário, que só era convocado para opinar sobre impostos e guerras e o rei sequer era obrigado a seguir suas deliberações.

Um clima de conflito político se iniciou com o casamento de Carlos com Henrietta Maria, de origem puritana e viria a se agravar com a participação inglesa na Guerra dos 30 Anos. Carlos I enviou o duque de Buckingham para comandar a participação britânica, que sofreu uma derrota fragorosa na França. O Parlamento pediu então a sua demissão, irritando o monarca, o qual dissolveu o Parlamento.

Um novo legislativo foi formado dois anos depois, 1628, e Oliver Cromwell foi eleito parlamentar. O novo Parlamento aprovou o fim das detenções arbitrárias e da lei marcial em tempos de paz, além de estender seu poder para opinar sobre todos os impostos. Mesmo assim, Carlos I buscou estender o imposto "ship money", até então alfandegário, para todo o país, sem a anuência do Parlamento, além de mandar prender Sir John Eliot, autor da petição, e outros oitos parlamentares, por evasão fiscal.

Por 11 anos, Carlos I viria a governar sem Parlamento e o fez de maneira desastrosa. Um brutal conflito entre ingleses e escoceses, de origem religiosa, veio à tona, e Carlos I inclusive mandou torturar e cortar orelhas de nobres ingleses que criticavam a sua reforma religiosa. A Inglaterra perdeu a guerra e aceitou, de maneira humilhante, pagar reparações à Escócia.

Sem dinheiro, Carlos I resolveu convocar outro Parlamento, com a finalidade de conseguir receitas para acabar com a rebelião no norte. O Parlamento se recusou a aprovar os impostos e foi dissolvido. Mais uma vez o rei atacou a Escócia e foi repelido.

Outro Parlamento foi convocado e uma petição foi aprovada prevendo periodicidade convocatória para a assembleia. Carlos I teve a brilhante ideia de tentar usar um exército católico irlandês para atacar os escoceses, mas o Parlamento ficou bravo às tampas e prendeu o dono do exército na Torre de Londres, o Lorde Strattford; um dos parlamentares mandou executá-lo.

Os católicos ingleses reagiram violentamente, temendo uma restauração protestante. A tentativa de Carlos I em prender 5 parlamentares por traição falhou. Carlos fugiu de Londres e agrupou seu exército em Nottingham, enquanto o Parlamento reuniu tropas leais aos nobres.
A Inglaterra se viu conflagrada numa guerra civil que revelaria Cromwell como uma grande liderança militar. Carlos fugiu para a Escócia (!), onde foi raptado e preso, fugindo e sendo recapturado duas vezes.

Os militares, insatisfeitos com a falta de pagamento, passaram a apoiar Carlos I, e marcharam para Londres. Secretamente, o rei negociou um acordo de paz com os escoceses que incluía uma reforma religiosa e outra guerra civil estourou em menos de dez anos.

O lado monarquista capturou e baniu 2/3 do Parlamento e o outro 1/3 organizou um tribunal que condenaria Carlos I à pena capital. Interessante notar que a maioria dos juízes que concordaram com essa pena seria executada após a restauração monárquica.

Entre 1649 e 1653, a Inglaterra se tornaria o primeiro país europeu a governar de maneira republicana, repetindo a façanha entre 1669 e 1670. Durante o interregno desses dois períodos, Cromwell inauguraria uma forma de governo muito comum em países que lutam por governos mais democráticos: a ditadura militar.

As guerras civis dizimaram 15% da população da Inglaterra e, após a restauração, o corpo decomposto de Cromwell foi exumado e executado em praça pública.

Após o desfecho da crise política, o absolutismo caiu e emergiu um novo sistema de governo: a monarquia parlamentar, na qual o Chefe de Estado é o rei, mas quem governa é o Primeiro-Ministro.

Os acontecimentos na Inglaterra prenunciavam o que iria a acontecer na França cem anos depois, na revolução que mudaria, como nunca antes, a história da humanidade.
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AS FRONTEIRAS DO BARÃO



AS FRONTEIRAS DO BARÃO

O Barão do Branco empreendeu diversas negociações com outros países cujas fronteiras com o Brasil necessitavam de soluções. Os tratados que assinou com a Venezuela, Colômbia, Equador, Bolívia, Peru, Uruguai, Argentina e Guiana Holandesa definiram os contornos finais do território brasileiro.

QUESTÃO DO ACRE

Em 1902, o Barão do Rio Branco foi convidado pelo presidente Rodrigues Alves para assumir a pasta de Relações Exteriores. Logo no início, se defronta com a Questão do Acre, que foi resolvida por Rio Branco por meio do Tratado de Petrópolis, de 17 de novembro de 1903, por meio do qual o governo brasileiro comprou o território acreano da Bolívia sem precisar entrar em guerra com o País. Para homenageá-lo, foi dado o seu nome à capital do estado. O Barão permaneceu na função de chanceler durante o mandato de quatro presidentes: Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca.

A QUESTÃO DO PAN-AMERICANISMO

O mais instigante na figura do Rio Branco foi a sua percepção da transformação geopolítica no início do século XX, época da intensificação das rivalidades entre as grandes potências europeias. O Império Inglês, que Rio Branco acompanhou de perto, estava gastando bastante tempo e dinheiro em guerras locais que ocorriam em suas colônias na Ásia e na África. Além disso, não demoraria muito para estourar a Primeira Guerra Mundial.

Antevendo a catástrofe europeia, Rio Branco promoveu uma intensa aproximação com os Estados Unidos, que nessa mesma época apresentavam-se sob a liderança do presidente Theodore Roosevelt, como uma grande potência alternativa àquelas da Europa. Além disso, Roosevelt era simpático do pan-americanismo da Doutrina Monroe, que previa um bloco geopolítico integrado no continente americano.

A melhor "ferramenta" utilizada por Rio Branco nesse deslocamento diplomático da Europa para os Estados Unidos foi [nomear] Joaquim Nabuco. Assim como Rio Branco, Nabuco era um aristocrata e diplomata do Império que, com o colapso deste, continuou prestando os seus serviços para a República. Quando o Barão foi nomeado Ministro das Relações Exteriores, Nabuco, que era partidário do pan-americanismo, foi feito embaixador do Brasil em Washington, capital dos EUA.

Por Ariane Bertoli Muscari



segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Balanço sobre as Eleições de 2020

Muita expectativa se formou em torno das eleições de 2020; primeiro porque não se sabia qual seria o impacto da pandemia no resultado do pleito, tanto em relação à rejeição da política bolsonarista, quanto em relação a como as pessoas enxergaram a política dos governadores (e aliados) e prefeitos; segundo, porque havia uma preocupação em saber o quanto do bolsonarismo havia sido consolidado na política real e, por último, para se medir como está sendo a reorganização das bases da esquerda institucional pós-golpe, dado, também, a condicionante da reforma eleitoral que veio para prejudicar, em ampla medida, o crescimento de pequenos partidos, sobretudo aqueles que não podem, por ideologia, procurar o apoio do empresariado.

 A previsão de que haveria uma baixa adesão se mostrou acertada. A pandemia ressaltou a importância do voto jovem e preteriu algumas candidaturas que teriam grandes chances de eleição, caso não houvesse o medo do contágio e, também, a perda de interesse na democracia, tão desgastada por meio de sucessivos ataques e pela uniformização política que se coloca em prática diante do avanço dos interesses capitalistas.

Faço abaixo algumas considerações sobre quais foram as tendências verificadas ao longo destas eleições.

Deperecimento do Bolsonarismo e Fortalecimento do Centrão

A primeira tendência que salta aos olhos é a não consolidação do bolsonarismo como força política coesa municipal. Bolsonaro não conseguiu conformar um partido para chamar de seu, nem emplacou seus candidatos para conformar uma nova base cativa. Por causa disso, ficará mais dependente de sua base mais fanática e dos políticos da direita fisiológica, mal-batizada de "Centrão" - ou seja, ficará mais dependente da política mais velha que existe no Brasil. Este segundo fenômeno certamente será o mais capital daqui para frente, uma vez que a direita fisiológica - sobretudo os partidos Progressistas, Democratas e MDB - é a grande campeã de 2020, aumentando seu poder para o interior do Brasil.

Isto não significa, porém, que o neofascismo irá arrefecer no país, mas apenas que não conseguiu se consolidar como bolsonarista. Provavelmente, essa turma irá procurar um líder mais carismático e articulador. O eleitor brasileiro provavelmente ejetará Bolsonaro da mesma forma que os Estados Unidos ejetou Trump, e igualmente substituindo nosso fascista de estimação por uma figura da "direita progressista". Isto abre caminho para uma retomada do trabalho de base da esquerda diante das fraturas no campo bolsonarista, principalmente entre os trabalhadores precarizados e pejotizados.

Perda Relativa de Hegemonia do PT na Esquerda

Por mais que haja, mais uma vez, uma tentativa do Partido dos Trabalhadores em negar o óbvio, ele foi o grande perdedor dessa eleição. O PT deteve a maior parcela da verba do fundo partidário, teve como grande cabo eleitoral o mítico ex-presidente Lula e deteve perdas amargas nas eleições. Seus votos escorregaram em grande parte tanto para a esquerda (PSOL), quanto para a direita progressista (PSB e PDT). Dos 5.200 vereadores que detinha em 2013, só poderá contar com 2.600 em 2021, uma perda de 50%; no caso do Executivo, a perda foi ainda pior: além de não conseguir eleger prefeito em nenhuma capital, o PT elegeu 638 prefeitos em 2012 e agora elegeu apenas 179, o que representa 28% do auge de sua potência,  conformando a tendência de queda que já havia surgido em 2016.

Muitos quadros do Partido dos Trabalhadores parecem não querer constatar o óbvio: o de que a perda relativa de hegemonia deste partido não é fruto de invenções editoriais da mídia burguesa, mas uma realidade na qual os petistas querem evitar atestar há, pelo menos, quatro anos. A burocratização do partido se tornou tão grande, que cada vez menos a base se politiza e cada vez mais há um distanciamento entre os parlamentares graúdos - que habitam no Congresso Nacional e nas assembleias legislativas - e os parlamentares das câmaras municipais. Sem uma base que os finquem ao chão, estes parlamentares sairão voando em breve e se perderão da vista dos trabalhadores.

O PT é, também, cada vez menos um partido de trabalhadores, e cada vez mais um partido da toga. Os grandes quadros "renovados" do partido são, em geral, advogados, professores universitários, promotores e juízes aposentados, ou burocratas profissionais - como é o caso da família Tatto. O próprio Lula deixou o seu passado sindicalista para trás para se portar e se vestir como um embaixador ou um diplomata de alta patente. Com essa nova elite burocrática, somado aos antigos quadros políticos que acham que entendem de política (estes fósseis que esquecem que a transformação social embaralha as peças e traz novas condicionantes ao jogo), vai se conformando uma categoria muito especial de "iluministas" que não entendem nada da miséria do pobre, mas se sente habilitado a falar em seu favor, mesmo sem nunca aparentemente ter pisado numa favela.

Soma-se a isso a uma arrogância em perceber os problemas que saltam aos olhos. Não, não estou falando que o PT deve fazer uma "autocrítica" para A Folha de SP, até porque autocrítica se faz internamente; além do fato de a intenção da mídia com relação a essa suposta autocrítica do PT é a de trazê-lo à direita, todos sabemos disso. Digo em relação à arrogância do PT ao realizar suas alianças, por exigir mais concessões da outra parte do que está habilitado (há sempre um superdimensionamento do seu poder, que ganha um descolamento da realidade ainda maior nesses últimos tempos). Ademais, o partido especializou-se em fazer a política clientelista com a sua base e se apega a um culto à personalidade do Lula que não o leva a lugar algum, além de levar para dentro dos sindicatos e movimentos sociais a política de "força" (acoxa-se os militantes opositores e despeja-se dinheiro nos grupos, pois há uma mentalidade que o dinheiro faz tudo). Há, também, um claro desprezo pelas novas formas de comunicação como angariador de votos. 

O partido do Lula caminha-se a passos largos para ter o mesmo fim do PSB e do PTB: o de se tornar apenas mais um partido fisiológico, de composição, carcomido pelo tempo, que se usa de ligações sindicais e organizacionais para ter eleitorado cativo na classe trabalhadora. Ficou patente a hesitação de grande parte dos quadros petistas que evitaram polarizar com Bolsonaro ou com os tucanos, por uma esperança de conseguir ganhar votos da classe média.

No vácuo do PT, cresce em importância relativa e como uma futura opção, o PSOL. É um partido que tem o modo petista de fazer política em seu DNA, mas que conta com uma militância mais jovem e arejada, que pode fazer a diferença nos anos seguintes. Porém, a ausência de centralismo democrático e a presença de quadros de direita dentro dele podem fazer com que todo o discurso supostamente radical seja abandonado em prol do "capitalismo humanista" que prega a pequena-burguesia, um perigo que ficou muito claro na candidatura Boulos, quando este fez alianças com partidos fisiológicos na reta final e buscou moderar o tom e se livrar da pecha de "radical". O sucesso do PSOL dependerá da sua não aproximação com a mentalidade da conciliação de classes e de sua política sindical, em sentido amplo (por sucesso aqui, entenda-se ter um papel relevante para a classe trabalhadora). Certamente, em termos proporcionais, foi o partido de esquerda que mais cresceu nessas eleições e ainda saiu com um possível líder de massas para 2022, Guilherme Boulos. A tendência do partido aponta, porém, para a moderação no médio prazo.

Por fim, o PDT e o PSB, partidos supostamente de esquerda, bebem na desinformação e no antipetismo de setores ligados à classe trabalhadora que não se renderam ao fascismo aberto de Jair Bolsonaro e das pentecostais. Seu crescimento é circunstancial e certamente haverá pouca consolidação que torne esses partidos relevantes para 2022 (o único objetivo dessas agremiações), uma vez que fazer a política de base não é o forte desses "paladinos" do trabalhismo.